Brasil

Bolsorano flerta com uma OTAN cercada de problemas

por Solange Reis

O convite de Donald Trump a Jair Bolsonaro para que o Brasil seja um aliado prioritário extra-OTAN depende da concordância dos demais 28 integrantes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Como bem disse o presidente americano, será preciso conversar com muita gente antes.

Mesmo que outros participantes aceitem, o processo de associação não seria rápido. Existe uma série de procedimentos de padronização, exercícios militares e conformidades normativas a seguir. Reestruturação organizacional das Forças Armadas e treinamentos doutrinários são algumas das muitas exigências para os candidatos.

No caso da Colômbia, o único país latino-americano com status de aliado prioritário, foram cinco anos de adaptação até a formalização da parceria em 2018. O estágio incluiu, entre outras coisas, combater piratas somalis no Chifre da África. Como parceiro global, a Colômbia também poderá ter de colaborar na missão da ONU no Afeganistão, por exemplo.

Se a adesão como parceiro global é improvável, o aceno para o Brasil ser membro pleno está fora de cogitação. A Carta da OTAN permite que somente nações europeias e norte-americanas entrem para a organização. A menos que o tratado seja alterado, o clube não aceitará ninguém de fora.

Independentemente de as propostas de Trump serem ou não ilusórias, Bolsonaro flerta com a ideia de projeção militar em um momento de instabilidade e tensão para a aliança de segurança coletiva.

Desde que Trump foi eleito, os atritos dos Estados Unidos com os aliados europeus a respeito da OTAN não param. Diz a Casa Branca que o motivo é o baixo nível de gastos com defesa pelos parceiros europeus, acusados pelo republicano de tirar vantagem dos esforços americanos. O presidente chegou a chamar a OTAN de obsoleta e os europeus, de delinquentes. Para sermos justos com Trump, Barack Obama já tinha levantado a mesma bandeira com palavras mais suaves. “Caronistas” foi como o democrata se referiu aos aliados.

Um acordo tácito entre os membros da aliança transatlântica recomenda o mínimo de 2% sobre o PIB. Fora os Estados Unidos (3,5%), Grécia (2,27%), Estônia (2,14%), Reino Unido (2,10%) e Lituânia (2,0%), ninguém  bate a meta. França e Alemanha gastam, respectivamente, 1,81% e 1,24%.

O governo alemão é o alvo central da reclamação americana. Na ocasião de sua primeira visita oficial para encontrar Trump, a chanceler Angela Merkel recebeu uma fatura simbólica de US$ 300 bilhões de dólares para cobrir despesas recentes dos Estados Unidos com a segurança da Alemanha.

A Europa não tem como sair da OTAN nem desenvolver suas próprias estruturas de defesa rapidamente, mas já admite que não pode mais confiar ou depender dos Estados Unidos.  Nas palavras de Merkel, “o tempo em que podíamos confiar totalmente nos outros acabou (…). Nós, europeus, temos que pegar o nosso destino com as próprias mãos”.

Além da crise interna, às vésperas de celebrar seus 70 anos de existência, a OTAN revive certa nostalgia da bipolaridade. Em fevereiro, os Estados Unidos decidiram abandonar unilateralmente o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês). Exatos trinta dias depois, Vladimir Putin também retirou a Rússia do compromisso.

Assinado em 1987, o INF foi um marco no controle de armas nucleares. As duas superpotências, Estados Unidos e União Soviética, se comprometeram a eliminar mísseis de curto e médio alcance lançados a partir de bases terrestres. Ambas puderam manter o arsenal para lançamento de bases aéreas e marítimas, além de mísseis balísticos intercontinentais. Mas o banimento das armas cobertas pelo INF aumentou a segurança europeia, o que, por sua vez, ajudou a levar ao fim da Guerra Fria.

Agora, ambos os signatários acusam-se mutuamente de violação do tratado. Os Estados Unidos alegam que os russos desenvolveram um sistema proibido de mísseis de cruzeiro, o chamado SSC-8. Já os russos dizem que os Estados Unidos instalaram um sistema banido, o Aegis Ashore, na Romênia.

Na semana passada, o clima esquentou entre Rússia e OTAN. A organização confirmou que, até 2021, irá instalar US$ 260 milhões em armas, munição e veículos militares na Polônia. O plano é construir uma base militar em Powidz, a 200 Km de Varsóvia e a pouco mais de 400 Km de Kaliningrado. Geopolítica não é para amadores: Kaliningrado é o enclave russo em pleno território polonês e dentro da União Europeia, uma herança estratégica da Segunda Guerra Mundial. Jens Stoltenberg, secretário-geral da OTAN, disse que outro objetivo é construir 250 estruturas auxiliares para facilitar operações em estradas, ferrovias, aeroportos e portos por toda a Europa para o transporte de equipamento nos próximos anos. Com o objetivo de desenvolver capacidade de mobilização rápida, países no Leste Europeu têm recebido soldados americanos desde 2015, quando houve a anexação da Crimeia pela Rússia.

Para quase todos os passos da OTAN há uma reação do Kremlin. No início do mês, os russos comunicaram a instalação do segundo sistema de defesa aérea, o S-400, em Kaliningrado, uma resposta ao avanço dos Estados Unidos na Romênia e ao anúncio de que a Polônia acertou a compra do escudo de defesa americano, Patriot, por US$ 4,75 bilhões.

Ao sul do Equador, a Rússia também mandou um recado geopolítico ao enviar dois aviões com cem soldados para a Venezuela, em meio às ameaças de figuras políticas nos Estados Unidos sobre invadir a país sul-americano. O próprio Trump disse que “todas as opções estão na mesa”.

Referindo-se a Hugo Chávez no passado, Bolsonaro disse ter gostado de ver um coronel paraquedista no governo. Hoje, é um forte crítico do chavismo. Por enquanto, afirma que não pretende intervir na Venezuela. Amanhã, quem sabe?

Associar-se a um organismo de segurança que tem como “sócio majoritário” o país que mais faz guerra no mundo pode ter lá seus atrativos para os belicistas de plantão. A contrapartida é gastar muito dinheiro com despesas e investimentos geralmente desnecessários e o risco de mandar jovens para a frente de batalha em locais distantes ou nem tão longe assim.

Alguns no círculo bolsonarista talvez se sintam honrados com a possibilidade de um tratamento especial pelos Estados Unidos no quesito segurança. Nessa hora, é oportuno lembrar a frase do ex-diplomata americano, Jim Jatras. “Não temos aliados; temos satélites. E um bom satélite faz o que é dito”.

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