Trump recua e suspende shutdown por três semanas
por Tatiana Teixeira
Depois de 35 dias de paralisia parcial do governo, o presidente Donald Trump cedeu aos apelos de correligionários republicanos e dos rivais democratas. Em 25 de janeiro, Trump aprovou um projeto orçamentário provisório válido até 15 de fevereiro. O texto não inclui o motivo da queda de braço da Casa Branca com o Congresso iniciada em 22 de dezembro: os US$ 5,7 bilhões em recursos para financiar seu muro na fronteira com o México. Horas após o pronunciamento do presidente, o Senado e a Câmara de Representantes agilizaram a votação para avançar o texto.
Este foi o segundo shutdown na gestão atual. Segundo a agência de classificação de riscos Standard & Poor’s, as perdas na economia foram estimadas em pelo menos US$ 6 bilhões. O recorde anterior foi no governo Bill Clinton, com um congelamento de verbas iniciado em 15 de dezembro de 1995 e que se arrastou por 21 dias.
“Tenho muito orgulho de anunciar hoje que chegamos a um acordo para pôr fim ao shutdown e reabrir o governo federal”, anunciou o magnata nova-iorquino, em discurso no Rose Garden da Casa Branca nesse mesmo dia 25. Trump se congratulou por não ter recorrido a uma “alternativa muito poderosa”, em referência à Lei de Emergência Nacional. Em uma ameaça velada, disse esperar “não precisar” recorrer a essa medida.
Trump também agradeceu pela “devoção extraordinária” de todos os “incríveis funcionários federais” que trabalharam mesmo sem receber seus salários, ou que foram postos compulsoriamente em licença não remunerada. Segundo ele, são “pessoas fantásticas, patriotas incríveis” que “não apenas não reclamaram”, como também estimularam o presidente a continuar, “porque se importam com o país e com a segurança na fronteira”. Trump garantiu que os pagamentos dos cerca de 800 mil funcionários públicos federais serão feitos o mais rápido possível. Já os terceirizados não receberão pelo período não trabalhado.
População culpa Trump por shutdown
Para a imprensa americana, Donald Trump sai como o grande derrotado desse episódio. Nessa linha, pesquisas divulgadas por diferentes veículos contrariam a percepção do presidente sobre o apoio e a compreensão dos americanos. Também ajudam a entender o aumento da pressão de vários republicanos sobre a Casa Branca, tendo na dianteira o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell (R-KY), para que Trump aceitasse uma trégua.
Uma enquete divulgada por The Hill-HarrisX no início de janeiro apontava que 42% dos eleitores responsabilizam o presidente pelo shutdown, contra 22% que culpam os democratas. Pelo menos um terço dos entrevistados dividiu a responsabilidade entre ambos os partidos no Congresso e o presidente. Mais recente, a pesquisa ABC News/Washington Post revela que a aprovação de Trump é de apenas 37%, com 58% de desaprovação. A sondagem aponta ainda que Trump e os congressistas republicanos são responsáveis pelo shutdown para 53% dos entrevistados. Outros 34% culpam a presidente da Câmara de Representantes, a democrata Nancy Pelosi (D-CA), e os democratas no Capitólio.
Próximos passos
A avaliação dos custos políticos terá um efeito apenas temporário na obsessão de Trump. O presidente já avisou que usará as próximas três semanas para pressionar os congressistas a aprovarem o muro, superando o que ele chama de “partidarismo”. Para os democratas, é uma questão de bom senso rejeitar um muro caro e ineficaz para aquilo a que se propõe, que é conter a imigração clandestina, sobretudo de procedência mexicana e centro-americana. Se não conseguir um “acordo justo” – afirma Trump –, as alternativas são um novo shutdown, ou apelar para a Lei de Emergência Nacional para construir o muro na marra.
“Vamos trabalhar como democratas e negociar e, se não conseguirmos fazer isso, então vamos (recorrer) à emergência, porque é o que é. É uma emergência nacional”, disse ele à imprensa. “Nenhum plano de segurança na fronteira pode funcionar sem uma barreira física”, insistiu.
A possibilidade aventada por Trump de usar a Lei de Emergência Nacional é vista com reservas em Washington. Aprovada na esteira do Watergate, ela foi elaborada para ser acionada em momentos de crise e garantir a rapidez de resposta do Poder Executivo. Essa legislação cria várias exceções a regras que, em geral, seriam uma barreira para a ação presidencial direta, sem o filtro do Congresso, especificando em quais situações se poderia recorrer a essa prerrogativa. Críticos de Trump e mesmo colegas de partido alegam que este não é o caso, porque não há evidências que estabeleçam uma causalidade entre imigração clandestina, terrorismo, ameaça à segurança nacional e aumento da criminalidade no país.
Negociações difíceis
Ao longo desse processo, o presidente começou a suavizar o tom e sua ambição inicial com este projeto. Passou a falar em mais trechos com “muros inteligentes”, com uso de drones e de outros sensores e recursos tecnológicos, do que apenas barreiras físicas de concreto por toda fronteira. Em um movimento de aproximação, os democratas responderam. Endureceram a retórica contra a imigração ilegal e elevaram sua proposta de repasse de verbas para garantir a segurança na fronteira.
Em diferentes discursos e entrevistas, Pelosi e o líder da minoria no Senado, o também democrata Chuck Schumer (D-NY), rejeitaram um novo muro, mas se mostraram abertos a aumentar o investimento em tecnologia e contratar mais agentes.
A aposta de Trump sempre foi alta, com bastante margem de manobra para acomodar uma de suas principais promessas de campanha. Na verdade, importa menos o tipo de barreira do que o muro em si. Ainda que com a justificativa precária de uma ameaça à segurança nacional, o discurso da necessidade de um muro ao sul e a possibilidade de sua construção são uma realidade. A “segurança da fronteira” é um tema que encontrou seu lugar no debate político. Entrou na agenda para ficar. Trump parece estar ganhando a batalha específica e nada sutil de uma mudança na abordagem da política migratória nos Estados Unidos.
Enquanto isso, nas próximas três semanas, um comitê bipartidário da Câmara de Representantes e do Senado tentará chegar a uma proposta consensual para a segurança fronteiriça. O clima é de ceticismo quanto a um desfecho positivo dessas negociações.