Internacional

Furacão Maria e a tragédia em Porto Rico

por Tatiana Teixeira

Um estudo elaborado pela Milken Institute School of Public Health da George Washington University (GWU) a pedido do governo porto-riquenho estimou em pelo menos 2.975 o número de mortos pelo furacão Maria, por causas direta e indiretamente relacionadas a esse fenômeno meteorológico. Em relatório entregue ao Congresso americano, as autoridades locais avaliaram em cerca de US$ 139 bilhões o montante necessário para recuperar um território arrasado pelos furacões Irma e Maria, com devastadores danos em infraestrutura. Milhares de imóveis, estradas e pontes foram severamente danificados, ou destruídos, assim como o sistema de água e esgoto e a rede elétrica. Parte dos recursos será repassada pelo Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano.

“Foi o pior desastre natural na nossa história moderna. Nossa infraestrutura básica foi arrasada, milhares de pessoas morreram, e muitas outras continuam lutando”, lamentou o governador de Porto Rico, Ricardo Rosselló.

Mortes diretas e indiretas

Em fevereiro deste ano, o número oficial era de 64 óbitos. Considerado baixo para a amplitude e a intensidade da devastação, foi revisto após a pesquisa da GWU, divulgada em 28 de agosto último. Essa tendência já havia sido apontada pelo Centro Nacional de Furacões (NHC, na sigla em inglês) em um relatório de abril. Nele, o instituto dizia ser “altamente incerto” o número de mortos e que poderia haver centenas de mortes relacionadas ao furacão, de forma direta e indireta.

O número de óbitos nesse tipo de situação diverge, a depender da fonte e da metodologia usada. Como explica o professor John Mutter da Columbia University, diferentes fatores podem ser considerados, como o período analisado e a própria definição do que é uma morte relacionada a um desastre natural, levando a diferentes resultados. Todos os estudos levam em consideração, porém, as mortes diretas (registradas no momento de ocorrência do fenômeno climático) e as indiretas (relacionadas a condições provocadas por ele).

Número de vítimas é ‘fake news’

Enquanto a população ainda tenta se recuperar do dramático impacto da passagem do Maria, em setembro de 2017, o presidente Donald Trump questiona o número de vítimas e acusa os democratas de produzirem “fake news”, inflando o balanço de mortos para prejudicá-lo politicamente e afetar as eleições de meio de mandato nos Estados Unidos. Ao criticar o estudo da GWU com um discurso eleitoreiro, Trump não apenas deixa de reconhecer a importância da pesquisa científica, como estabelece uma escala de valor entre vidas humanas, postura que recebeu críticas de aliados e de adversários.

“3000 pessoas não morreram nos dois furacões que atingiram Porto Rico. Quando eu deixei a Ilha, DEPOIS que a tempestade a atingiu, eles tinham algo entre seis a 18 mortos. Com o passar do tempo, não subiu muito. Então, um longo tempo depois, eles começaram a informar números realmente grandes, como 3000…”, tuitou o presidente, no dia 13 de setembro.

“….. Isso foi feito pelos democratas para me fazer parecer o pior possível quando eu estava arrecadando, com muito sucesso, Bilhões de Dólares para ajudar a reconstruir Porto Rico. Se uma pessoa morreu por qualquer razão, como idade avançada, vai lá e coloca na lista. Política ruim. Eu amo Porto Rico!”, completou.

“Esse é um comentário ofensivo, doloroso e descaradamente falso do presidente”, rebateu o líder da minoria no Senado, o democrata Charles Schumer (D-NY). “Quase 3.000 dos nossos concidadãos morreram em Porto Rico depois do furacão Maria. Isso é o oposto total de ‘sucesso’”, completou, referindo-se ao autoelogio de Trump sobre o desempenho do governo na gestão pós-desastre.

“Quase 3.000 pessoas morreram. Isso não é sucesso. É uma tragédia e uma desgraça”, reagiu o também senador Bernie Sanders (I-VT).

Sem citar Trump, o senador Marco Rubio (R-FL) pediu mais ação e menos disputas políticas. “Nos dias atuais até uma tragédia vira política. 3k mais americanos morreram em #PuertoRico depois do furacão do que em outros períodos similares. Governos fed & local cometeram erros. Todos precisamos parar de culpar o jogo & concentrar na recuperação, ajudando os que ainda sofrem & corrigindo os erros”, tuitou.

Crítica ferrenha de Trump, a prefeita de San Juan, Carmen Yulín Cruz, teve vários embates com o republicano ao longo da crise. Ela censurou o governo federal pela fraca resposta, que teria sido aquém dos esforços mobilizados para os estados do Texas e da Flórida, castigados pelo Harvey. “Isso é uma mancha na presidência dele. Ele disse que fez um bom trabalho quando 3.000 pessoas morreram? Deus abençoe todos nós se esse homem continuar nesse caminho”, lamentou.

Katrina x Maria

Menos de 20 dias após a passagem do furacão Katrina pela costa do Golfo em 2005, o Congresso criou comitês bipartidários, na Câmara de Representantes e no Senado, para investigar a precária resposta do governo George W. Bush. Passados oito meses de investigação e uma série de audiências, ambos os comitês divulgaram suas recomendações para uma reforma, com o objetivo de melhorar o gerenciamento de crises provocadas por desastres naturais.

Como resultado, em abril passado, a Câmara aprovou partes do Disaster Recovery Reform Act (DRRA), com recursos para diferentes programas da Federal Emergency Management Agency (Fema), incluindo medidas para mitigação de desastres e fundos para abrigos temporários e construção de casas. À época, as cenas de desamparo da população em uma Nova Orleans submersa por semanas e a demora de reação de W. Bush tiveram um impacto político bastante negativo em sua popularidade. No governo seguinte, Barack Obama evitou cometer o mesmo erro na passagem do furacão Sandy e de outros.

Na Câmara, de acordo com o relatório final “A Failure of Initiative”, de 582 páginas, foram realizadas nove audiências públicas, e mais de 500 mil páginas de documentos, analisados. No Senado, em seis meses, o Comitê de Assuntos do Governo organizou 22 audiências com 85 testemunhas, revisou 838 mil páginas de documentos e entrevistou 325 pessoas envolvidas na resposta do governo à crise. O resultado foi um relatório de 737 páginas, intitulado “A Nation Still Unprepared”.

Não se observou a mesma celeridade e preocupação do Congresso no caso de Porto Rico, apesar das acusações de negligência e de ação lenta e precária por parte do governo Trump. Especialistas na área advertem que o acentuado partidarismo tem tornado mais díficil o monitoramento e a supervisão das ações do Executivo antes, durante e depois de desastres naturais. Outro ponto é que, como territórios dos Estados Unidos, Porto Rico e as Ilhas Virgens Americanas contam apenas com um representante cada, sem poder de voto, e nenhum senador no Congresso. Não têm, portanto, muito poder para pressionar por investigações, ou pela aprovação de recursos específicos. Os porto-riquenhos também não têm direito a votar para presidente.

Na temporada de furacões 2017, foram menos audiências, espalhadas por um número maior de comitês, diluindo os esforços. Nesse sentido, os democratas pedem uma investigação independente e mais bem coordenada e acusam os republicanos de quererem acobertar as diferenças de tratamento no caso de Porto Rico e do Texas, estado americano afetado pelo furacão Harvey apenas um mês antes do Maria.

“Porto Rico está recebendo muito menos atenção, apesar de ser um dos piores desastres na história americana moderna do que o Katrina e muito menos atenção do que tivemos pela supertempestade Sandy (ocorrida no governo Barack Obama)”, afirmou o diretor do National Center for Disaster Preparedness da Columbia University, Irwin Redlener, acrescentando que “desde o início, o tratamento das consequências do Maria, tanto da parte da Casa Branca quanto do Congresso, foram terrivelmente inadequadas”.

Em outubro de 2017, em visita ao arquipélago após a passagem do Maria, Trump chegou a dizer a uma população local que se sentia abandonada por Washington que deveria ter orgulho de registrar “apenas” 16 mortos. Na época, a visita ficou marcada pela imagem do republicano, jogando pacotes de papel higiênico para uma multidão reunida na Capela Calvary Chapel.

“Vocês podem ficar muito orgulhosos de seu povo, de todo seu povo trabalhando junto. Dezesseis contra literalmente milhares de pessoas”, declarou Trump, ao comparar a tragédia em Porto Rico com os 1.833 mortos pelo furacão Katrina, em 2005, uma “catástrofe real”.

De acordo com o NHC, em boletim de dezembro de 2005, o total de 1.833 mortos inclui cerca de 1.500 por causas diretas, e centenas, indiretas, em cinco estados.

Ajuda a Porto Rico

Em 11 de setembro, em evento na Casa Branca, durante o qual era informado pelo diretor da Fema, Brock Long, sobre as tarefas de contingência do furacão Florence, Trump foi questionado sobre as lições tiradas das tempestades que passaram pelo Texas, pela Flórida e por Porto Rico no ano passado. Para o presidente, a ação do governo foi um “sucesso”.

“Acho que Porto Rico foi um sucesso incrível, estrondoso. No Texas, ganhamos um A+. Na Flórida, ganhamos um A+. Eu acho que, de uma certa maneira, o melhor trabalho que fizemos foi em Porto Rico, mas ninguém entenderia assim”, declarou Trump. Em um tuíte, o presidente avaliou ainda que, considerando-se a dificuldade de acesso à ilha, a falta de energia elétrica e a “totalmente incompetente prefeita de San Juan”, foi um “grande trabalho desvalorizado”.

Esta não foi a avaliação da população porto-riquenha, nem da própria Fema.

Em documento publicado em julho, a agência reconheceu que estava com “pouco pessoal” e baixo estoque de produtos e recursos de emergência, já que, semanas antes, esteve envolvida com as vítimas do furacão Irma. Para além dessa justificativa logística detalhada no relatório do U.S. Government Accountability Office (GAO), os democratas acusam o governo Trump de esvaziar a Fema e desviar recursos desse órgão para o Departamento de Segurança Interna e sua política migratória.

Pesquisa The Washington PostKaiser Family Foundation aponta que, para 52% dos porta-riquenhos o desempenho do governo Trump foi “ruim”, contra apenas 15% que consideraram “positivo”.

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