Trump força shutdown em troca de muro na fronteira
por Tatiana Teixeira
À meia-noite de 21 de dezembro, o governo de Donald Trump entrou em mais um shutdown, depois que o presidente rejeitou um compromisso de acordo orçamentário do Senado. Contando apenas com apoio republicano (217 votos contra 185, incluindo oito dissidências), a Câmara de Representantes chegou a aprovar um projeto-tampão que manteria o governo funcionando até 8 de fevereiro. Este texto previa US$ 5,7 bilhões para a segurança e o muro na fronteira, assim como US$ 8 bilhões para alívio de desastres em caso de furacões e incêndios. O projeto chegou morto ao Senado, que tenta discutir algo em torno de US$ 1,6 bilhão para a segurança fronteiriça.
A ausência de garantia da adesão democrata é um problema para o Executivo, que não teria os 60 votos necessários para evitar filibusters da oposição. O impasse está dado: Trump ainda não parece disposto a negociar, nem os democratas, a ceder.
Sem previsão
A paralisia de cerca de 25% das atividades da administração pública federal é resultado da queda de braço entre a Casa Branca e o Congresso, com o presidente republicano pressionando para obter a aprovação de US$ 5 bilhões para a construção de um muro na fronteira com o México. Com isso, vários departamentos e agências federais amanheceram fechados no primeiro dia útil após o Natal, enquanto muitos parques e monumentos já estavam sem abrir em todo país desde o final de semana, ou funcionando de modo parcial. Cerca de 800 mil do total de quatro milhões de funcionários foram colocados em licença não remunerada.
Ainda não há previsão de um desfecho para esta nova crise. Trump já declarou que vai esperar o tempo que for necessário e que o governo permanecerá nessa situação até que os democratas aceitem destinar recursos para o muro, ou para algo equivalente. O presidente defende que a barreira física é a única solução possível para conter a entrada de drogas ilícitas e de tráfico de pessoas nos Estados Unidos.
“Não posso dizer a vocês quando o governo vai abrir. O que eu posso dizer a vocês é que não vai abrir enquanto não tivermos um muro, ou uma cerca, do que quer que eles queiram chamar isso”, afirmou o republicano, que mais uma vez responsabiliza os democratas pelo shutdown. “O que for preciso. Precisamos de um muro. Precisamos de segurança para o nosso país. (…) Temos terroristas entrando pela fronteira sul”, acrescenta.
Promessa de campanha e garantia para 2020
Uma das mais repetidas promessas da campanha eleitoral de Trump em 2016 foi a construção desse muro na fronteira sul, a ser pago pelo México. Tanto o antecessor Enrique Peña Nieto, quanto o presidente atual, Andrés Manuel López Obrador, descartaram a ideia de Trump de forma inequívoca, forçando-o a buscar novas fontes para tentar manter a viabilidade da proposta. Inicialmente, o governo optou por realocar verbas de outros programas e departamentos, mas a medida é insuficiente para custear a partida desse projeto prevista em algo em torno de US$ 4 bilhões a US$ 8 bilhões. Não há um número oficial fechado sobre o total da obra, mas estimativas de diferentes fontes oscilam entre US$ 25 bilhões e US$ 70 bilhões para os próximos dez anos.
Com a vitória democrata nas midterms, os representantes da extrema direita – sobretudo, os membros do House Freedom Caucus – cerraram fileiras com Trump nesse tema. O objetivo é assegurar os recursos do muro antes que os republicanos voltem a ser minoria na Câmara. Se, mesmo com maioria em ambas as Casas, o governo não conseguiu liberar esses recursos, essa perspectiva fica ainda mais improvável a partir de 2019.
“Não vejo nenhuma situação, em que o presidente deva abrir mão dessa demanda”, afirmou o presidente do Freedom Caucus, Mark Meadows (R-NC), cuja bancada advertiu para o risco de perda da base eleitoral de Trump em 2020, caso o muro não vá adiante.
O líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell (R-KY), acusou os democratas de rejeitarem um “pedido razoável” de financiamento para o muro por estarem sob “muita pressão — todos sabemos disso — da extrema esquerda do partido”.
Rejeição ao muro e à política migratória
A proposta do muro encontra forte resistência dos democratas e de alguns republicanos, que divergem sobre quanto e como gastar os recursos, preferindo outros meios, como a instalação de cercas, o uso de tecnologia (com a aquisição de novos equipamentos para as patrulhas) e o reforço nos acessos fronteiriços, com mais controle e mais agentes. Além de caro, o projeto de Trump seria ineficaz por não resolver o problema da imigração clandestina.
“O presidente está mantendo o governo federal refém por US$ 5 bilhões dos dólares dos contribuintes americanos para esse desnecessário, ineficaz e caro muro na fronteira ao sul”, declarou o senador Patrick Leahy (D-VT), do Comitê Orçamentário da Senado.
Tanto o líder democrata no Senado, Chuck Schumer (D-NY), quanto a futura presidente da Câmara, a também democrata Nancy Pelosi (D-CA), disseram que pretendem esperar até janeiro para aprovar uma medida que permita a liberação de verba e o consequente fim do shutdown. Recursos para o muro poderiam estar condicionados à aprovação de uma reforma migratória, até agora improvável, o que aumenta ainda mais o nível de incerteza. Os democratas assumem o controle da Câmara no dia 3 de janeiro.
Desde o início da atual administração, em janeiro de 2017, as medidas adotadas em política migratória têm sido criticadas e, inclusive, contestadas judicialmente. Depois da indignação causada com a implantação do travel ban e, mais recentemente, com a separação de pais e filhos, a morte de duas crianças migrantes sob custódia das autoridades reforçou a rejeição ao muro e ao que as organizações de defesa dos direitos desse grupo chamam de “políticas desumanas para a fronteira”.
“O muro é uma linha vermelha para a comunidade progressista. Você não pode pagar por um muro com os dólares do contribuinte americano e considerar isso um compromisso aceitável”, afirmou Charles Chamberlain, presidente do Democracy for America, um advocacy group politicamente liberal.
De acordo com uma pesquisa Reuters/Ipsos feita em novembro passado, apenas 31% dos americanos entrevistados consideram que melhorar a segurança na fronteira deveria estar entre as três principais prioridades do governo.