China e Rússia

O que Alexandria Ocasio-Cortez pensa sobre o Mar do Sul da China?

A esquerda ascendente precisa de mais política externa. Veja por onde começar.

 

por Daniel Bessner

Bessner é historiador da política externa americana.

 

Traduzido do The New York Times*

 

À medida que a ala insurgente de esquerda do Partido Democrata captura manchetes e ganha votos, muitos de seus apoiadores estão se unindo em torno de um conjunto crescente de prioridades políticas: saúde universal, impostos mais altos para os ricos, abolição da Imigração e Fiscalização Aduaneira. Mas quando se trata de questões de guerra e paz e do lugar da América no mundo, a esquerda é silenciosa ou confusa.

Na campanha presidencial democrata de 2016, Bernie Sanders não fez da política externa um foco. Alexandria Ocasio-Cortez recentemente descartou questões sobre o conflito entre Israel e Palestina, alegando que  “não é especialista em geopolítica nesta questão”. E enquanto outros candidatos dos Estados Unidos se esforçam para obter votos de autodeclarados socialistas, digamos, apoiando sistema de saúde básico e público, poucos sentem necessidade de apelar para a esquerda na política externa.

Para ser justo, há boas razões pelas quais os esquerdistas não abordaram muito a política externa. Por um lado, há poucos tomadores de decisão de quem possam aprender: Desde os primeiros dias da Guerra Fria, a formulação de políticas externas tem sido dominada por um compromisso bipartidário com o militarismo e a hegemonia americana; aqueles que se afastaram da visão de consenso foram, em grande parte, mantidos fora do Departamento de Estado, do Pentágono e de outras partes do governo. Ao mesmo tempo, a esquerda não possui instituições dedicadas a desenvolver ideias de política externa. Enquanto os republicanos e os democratas moderados têm uma série de grupos de reflexão que pressiona pelo intervencionismo, nenhuma empresa ou bilionário decidiu financiar um think tank de política externa de esquerda, ao qual os políticos poderiam pedir conselhos.

Mas se a ala esquerda do Partido Democrata quer ser levada a sério, deve falar de forma convincente sobre segurança e diplomacia. Sem crenças centrais e identificáveis ​​sobre assuntos estrangeiros, os políticos de esquerda ou vão se envergonhar ou repetir alguma versão da sabedoria convencional esgotada. Além disso, há oportunidade aqui: assim como muitos americanos estão fartos do status quo econômico, eles também estão fartos dos negócios comuns da política externa.

Uma política externa para a esquerda não surgirá da noite para o dia. A conversa está apenas começando a acontecer, e continuará enquanto mais socialistas ganharem poder e moldarem a política americana. Embora uma agenda concreta continue distante, há cinco princípios amplos que fundem o compromisso da esquerda com o igualitarismo e a democracia, com uma análise sóbria dos limites do poder americano.

Democracia

A política de esquerda é, no fundo, sobre dar poder às pessoas comuns. A política externa, especialmente recentemente, tem sido o oposto. Desde a década de 1940, funcionários não eleitos abrigados em órgãos como o Conselho de Segurança Nacional têm sido os principais responsáveis ​​pela política externa. Essa tendência se agravou desde os ataques de 11 de setembro, quando o Congresso abandonou seu papel de supervisão e deu carta branca a funcionários no poder Executivo e militar. As elites da política externa têm sido tudo menos sábias, e têm cometido vários dos piores erros de política externa na história americana, incluindo as guerras no Vietnã e no Iraque.

A esquerda deve procurar trazer democracia para a política externa. Isso significa tirar um pouco do poder do Executivo e, especialmente, das instituições da Casa Branca, como o Conselho de Segurança Nacional, e devolvê-lo às mãos do Congresso. Em particular, os políticos socialistas devem pressionar para reafirmar o papel abdicado do Congresso de declarar guerra, encorajar uma supervisão mais ativa dos militares e criar órgãos que disponibilizem ao público informações sobre segurança nacional, para que os americanos saibam exatamente o que seu país está fazendo no exterior.

Prestação de contas

O establishment da política externa americana é notoriamente indulgente – consigo mesmo. Raramente os formuladores de políticas são responsabilizados quando dão maus conselhos, como apoiar uma guerra desastrosa no Iraque ou ajudar a organizar torturas ou assassinatos. Tal amnésia tem atormentado tanto os democratas quanto os republicanos.

Essa falta de responsabilidade não pode continuar. Um sistema que não pune a má política externa é um sistema condenado a repetir seus erros. Políticos da esquerda devem fazer disso um princípio central de sua abordagem para política externa, prometendo que, quando forem eleitos, responsabilizarão decisores e assessores profissionalmente.

Mas a responsabilidade profissional não é suficiente. A esquerda deve exigir que aqueles que violaram o direito nacional ou internacional encarem a justiça, mesmo que isso signifique processá-los. Isto permitirá que a esquerda mostre ao povo americano e à comunidade internacional que está falando sério sobre o Estado de direito.

Antimilitarismo

Os Estados Unidos controlam cerca de 800 bases militares em dezenas de países ao redor do mundo. Isso é muito mais do que qualquer outra potência. Os Estados Unidos também gastam mais com seus militares do que China, Rússia, Arábia Saudita, Índia, França, Reino Unidos e Japão juntos. Forças de Operações Especiais Americanas foram implantadas em 149 países até o ano passado. Reduzir essa pegada militar e, assim, diminuir o caos que os Estados Unidos causam no exterior deve ser uma prioridade para a esquerda.

Essa redução deve ser enquadrada como um objetivo de política externa e uma questão de justiça doméstica. É inconcebível que os Estados Unidos gastem tanto com suas Forças Armadas enquanto a desigualdade cresce e os programas sociais ficam subfinanciados. O corte de gastos militares também abordará outra prioridade da esquerda: a corrupção. Como argumentou William Hartung, do Center for International Policy, quase a metade do orçamento militar vai para corporações privadas que desperdiçam nossos impostos “com despesas gerais inúteis, salários executivos altos e custos surpreendentes (ainda que comuns) com sistemas bélicos e outros equipamentos militares”, que, no final das contas, nem funcionarão como prometido”. Os Estados Unidos menos militaristas são também os Estados Unidos mais justos.

Redução de ameaças

Podemos trazer nossas tropas para casa e cortar o orçamento militar porque os Estados Unidos não enfrentam nenhum adversário externo sério. A Coreia do Norte, o Irã, o Estado Islâmico, a Rússia e a China não podem desafiar a soberania norte-americana da mesma maneira que a Alemanha nazista ou a União Soviética. Embora haja reconhecidamente ameaças globais sérias, nenhuma é existencial e nenhuma é incontrolável. Mas por muito tempo, os políticos inflaram as ameaças internacionais para justificar o aventureirismo militar, subir os gastos militares, aumentar a vigilância doméstica e fazer campanha sobre uma política de medo.

A esquerda deve mudar isso. Candidatos e políticos devem educar o público sobre a relativa segurança dos Estados Unidos. Tal educação encorajará uma retirada militar, gerará uma política doméstica mais honesta e protegerá as liberdades civis dos americanos.

Internacionalismo

Nada disso significa que os Estados Unidos deveram se retirar do mundo. Em vez disso, os Estados Unidos deveriam se envolver com outros países por meio de diplomacia pacífica. Um primeiro passo importante seria adotar tratados e instituições internacionais endossados ​​pela maioria das nações, como o Acordo de Paris sobre mudança climática e o Tribunal Penal Internacional. Além disso, os formuladores de políticas devem instar as negociações de desarmamento com todas as grandes potências e restabelecer o acordo nuclear com o Irã.

A esquerda também deve comprometer-se a reduzir a desigualdade econômica global, reordenando as relações hierárquicas que beneficiam os países ricos em detrimento dos pobres. Por exemplo, a esquerda não deve permitir que corporações lideradas pelos americanos usem trabalhadores mal pagos e maltratados para produzir produtos baratos. Os formuladores de políticas também devem evitar que os ricos evitem a tributação, trabalhando com países estrangeiros para fechar os paraísos fiscais.

Finalmente, a esquerda deve levar a sério os direitos humanos. Em particular, os formuladores de políticas externas de esquerda devem pressionar aliados como a Arábia Saudita e Israel a pararem de cometer abusos dos direitos humanos, interrompendo a transferência de armas e outras formas de assistência.

E o que mais?

Uma esquerda socialista democrática está moldando a conversa na política americana no momento. Isso torna necessário que os políticos de esquerda pensem além das questões básicas e desenvolvam novas maneiras de abordar o papel mundial dos Estados Unidos. Um programa explícito ainda não existe, mas os cinco princípios discutidos acima podem servir como a base sobre a qual os futuros líderes podem construir uma política externa de esquerda que conduza a uma era mais justa e pacífica.

 

Daniel Bessner (@dbessner) é professor assistente de Política Externa Americana na Escola de Estudos Internacionais Henry M. Jackson, da Universidade de Washington, e autor de “Democracy in Exile: Hans Speier and the Rise of the Defense Intellectual.”

 

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em 17/09/2018, em https://nyti.ms/2D0iahQ

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