Política Doméstica

Acordo evita shutdown, e Trump declara estado de emergência nacional

Por Tatiana Teixeira

Perto do fim do prazo que levaria a um novo shutdown, o presidente Donald Trump anunciou, em 15 de fevereiro, que sancionará um pacote de medidas com amplo acordo orçamentário bipartidário para manter nove departamentos e várias agências (o correspondente a cerca de 25% do governo) funcionando até 30 de setembro. Ao mesmo tempo, o presidente informou que vai declarar estado de emergência nacional para obter os recursos desejados para reforçar a segurança na fronteira com o México.

“É uma grande coisa a fazer, porque temos uma invasão de drogas, invasão de gangues, invasão de pessoas”, justificou Trump, ao anunciar a emergência nacional no Rose Garden da Casa Branca. “Não controlamos nossa própria fronteira. Vamos confrontar a crise de segurança nacional na nossa fronteira sul e vamos fazer isso. De um jeito, ou de outro, temos de fazer isso”, insistiu.

O texto bipartidário foi aprovado no dia 14 no Senado, por 83 votos contra 16 e, no mesmo dia, na Câmara de Representantes, por 300 votos a 128. Inclui o compromisso de segurança na fronteira, com seus recursos previstos dentro da dotação de US$ 49 bilhões destinada ao Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês). Mesmo sem conseguir os US$ 5,7 bilhões para o muro, Trump pareceu ceder às pesquisas e a seus correligionários. Trump – e não os democratas – foi considerado o principal responsável pela última paralisia parcial de 35 dias do governo federal. “Eu não quero ver um shutdown. Shutdown seria uma coisa terrível”, disse Trump à imprensa, antes das votações no Congresso.

Casa Branca aumenta pressão

Na última hora, porém, a Casa Branca aumentou a pressão, divulgando que o presidente também decretaria estado de emergência nacional para garantir um total de US$ 8 bilhões em recursos para um muro fronteiriço e reforma nos trechos existentes. Com essa medida, Trump quer usar, entre outros, pelo menos US$ 3,6 bilhões em verbas destinadas às construções militares, ou ainda recursos do Corpo de Engenheiros do Exército, reservados para projetos de construção civil, incluindo aqueles para alívio de desastres. Vários republicanos apoiaram a decisão do presidente, mas democratas e mesmo alguns aliados de Trump veem aqui um (mau) uso sem precentes do poder do Executivo.

O caminho não será fácil, com muitos temendo a flexibilização dos critérios para se decretar emergência nacional e alarmados com as implicações disso para a garantia das liberdades civis e para o equilíbrio e a separação entre os Poderes Executivo e Legislativo, por exemplo. Teme-se também o estabelecimento de novas bases para tratar de outras questões (não emergenciais de fato) em futuros governos. Outra preocupação está relacionada à dificuldade de se antecipar até onde Trump poderia ir com esses poderes extraordinários em mãos, dadas as características pessoais do presidente – sua imprevisibilidade de comportamento e na tomada de decisões – e as investigações em curso contra ele e membros de sua equipe de campanha.

O republicano Mac Thornberry (R-TX), do Comitê de Serviços Armados da Câmara, advertiu Trump para os riscos à infraestrutura militar decorrentes do redirecionamento de verbas do Pentágono. As organizações Protect Democracy e Niskanen Center pretendem questionar a medida na Justiça, assim como vários congressistas. Em declaração conjunta prévia ao anúncio, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi (D-CA), e o líder da minoria no Senado, o democrata Chuck Schumer (D-NY), disseram que “seria um ato ilegal, uma grosseira violação do poder da presidência”, acrescentando que “o Congresso vai defender nossas autoridades constitucionais”.

“Acho que é um erro da parte do presidente. Não acredito que a Lei de Emergência Nacional contemplasse um presidente reprogramando bilhões de dólares fora do processo normal de dotação orçamentária”, avaliou a senadora republicana Susan Collins (R-ME), que costuma manter uma postura crítica ao atual governo. “Não acho que seja um assunto que deveria ser declarado emergência nacional”, insistiu.

Eventual aliado da Casa Branca, o senador Rand Paul (R-KY) também se posicionou contra a medida e insinuou que violaria a Constituição. “Eu também quero mais segurança na fronteira, incluindo um muro em algumas áreas. Mas como fazemos as coisas importa. Mais de mil páginas jogadas no meio da noite e ações executivas extraconstitucionais é errado, não importa que partido faça isso”, tuitou.

Novas fontes de recursos

Assim, o momentâneo recuo de Trump parece ter sido apenas estratégico.

O presidente anunciou que recorrerá a uma ordem executiva para redirecionar verbas de outros programas, com o objetivo de obter os recursos para – segundo ele –aumentar a segurança na fronteira com o México. Entre essas medidas, estão a construção de mais barreiras físicas e o aumento do número de centros de detenção para imigrantes, sob responsabilidade do Immigration and Customs Enforcement (ICE). Essa Polícia de Imigração e Alfândega é subordinada ao DHS.

Ao longo da crise atual, o republicano ameaçou algumas vezes usar a insegurança na fronteira ao sul como justificativa para declarar estado de emergência nacional e usar verbas do Departamento da Defesa, ou ainda, realocar verbas do DHS. Medidas estas que poderão ser contestadas na Justiça e rejeitadas por congressistas democratas e republicanos. No cálculo eleitoral, a leitura é que apenas aceitar o acordo, sem reagir, seria uma opção ruim, diante da cobrança de sua fiel base de apoio. “Seria suicídio político”, alegou um dos aliados mais próximos do presidente no Congresso e líder do ultraconservador House Freedom Caucus, o representante Mark Meadows (R-NC).

O líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell (R-KY), garantiu ao presidente que apoiaria a declaração de emergência. “Tive a oportunidade de falar com o presidente Trump, e ele indicou que está preparado para sancionar o projeto. Ele também vai emitir uma declaração de emergência nacional ao mesmo tempo. Disse a ele que vou apoiar a declaração de emergência nacional”, anunciou McConnell no Senado antes da confirmação por parte de Trump.

No dia anterior ao anúncio, a secretária de Imprensa da Casa Branca, Sarah Sanders, já havia informado a imprensa sobre essa decisão. “O presidente Trump vai sancionar o projeto de financiamento do governo e, como ele disse antes, também tomará outras ações executivas – incluindo a emergência nacional – para garantir que vamos acabar com a crise humanitária e de segurança na fronteira”.

Pontos do acordo

De quase 1.200 páginas, o projeto inclui US$ 1,375 bilhão para a construção de 55 milhas (cerca de 88, 5 quilômetros) de barreiras físicas de aço ao longo da fronteira. É bem abaixo do que Trump queria em termos de valor (US$ 5,7 bilhões) e extensão (234 milhas, ou 376,5 quilômetros). Também foi menos do que o acordo bipartidário rejeitado pelo presidente em dezembro, antes do shutdown, muito por influência de congressistas de extrema direita, como Meadows.

O tipo de barreira física e onde poderá ser instalada foram dois pontos de atrito nas discussões. Em vários trechos ao longo do Vale do Rio Grande, por exemplo, a construção não será permitida. Santa Ana Wildlife Refuge, La Lomita Historical Park, Bentsen-Rio State Park e Vista del Mar Ranch são alguns dos lugares excluídos. Nesse novo texto, a palavra “muro” deu lugar a “cercas” e “barreiras”.

São pelo menos US$ 560 milhões para a compra de equipamentos de controle e vigilância em pontos de acesso, US$ 191 milhões para a construção de portas de entrada ao país, US$ 100 milhões para a compra de novas tecnologias de vigilância, assim como US$ 414 millhões em ajuda humanitária, o que inclui apoio médico, transporte, comida e roupa para os migrantes detidos.

Em relação à imigração irregular, especificamente, o projeto proíbe o DHS de impedir a entrada de congressistas a qualquer instalação usada como centro de detenção, ou como abrigo para menores filhos de imigrantes em situação clandestina. Também ficam proibidas quaisquer alterações operacionais, ou na própria infraestrutura física, às vésperas de visitas de supervisão também por parte de membros do Congresso. De acordo com a presidente da Comissão de Finanças e Tributação (Appropriations Committee) da Câmara, a representante Nita Lowey (D-NY), o DHS terá de garantir que as famílias dos imigrantes sejam “reunidas e transferidas juntas”.

“Não podemos repetir o desastroso shutdown do governo, então, cabe ao Congresso se unir para financiar nosso governo de forma responsável. Essa legislação representa um compromisso e manterá nosso governo aberto, enquanto financia prioridades”, declarou a democrata Nita Lowey.

Maioria queria solução bipartidária

Segundo recente pesquisa Hill-HarrisX, 60% dos entrevistados esperavam que Trump assinasse o acordo bipartidário sobre segurança na fronteira com o México. Outros 24% disseram querer que o presidente aceitasse a proposta para então declarar emergência nacional e ter condições de ampliar a cerca fronteiriça, enquanto 16% afirmaram que valeria esperar por um acordo melhor, mesmo ao custo de um novo shutdown.

A versão conciliadora do texto também foi bem-vista pela maioria, com 76% dos republicanos, 63% dos democratas e 68% dos independentes apoiando suas principais disposições. Entre elas, está a preferência por financiar e construir uma cerca, em vez de um muro de concreto.

“Vá em frente e pegue esse acordo. Clame vitória sobre o US$ 1,3 bilhão, mude e então fale sobre o que vai fazer depois”, sugeriu a Trump o diretor de Estudos de Política Doméstica no American Enterprise Institute, Ryan Streeter, mostrando que o “efeito Teflon” ainda permite a Trump manter o controle da narrativa entre seus eleitores e rever suas decisões, mesmo quando são contraditórias, com baixo custo político.

“Os republicanos são muito leais a esse presidente. Então, se ele for por esse caminho, e voltarmos a campo para fazer uma outra pesquisa e perguntar às pessoas se acham que foi a coisa certa, meu palpite é que a maioria dos republicanos vai dizer que acha que foi a coisa certa. Mesmo aqueles que, neste momento, dizem que não querem que ele faça isso”, completou Streeter.

Uma pesquisa Hill-HarrisX da mesma semana apontava que 33% dos eleitores republicanos estariam menos propensos a apoiar o presidente, se ele desistisse do muro na fronteira em troca de outras medidas de segurança. Já 46% disseram que essa mudança não afetaria sua opinião sobre Trump, enquanto 22% reconheceram que estariam mais predispostos a apoiá-lo.

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