Moscou pode aguentar as sanções dos EUA. Até onde Washington vai?
Washington impõe sanções a Moscou pelo caso Skripals e diz que outras virão. Mas um impasse parece mais provável do que uma guerra econômica total.
por Giovanni Pigni
Traduzido do Asia Times*
Mais sanções dos Estados Unidos estão caindo sobre a Rússia. As últimas sanções, que entraram em vigor na semana passada, dizem respeito ao envenenamento do ex-espião Sergei Skripal, mas são só as últimas de uma série de medidas adotadas pelos Estados Unidos para punir a Rússia de Vladimir Putin por suas “atividades malignas” no mundo.
Essa lista se estende muito além dos Skripals, para incluir a anexação da Crimeia e a interferência nas eleições dos Estados Unidos.
Mas, apesar de ser a arma central no confronto contra a Rússia, as sanções não obrigaram Moscou a fazer qualquer concessão até agora. E, dada a resiliência da economia russa e a dependência dos países da Europa Ocidental em relação ao fornecimento de petróleo e gás de Putin, é improvável que o façam no futuro previsível.
Moscou em “modo desafio”
O pacote de sanções recém-introduzido pelo governo de Donald Trump negará ao país o crédito americano, suspenderá a assistência financeira e proibirá a exportação de bens, tecnologias e armas sensíveis de segurança.
Estas medidas foram tomadas para punir Moscou pela suposta tentativa de assassinato do agente duplo russo Sergei Skripal que, junto com sua filha Yulia, foram hospitalizadas após sofrerem exposição a um agente nervoso russo, em Salisbury, em março passado.
O Reino Unido alegou enfaticamente – embora, sem oferecer qualquer evidência real – que o Estado russo estava por trás das tentativas de assassinato. De acordo com seu manual habitual, Moscou reagiu às novas sanções desafiadoramente.
Rejeitou as acusações e definiu as medidas dos Estados Unidos como “ilegais”. A sempre combativa porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, mais uma vez apontou a falta de provas que apoiem as alegações dos Estados Unidos, definindo o caso Skripal como “um pretexto” usado pelo governo Trump para infligir novas sanções à Rússia.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que o governo russo estava avaliando as possíveis consequências das novas sanções, assegurando ao público que serão tomadas as medidas defensivas “que melhor correspondam ao interesse da Rússia”.
Tendo sido acusado de violar a Lei de Eliminação de Guerra e Controle de Armas Químicas e Biológicas de 1991, Moscou deve provar que não usará armas químicas no futuro, permitindo que observadores internacionais realizem inspeções em solo russo, segundo os Estados Unidos.
Se Moscou se recusar a cumprir, um segundo conjunto de sanções mais severas ocorrerá em novembro. Elas devem incluir banimento radical ao comércio, cortes nas relações diplomáticas e proibição contra as companhias aéreas russas, como a Aeroflot, de pousarem em território norte-americano.
É altamente improvável que Moscou cumpra as exigências dos Estados Unidos, que o Ministério das Relações Exteriores da Rússia já definiu como “inaceitáveis”.
“Usar a linguagem de ultimato com a Rússia é inútil”, esbravejou Zakharova. “Todo mundo está bem ciente de que, no ano passado, a Rússia eliminou totalmente seu estoque de armas químicas”, em estrita conformidade com as convenções relacionadas, disse ela.
Impacto econômico
Então, quão duras são as novas sanções a ponto de impactar a economia russa?
De acordo com a agência de classificação Moody’s, dada a dependência relativamente baixa da Rússia das importações dos Estados Unidos – apenas 5,5% das importações da Rússia são provenientes dos Estados Unidos – esta rodada de sanções provavelmente não causará sofrimento significativo.
Além disso, as sanções adotadas entraram em vigor com exceções significativas relativas à segurança nacional dos Estados Unidos. As renúncias afetam áreas como aviação civil, cooperação espacial governamental e transações com empresas estatais da Rússia.
Devido a esses problemas, os efeitos colaterais das sanções, e não as sanções em si, causam danos. Devido à instabilidade que pairava sobre o mercado russo, os investimentos estrangeiros diretos diminuíram em mais de 50% no primeiro semestre de 2018 em comparação com o ano anterior.
Assim que novas sanções foram anunciadas no início deste mês, o rublo atingiu seu ponto mais baixo desde 2016 e a bolsa de valores russa despencou.
“As sanções financeiras representam o perigo mais sério para o mercado russo e o humor dos investidores”, disse Yelena Kozhukhova, analista da corretora Veles. “Se elas forem impostas, os mercados acionários e o rublo serão atingidos novamente”.
O economista Oleg Buklemishev disse à Novaya Gazeta que o clima de instabilidade gerado pelas sanções é “a receita perfeita para a estagnação econômica”, já que os investidores temem investir por causa das medidas vindouras.
Esses temores não são infundados, considerando que novas leis estão sendo analisadas pelo Congresso dos Estados Unidos.
Com as eleições de meio de mandato no horizonte, Washington quer aumentar a pressão sobre Moscou para impedir qualquer possível interferência. O conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, já alertou Moscou a não interferir, acrescentando que os Estados estão preparando “todos os passos necessários para impedir que isso aconteça”.
Entre essas medidas, um novo projeto de lei bipartidário, o Ato “Defendendo a Segurança Americana Contra a Agressão do Kremlin”, foi introduzido no início de agosto.
Se aprovado, o chamado “Projeto que veio do Inferno” aplicará sanções que são consideradas “as mais duras já impostas”. Elas incluem a proibição de bancos estatais russos que operam nos Estados Unidos, além de impedir investimentos americanos em empresas de energia governamentais ou afiliadas russas.
Desfecho mais provável de impasse
Segundo o primeiro-ministro russo, Dmitry Medvedev, as medidas do Congresso, se aplicadas, seriam consideradas “uma declaração de guerra econômica”, à qual a Rússia deveria responder “economicamente, politicamente – ou, se necessário, por outros meios”.
Para prevenir o crescente isolamento econômico, a Rússia já adotou medidas preemptivas.
O Banco Central da Rússia livrou-se da maioria dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos e reforçou significativamente suas reservas de ouro para reduzir a dependência do dólar americano. Uma reforma previdenciária recém-introduzida e um novo imposto sobre valor agregado, que devem entrar em vigor no próximo ano, garantirão receitas orçamentárias adicionais significativas e fortalecerão a capacidade da Rússia de resistir às sanções dos Estados Unidos.
No entanto, essa barricada financeira provavelmente terá um custo: declínio na popularidade interna do presidente Putin.
Dada a resistência das sanções da Rússia e seus movimentos preventivos, apenas medidas extremas, como penalizar a dívida externa russa ou atingir as exportações de petróleo e gás, poderiam abalar seriamente a economia russa. No entanto, é improvável que os Estados Unidos adotem medidas rigorosas com medo do dano econômico colateral.
A Rússia é o maior exportador de gás natural do mundo, com compradores incluindo muitos dos principais aliados europeus de Washington. Excluí-la dos mercados poderia desencadear uma crise energética global. E executar todos os US$ 486 bilhões da dívida externa da Rússia também causaria perdas profundas aos investidores – muitos deles baseados nos Estados Unidos.
Então, não há solução à vista. A relutância russa em recalibrar suas políticas externas, combinada com a má vontade americana em lançar uma guerra econômica total, significa que esse impasse clássico não deverá ser resolvido tão cedo.
Tradução por Solange Reis
*Artigo originalmente publicado em 03/09/2018, em http://www.atimes.com/article/moscow-can-handle-us-sanctions-how-far-will-washington-go/