Internacional

O discurso de Trump na 73ª Assembleia Geral da ONU

por Desiree Almeida Pires

A primeira sessão da 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas foi marcada pelo discurso de Donald Trump, no qual o presidente afirmou que seu país fez extraordinário progresso desde que ele assumiu o cargo. Ao dizer que sua administração realizou, em menos de dois anos, mais do que qualquer outra na história dos Estados Unidos, representantes de todo o mundo riram – para Trump, os representantes riram com ele, e não dele, mas o que é visto no vídeo de seu discurso parece diferente da impressão do presidente.

Economia e segurança internacionais

Trump ressaltou o crescimento econômico dos EUA, não apenas em termos reais, mas também financeiros, destacando que os níveis de desemprego entre afro-americanos, hispano-americanos e asiáticos-americanos são os menores já registrados – talvez por causa das políticas imigratórias que têm contestado a presença destas populações nos EUA, inclusive Trump cita, logo em seguida, em seu discurso, a construção do muro na fronteira com o México.

A abordagem do presidente sobre o comércio internacional ressaltou as tensões da guerra comercial iniciada com as tarifas colocadas por Trump sobre diversos produtos, principalmente chineses, e das renegociações de acordos multilaterais de comércio. O presidente defende um comércio justo e recíproco, já que, para Trump, os países estão tirando vantagem dos EUA, pois tem livre acesso ao mercado do país, mas não concedem livre acesso aos EUA a seus países.

O crescimento econômico, somado às garantias de financiamento ao setor militar, fizeram com que Trump afirmasse que os EUA estão mais fortes, ricos e seguros do que antes de assumir a presidência. A segurança internacional parece caminhar para a estabilidade após os encontros entre Trump e Kim Jong Un. Fato que o presidente estadunidense destacou em seu discurso, agradecendo os esforços dos dois líderes diretamente envolvidos e dos líderes da Coreia do Sul, China e Japão, Moon Jae-in, Xi Jinping e Shinzo Abe. As tensões nucleares, no momento, estão arrefecidas.

Trump também parece – pelo menos no discurso – buscar soluções pacíficas para os conflitos e atividades terroristas no Oriente Médio, por meio de ações conjuntas com o Gulf Cooperation Council. Entretanto, o presidente clama para que os refugiados das guerras civis na região sejam abrigados pelos países vizinhos – um indício nas entrelinhas de que refugiados não serão acolhidos nos EUA. Mesmo porque Trump afirmou que os Estados Unidos estão trabalhando com a América Latina para confrontar as ameaças que a migração descontrolada pode causar à soberania dos países, e que cada país tem direito de estabelecer suas próprias leis sobre a imigração de acordo com os interesses nacionais, por isso o presidente declarou que os EUA não irão participar do Global Compact on Migration.

Para Trump, é o cometimento dos Estados Unidos com a paz e a estabilidade no Oriente Médio, sobretudo em relação à questão Israel-Palestina, que levou à mudança da embaixada estadunidense para Jerusalém, como reconhecimento da cidade como capital de Israel e, portanto, reconhecimento da soberania do país – mas talvez o presidente tenha esquecido de considerar a soberania da Palestina.

Por outro lado, o discurso pacifista perdeu força com ataques diretos ao Irã no discurso do presidente: desde acusações sobre financiamento da guerra civil na Síria até desrespeito em relação à soberania de outros países e enriquecimento de líderes por meio de saque aos recursos econômicos do país e do povo. Contra a ditadura iraniana, Trump clamou para que os países acompanhassem os EUA em sua pressão econômica e sanções nucleares contra o regime ditatorial. As críticas também foram tecidas à Venezuela socialista de Maduro, que passa por uma crise política, econômica e humanitária de grandes proporções e que, de acordo com Trump, é causada pelo regime socialista que faliu uma nação antes tão rica e deve ser combatido por meio de sanções à Venezuela para que a democracia seja reestabelecida.

Isolacionismo estadunidense

A mensagem de Trump é clara: “As my administration has demonstrated, America will always act in our national interest”, “America is governed by Americans. We reject the ideology of globalism, and we embrace the doctrine of patriotism”, “Here in the Western Hemisphere, we are committed to maintaining our independence from the encroachment of expansionist foreign powers”, “So together, let us choose a future of patriotism, prosperity, and pride”. Críticas à Organização Mundial do Comércio, embates com o Fundo Monetário Internacional, retirada do Human Rights Council, não apoio à International Criminal Court. O isolacionismo – chamado por Trump de nacionalismo ou patriotismo – é cada vez mais evidente.

Trump criticou ainda os gastos que os Estados Unidos assumem no sistema internacional, seja no fornecimento de ajuda externa, seja no orçamento da ONU, sobretudo no orçamento das missões de paz, e o pouco retorno que o país tem recebido. O presidente defende que os gastos de seu país devem ser diminuídos frente ao aumento do envolvimento, leia-se contribuições financeiras, de outros países. A ajuda, declarou ele, será dada àqueles que respeitam os EUA e são amigos do país.

We are standing up for America and for the American people. And we are also standing up for the world”, disse o presidente Trump, afirmando que, ao defender os interesses de seu povo e respeitar os direitos dos países vizinhos, segurança, prosperidade e paz são garantidos para todos. É evidente o caráter isolacionista que Trump vem dando aos rumos da política externa estadunidense, sobretudo quando ele afirma que o país escolherá independência e cooperação em vez de governança global, controle e dominação. Como os EUA manterão a hegemonia sem os pilares da governa global é uma questão a ser desvendada…

E o princípio do multilateralismo?

Para a chanceler alemã, Angela Merkel, Trump está caminhando para a destruição da ONU e do multilateralismo. Ainda que, segundo ela, a ONU tenha suas imperfeições, é extremamente perigoso destruir a ordem atual sem desenvolver algo para substituí-la. Para Merkel, o multilateralismo é a melhor opção para solucionar os problemas do sistema internacional.

Para alguns analistas, o “America first” está se tornando America alone. Caso Trump continue isolando o país hegemon, o vácuo de poder na liderança global poderá levar a dois caminhos: uma ordem internacional multipolar, com potências regionais; ou a emergência de um novo hegemon – provavelmente a China, que tem se comprometido cada vez mais com as organizações internacionais, mas que ainda não pode, ou não quer, assumir os custos de uma liderança internacional.

Se Trump ressaltou, ao longo de todo seu discurso, o nacionalismo, o isolacionismo e o direito de soberania, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apontou em seu discurso de abertura da Assembleia que o sistema internacional passa por um momento de questionamentos, mudanças e queda na confiança nas instituições nacionais, nas regras da ordem internacional e na governança global, o que tem dificultado a cooperação entre os países. A cooperação internacional, afirmou Guterres, garante a paz, os direitos humanos e o desenvolvimento econômico e social. O avanço do sistema internacional em direção a uma ordem multipolar pode trazer riscos, e é nesse momento em que os países devem renovar seu comprometimento com as regras internacionais e com a Carta da ONU.

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