Internacional

Frustração marca segunda cúpula Trump-Kim

Por Tatiana Teixeira

Apresentada há menos de um ano como um dos grandes triunfos diplomáticos de Donald Trump, a reaproximação com a Coreia do Norte permanece como uma promessa esvaziada pela ausência de resultados concretos até agora. Contrariando previsões de analistas e de políticos, que davam como certo um desfecho mais claro em pelo menos algum dos temas da agenda, a cúpula nuclear de 27 e 28 de fevereiro entre o presidente americano e o líder norte-coreano, Kim Jong-un, na capital vietnamita, Hanói, terminou sem anúncios concretos. Seguiu, assim, um roteiro bem parecido com o da primeira, realizada em 12 de junho passado, em Singapura.

Inicialmente, a mera possibilidade de uma cúpula bilateral foi considerada um avanço, após a escalada retórica simbolizada pelo primeiro discurso de Trump na Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2017. Neste pronunciamento, o presidente norte-americano chegou a ameaçar “aniquilar completamente” a Coreia do Norte liderada pelo “Homem-Foguete”. O encontro de junho foi encerrado, no entanto, com pouco menos do que um protocolo de intenções e apenas o esboço de potenciais futuros compromissos a serem assumidos por ambas as partes. Entre eles, reconstituir as relações bilaterais e estabelecer um regime de paz na península, por meio da desnuclearização completa e verificável de Pyongyang.

De lá para cá, o quadro teve poucas alterações no plano prático. Mesmo a avaliação de Trump de que a Coreia do Norte não oferecia mais riscos nucleares foi desmentida algumas vezes, depois disso, por funcionários do alto escalão de seu governo.

Disputa de narrativas

Apesar do alarde pré e pós-cúpula, pelo menos publicamente, este segundo encontro rendeu, mais uma vez, apertos de mãos, fotos protocolares e comentários genéricos e evasivos das autoridades envolvidas.

“Realmente acredito que este bem-sucedido e grande encontro que estamos tendo hoje é graças à corajosa decisão, à decisão política, sr. presidente, que sua equipe tomou”, elogiou Kim na aparição pública inicial, ao que Trump retribuiu.

“Acho que seu país tem um potencial econômico tremendo. Acho que você tem um o futuro fantástico com seu país – um grande líder. E eu estou ansioso para ver isso acontecer e ajudar a fazer isso acontecer”, devolveu o presidente norte-americano.

Desta vez, contudo, além de ser concluída de forma abrupta antes do que o previsto, a cúpula sequer terminou com uma declaração oficial. Por ora, o que Trump e Kim parecem estar ganhando é tempo para melhorarem os termos à mesa para cada um dos lados e saírem como vencedores, em casa e no plano internacional, da negociação em curso.

Ao contrário do carismático Barack Obama, Trump ainda deve mostrar que seu estilo aparentemente imprevisível, personalista e centralizador de negociar one-to-one é efetivo, com ganhos máximos e perdas mínimas para os Estados Unidos. Já Kim precisa reforçar e proteger uma narrativa que mantém parte da coesão social interna em seu pequeno território: a da luta contra o inclemente e impiedoso imperialismo norte-americano, que devasta a economia nacional. O malabarismo para acomodar demandas e agendas ainda não se mostrou suficiente.

De qualquer modo, um anúncio com cronograma, algum avanço e/ou medidas palpáveis teria sido uma distração útil para consumo doméstico, em uma semana politicamente difícil para o magnata republicano em Washington. Em testemunho no Congresso, o advogado Michael Cohen expôs e descreveu seu ex-chefe como “mentiroso” e de uma “desonestidade perigosa” para o exercício da Presidência.

Divergências e obstáculos

O principal obstáculo, de acordo com o presidente, foi em relação ao pedido de suspensão de todas as sanções impostas à Coreia do Norte, em troca do compromisso de desmantelar apenas a principal instalação nuclear do país, a de Yongbyon. Nesse local, produz-se plutônio, trítio e urânio altamente enriquecido. A revisão de outros pontos do programa nuclear não estaria sobre a mesa neste momento.

“Não podíamos fazer isso”, alegou Trump, desmentido pelo ministro norte-coreano das Relações Exteriores, Ri Yong-ho. De acordo com o chanceler, a Coreia pediu a suspensão de algumas sanções, as que afetam a população civil, em troca do completo e permanente desmantelamento dessa instalação, feito na presença de especialistas norte-americanos.

“Dado o atual nível de confiança entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos, esse foi o maior passo para a desnuclearização que poderíamos oferecer”, disse Ri, confirmando que Pyongyang não retomará os testes de mísseis balísticos e nucleares.

Uma suposta instalação nuclear secreta descoberta pela Inteligência norte-americana, em Kangsun, seria mais um nó nas discussões. Outro ponto é que não está claro se ambos os lados têm o mesmo entendimento sobre o que estaria incluído na desnuclearização.

Segundo Van Jackson, um ex-estrategista do Pentágono e autor de On the Brink: Trump, Kim, and the Threat of Nuclear War, antes da cúpula, Trump já sabia que Kim reivindicaria o alívio imediato de todas as sanções. Como a maioria delas partiu do Congresso, e não de ordem executiva da Casa Branca, o presidente teria pouca margem de manobra para agir e barganhar. Decidiu manter a reunião mesmo assim, por excesso de autoconfiança, vendo nisso, talvez, uma prova de força e de que mantém a situação sob controle, assim como para mostrar para seu público interno que não fará concessões fáceis a Pyongyang.

O quanto dessa argumentação faz sentido é algo a se questionar. Boa parte dos encontros desse nível acontece com intuito simbólico e somente depois de longas discussões e tratativas entre os especialistas e representantes de alto nível dos respectivos governos. A cúpula presidencial se dará quando um acordo, ou no mínimo um protocolo de intenções, já está articulado, evitando constrangimentos e movimentos inesperados que possam causar impactos políticos negativos para quaisquer das partes.

“Acordo nenhum é melhor do que um acordo ruim, e o presidente estava certo de ir embora”, comentou o presidente do Council on Foreign Relations, Richard Haass. “Mas isso nunca deveria ter acontecido. Um encontro fracassado é o risco que você corre, quando se põe muita confiança em relações pessoais com um líder como Kim, quando a cúpula é preparada de forma inadequada e quando o presidente demonstra que está confiante no sucesso”.

Na delegação americana que participou desse encontro de reconhecimento, estavam o secretário de Estado, Mike Pompeo; o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, o mais linha-dura nas negociações; e o representante especial do Departamento de Estado para a Coreia do Norte, Stephen Biegun.

Fracasso da diplomacia trumpiana?

É certo que a diplomacia – sobretudo no que diz respeito a temas sensíveis, como é o caso da questão nuclear – nem sempre atinge os objetivos de política externa de um país no tempo curto, no calor dos acontecimentos, precisando de um intervalo maior para maturar e decantar.

Para Pyongyang, que não dispõe de uma gama variada de recursos de poder, os incentivos para abrir mão de seu programa nuclear ainda seriam pouco compensatórios. Nesse sentido, dificilmente se veria um acordo fechado e definitivo sair de Hanói. O problema é com o excesso de espetacularização para ganhos políticos imediatos, que afeta as expectativas e deixa o ambiente mais entrópico.

Para Trump e seus simpatizantes, não fechar um acordo é melhor do que um acordo ruim, mesmo que o objetivo seja desnuclearizar a península coreana. Apoiadores ocasionais, que se colocam ao lado do presidente a depender do tema, também viram com bons olhos a saída de Trump. “Felizmente @POTUS [acrônimo em inglês de ‘Presidente dos Estados Unidos’] não caiu em um negócio envolvendo medidas insignificantes da #CoreiadoNorte em troca de significativas concessões dos EUA”, tuitou o senador Marco Rubio (R-FL).

Embora não haja certezas quanto a isso, a possibilidade de que o canal de diálogo continue aberto e de que as negociações possam continuar é um aspecto positivo para os Estados Unidos e segue a linha e a dinâmica adotadas por Trump em outras áreas – seja na política externa, seja na política comercial. É um modus operandi que se repente. O presidente começa elevando o tom e suas apostas, fazendo ameaças e estabelecendo um nível alto de exigências. No limite, recua e se abre para o diálogo. Recuos dificilmente são considerados como sinal de fraqueza, ou de contradição, por parte de Trump. Para ele, são correções de rumo e ajustes, naturais em qualquer negociação.

Como tem sido amplamente debatido em biografias autorizadas e não autorizadas, assim como na imprensa e no meio acadêmico, é assim que o empresário nova-iorquino se relaciona com o mundo, transplantando para a política sua visão dos negócios. Com isso, Trump também mantém sua estratégia de evitar os custos de um conflito militar que não conta com a aprovação de sua base eleitoral.

Para os críticos do presidente, porém, esta cúpula foi apenas mais uma derrota, como já havia ocorrido em 2018. No primeiro encontro – acrescentam –, o governo americano teria cedido de forma desproporcional às demandas da Coreia do Norte sem quaisquer garantias concretas de contrapartida da parte de Kim. O fato de o tema dos direitos humanos ficar de fora das discussões, no ano passado e hoje, também foi alvo de queixas, assim como os elogios ao “grande líder” Kim e à “relação muito forte” entre os dois. Agora, Trump não cedeu, mas também não avançou.

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