Política Doméstica

Primeiro veto de Trump derruba resolução contra emergência nacional

Por Tatiana Teixeira

No primeiro veto de seu governo, emitido em 15 de março, o presidente Donald Trump derrubou a resolução aprovada no Senado contra sua declaração de emergência nacional. O objetivo era impedir o presidente de obter os recursos desejados para a construção de um muro na fronteira com o México, em uma condição que o possibilitaria prescindir do aval do Congresso. Nem mesmo a maioria da bancada governista no Senado evitou a passagem do texto, que ganhou a adesão de 12 republicanos e foi aprovado por 59 votos contra 41.

Votaram com os senadores democratas: Roy Blunt (R-MO), Susan Collins (R-ME), Mike Lee (R-UT), Lisa Murkowski (R-AK), Rob Portman (R-OH), Mitt Romney (R-UT), Marco Rubio (R-FL), Patrick Toomey (R-PA), Rand Paul (R-KY), Roger Wicker (R-MS), Lamar Alexander (R-TN) e Jerry Moran (R-KS).

No mês passado, Trump declarou emergência nacional na fronteira com os vizinhos mexicanos para remanejar US$ 3,6 bilhões em verbas já autorizadas da pasta da Defesa. Pretende ainda realocar outros recursos do Pentágono e do Departamento do Tesouro até chegar a cerca de US$ 8 bilhões a serem investidos na segurança na fronteira. Dos US$ 5,7 bilhões pedidos ao Congresso, Trump obteve apenas US$ 1,4 bilhão e reagiu.

“Hoje estou vetando esta resolução. O Congresso tem a liberdade de aprovar essa resolução, eu tenho o dever de vetá-la”, afirmou o presidente, em cerimônia no Salão Oval da Casa Branca. Acompanhado do vice-presidente Mike Pence, de seu procurador-geral, William Barr, e da secretária de Segurança Interna, Kirstjen Nielsen, Trump chamou a resolução de “perigosa” e “imprudente”.

“A crise humanitária e de segurança que temos na fronteira agora é exatamente o tipo de emergência, nas quais presidentes têm permissão de usar a Lei de Emergências Nacionais”, alegou Barr. Considerado linha-dura quando se trata de imigração e favorável a uma política de tolerância zero, o substituto de Jeff Sessions defendeu que o decreto está “claramente autorizado” e “solidamente baseado na lei”.

De acordo com o Brennan Center, Trump já havia declarado emergência nacional em três situações. Em dezembro de 2017, o presidente adotou sanções contra autoridades de Mianmar por corrupção e abusos dos direitos humanos cometidos contra a minoria rohingya. A segunda, de setembro de 2018, era contra a interferência estrangeira nas eleições americanas por meio de ciberpirataria e campanhas nas mídias sociais. Dois meses depois, voltou-se contra o presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, e a violência cometida contra a população por parte desse governo centro-americano.

O anúncio de Trump se dá dois dias depois de outra medida bipartidária do Senado (com sete votos republicanos) que pode levar a mais um veto do presidente: uma resolução determinando ao governo americano a suspensão do apoio à coalizão liderada pela Arábia Saudita que atua na guerra civil no Iêmen. Na mesma semana, no dia 14, a Câmara aprovou uma resolução sem efeito vinculante para que as conclusões da investigação do procurador especial Robert Mueller sobre o Russiagate sejam tornadas públicas.

Briga nos tribunais

Depois de passar pela Câmara e pelo Senado, a resolução conjunta segue para o presidente para ser sancionada. Ele tem, então, dez dias para assinar, ou rejeitar o projeto. Se o presidente não adotar qualquer medida nesse período, o texto vira lei de forma automática. Em caso de veto, volta para o Congresso, com a devida explicação para a oposição presidencial. Tanto Barack Obama quanto George W. Bush emitiram 12 vetos em oito anos de governo. No caso do democrata, um foi derrubado, e do republicano, quatro.

Esta foi a primeira vez que o Congresso se mobilizou para vetar uma medida do atual governo. A derrota pode ter sido apenas simbólica, porém, já que nem a Câmara de Representantes nem o Senado teriam votos suficientes para barrar o veto presidencial. Para isso, seriam necessários dois terços dos votos nas duas Casas. E, no mês passado, apenas 13 representantes do GOP apoiaram a resolução contra a emergência nacional de Trump. Foram 245 votos contra 182. O texto ainda voltará para análise, em 26 de março próximo, em uma Câmara dominada por democratas bastante revigorados com a vitória nas midterms. Até o momento, é baixa a expectativa de reversão. O líder da minoria no Senado, Chuck Schumer (D-NY), disse que os democratas poderão manter a pressão, buscando bloquear o decreto com uma resolução a cada seis meses.

Com pouca chance de avançar no Congresso, portanto, a briga deve se arrastar mesmo nos tribunais – como já aconteceu, aliás, com várias medidas adotadas por Trump, entre elas o travel ban. A ativa American Civil Liberties Union (ACLU), o grupo Public Citizen e a Califórnia, entre outros estados e organizações, são alguns dos que já prometeram recorrer à Justiça contra a validade do decreto de emergência nacional, alegando que viola a separação de poderes prevista na Constituição.

Nesse sentido, mesmo sem resultado efetivo, os críticos de Trump acreditam que a ação do Congresso possa ser usada na Justiça como reforço do argumento de ilegalidade das medidas adotadas pelo Executivo, assim como dos excessos do exercício do poder presidencial.

A disputa também mantém os holofotes sobre a questão migratória, um dos temas-chave da campanha para a eleição presidencial de 2020. Assim como Trump poderá usar essa queda de braço com o Legislativo para insistir com sua base eleitoral conservadora em sua imagem de outsider da política, seus oponentes democratas buscarão destacar o preconceito do presidente em relação às (ainda) minorias étnicas no país, sobretudo, a comunidade hispânica.

Dissidência republicana

Enquanto adversários e dissidentes acusam Trump de querer passar por cima das atribuições do Congresso com seu decreto de emergência nacional, muitos republicanos temem que o mesmo expediente seja usado em futuros governos democratas para questões tão polêmicas quanto a reforma sobre posse e porte de armas – um tema especialmente sensível e caro aos membros, eleitores e grandes doadores do GOP, como a National Rifle Association.

“Nunca antes um presidente pediu por recursos, o Congresso negou, e o presidente então usou a Lei de Emergências Nacionais de 1976 para gastar esse dinheiro, mesmo assim”, afirmou o senador Lamar Alexander, lembrando que “os fundadores da nossa nação deram ao Congresso o poder para aprovar todos os gastos, de modo que o presidente não tivesse poder demais”. O senador Jerry Moran, outro republicano, também avaliou que a declaração de Trump foi inconstitucional.

“Estamos dizendo hoje: ‘não, não consentimos isso’. Não concordamos que o presidente possa vir aqui e ir contra a intenção clara do Congresso quando se trata dos recursos adequados” para esse muro, disse a senadora Lisa Murkowski. “É sobre separação de poderes”, resumiu o senador Patrick Toomey, acrescentando que “é sobre respeitar os princípios da Constituição”.

Como se vê, a grande questão para os dissidentes não parece estar exatamente relacionada a uma divergência quanto às medidas de segurança que Trump espera ver implementadas na fronteira – muro, aumento no número de agentes e de número de postos de controle de acesso, modernização dos equipamentos de vigilância, entre outras. Ou ainda sobre o fato de discordarem, ou não, de uma política que vincula insegurança, aumento no número de crimes e imigração.

Desde 1976, em nenhuma das quase 60 vezes em que a Lei de Emergências Nacionais (NEA, na sigla em inglês) foi invocada, a justificativa encontrou paralelo com o quadro atual. Embora o Congresso não tenha de autorizar o decreto em todas as circunstâncias previstas por lei, em nenhuma das vezes, o presidente atropelou o Legislativo para obter recursos por meios que contrariassem uma decisão já tomada por esse Poder.

Desde a aprovação dessa legislação por Gerald Ford, todos os presidentes fizeram uso desse recurso no mínimo uma vez para questões ligadas, sobretudo, à política externa, segurança e defesa. Até fevereiro de 2019, pelo menos 31 continuavam em vigor, sendo várias delas dos governo George W. Bush e Obama. A alegação de situação de “emergência” na origem do decreto pode durar até um ano, podendo ser renovada ao fim desse prazo. Entre as que continuam em vigor, estão as duas primeiras adotadas por Bush filho no pós-11 de Setembro: a Declaration of National Emergency by Reason of Certain Terrorist Attacks e a Blocking Property and Prohibiting Transactions With Persons Who Commit, Threaten To Commit, or Support Terrorism.

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