A vitória democrata que reelegeria Trump
Conservadores não tradicionalistas veem a provável vitória democrata na Câmara como a melhor chance para o segundo mandato de Trump
por Solange Reis
Imaginemos o cenário. O Partido Democrata ganha a maioria na Câmara nas próximas eleições de novembro, enquanto o Partido Republicano mantém o controle do Senado.
Péssima notícia para Donald Trump. Afinal, além de bloquear muitos projetos de lei republicanos, a vitória parcial daria aos democratas margem para tirar o presidente do poder. Hoje, mesmo com o cerco judicial a Paul Manafort e Michael Cohen — respectivamente, assessor de campanha e advogado de Trump — um processo de impeachment é menos provável do que quer crer a oposição.
Mas é nesse horizonte de vitória democrata que alguns republicanos vêm apostando – sim, republicanos! Membros do Partido Republicano, ou simples aliados de Trump, que acreditam que perder a maioria na Câmara é o que Trump precisa para se reeleger em 2020.
É o caso de Barry Bennett, ex-conselheiro de campanha de Trump, para quem o segundo mandato estará garantido, caso os democratas ganhem a maioria das cadeiras na Câmara.
A teoria baseia-se na seguinte estratégia. Trump daria início, agora, a um embate em torno de um pretexto qualquer que mobilize sua base mais fiel. Digamos que o tema da discórdia seja o financiamento da construção do muro na fronteira com o México, já que políticas anti-imigratórias parecem ser as preferidas dos eleitores de Trump, que foram pouco ternamente apelidados por Hillary Clinton de ‘deploráveis’.
Há menos de um mês, Trump fez um movimento nessa direção. Disse não ter qualquer constrangimento em paralisar as funções do governo, em setembro, caso o Legislativo não aprove as verbas para a construção do muro.
A mensagem foi direcionada principalmente aos democratas, mas não deixa de colocar os republicanos contra a parede, pois muitos terão disputas acirradas em estados ou municipalidades nos quais o tema da imigração é sensível.
Nero talvez não tenha colocado fogo em Roma, mas Trump incendiaria o ambiente político nacional se levasse a ameaça da paralisação adiante. Os democratas capitalizariam o momento, enquanto os republicanos ficariam na encruzilhada. Ceder ao presidente garantiria o apoio de parte do eleitorado conservador, embora pusesse em risco os votos de indecisos e moderados. No meio de tal guerra partidária, há um presidente que governa como um apostador de alto risco.
Para os conservadores anti-establishment, Trump deveria incentivar a polarização, mobilizar as bases nos estados pró-Trump e investir seu capital político nos candidatos republicanos ao Senado.
Acontece que a abordagem que funciona para a disputa no Senado pode custar aos republicanos a maioria atual na Câmara. Alguns estados nos quais Trump elegeria um senador têm muitas municipalidades com uma quantidade significativa de eleitores indecisos e de tendência moderada, que poderiam optar pelos democratas nas urnas.
O círculo republicano próximo ao presidente, no entanto, não vê a possível perda de cadeiras na Câmara como consequência negativa do foco do presidente no Senado. Pelo contrário, a vitória democrata na Casa já seria considerada inevitável. O melhor é fazer do limão uma limonada.
Segundo o The Wall Street Journal, que vem mostrando certo apoio ao presidente em seus editoriais, Trump talvez não tenha por que temer uma Câmara democrata, desde que os republicanos preservem o Senado. A Câmara dos Representantes tem o direito exclusivo de impedir um presidente, cabendo ao Senado o papel de júri e juiz. No entanto, a decisão da Câmara precisa ser confirmada por pelo menos dois terços dos senadores. O jornal diz ainda que Nancy Pelosi, atual porta-voz do Partido Democrata e provável líder da maioria na Câmara em tal cenário, seria a antagonista (fraca) ideal para fortalecer a imagem (forte) de Trump nos dois anos seguintes.
O editorial de 30 de julho explica como Trump conseguiria virar o jogo, mesmo que seu Partido sofresse derrota parcial em novembro. Depois de dois anos como coadjuvantes na política nacional, os democratas iniciariam um arriscado processo de impeachment contra Trump na Câmara. Contariam com a capacidade de mobilizar o apoio de parte expressiva da população, suficientemente grande para colocar os senadores republicanos sob tamanha pressão, que estes apoiariam o impedimento do próprio líder.
No entanto, para os defensores pouco ortodoxos do presidente, Trump estaria mais para Bill Clinton do que para Richard Nixon. Contrariando às expectativas democratas, os senadores republicanos rejeitariam as tentativas de impedir o presidente. O Congresso passaria a ser palco de uma disputa feroz — enquanto tudo mais no país cairia para segundo plano — levando cada vez mais eleitores a acreditar que Trump tem razão quando refere-se ao pântano na política nacional.
Para Newt Gingrich, líder republicano nos anos Clinton, o espetáculo interminável de depoimentos de funcionários da Casa Branca aumentaria a frustração da população com os Congressistas e acabaria queimando os próprios democratas. Trump não apenas preservaria o voto dos eleitores conservadores, como ganharia a simpatia dos moderados. O caminho para a reeleição seria bem mais reto.
Jim Jordan, que trabalhou na defesa de Clinton, no processo de impeachment após o escândalo sexual com Monica Lewinsky, diz que o público tende a simpatizar com o presidente que vira alvo de investigações, pois estas acabam vistas como perseguição política.
Uma vez superado o risco de impeachment com a ajuda de seu partido, Trump ainda teria um problema. Sem maioria na Câmara, não conseguiria aprovar nada nos próximos dois anos. Mas, de novo, Donald Trump seria como Bill Clinton, que aproximou-se e fez concessões aos republicanos, após a tentativa frustrada de impeachment. Caso essa linha de pensamento esteja certa, Trump acenaria para os democratas com pequenos acordos sobre benefícios sociais, enquanto manteria o grosso de suas políticas socialmente predatórias.
Seria uma estratégia no melhor estilo “terra arrasada” de Steve Bannon — um dos idealizadores da campanha em 2016 e estrategista-chefe da Casa Branca no início do governo. Em entrevista recente, Bannon disse: “A segunda corrida presidencial de Trump será no dia 6 de novembro deste ano. Ele está na cédula, e teremos voto contra ou a favor. Você apoia o programa de Trump, OK, com tudo de bom e de ruim? Você apoia o programa de Trump ou apoia tirá-lo do poder?”.
Bannon parte para o tudo ou nada porque considera que, ceteris paribus, os republicanos já correm o risco de perder em torno de 40 cadeiras na Câmara, embora os democratas só tenham de acrescentar 24 às atuais para recuperar a maioria na Casa. “Não podem ser vistas (as eleições) como de meio de mandato e não podem ser conduzidas pelo manual republicano tradicional”, conclui Bannon.
Porém, o radical discorda dos conservadores que defendem a briga apenas pelo Senado e considera que a estratégia proposta é perigosamente ingênua. Como um dos principais estrategistas da extrema-direita nos Estados Unidos hoje, Bannon segue dizendo que o caminho para o segundo mandato é polarizar, a fim de levar os “deploráveis” às urnas em maior número do que os anti-Trump. E, no fim das contas, ganhar em todas as frentes.
Qualquer quadro eleitoral é complexo, ainda mais no país que apresenta-se como a maior democracia do mundo e que vive dias incomparáveis de desconcerto doméstico.
Há muitas variáveis. Visões diferentes entre os conservadores que apoiam Trump, interesses dos conservadores que não o toleram, como os irmãos Koch, o crescimento da ala progressista na dita “onda azul” do Partido Democrata, as investigações do procurador-especial Robert Muller, entre tantos fatores.
Outro imponderável é a imprevisibilidade do presidente que, segundo as fontes ouvidas pela imprensa americana, ainda não teria embarcado na canoa dos “Neros” de Washington.
Qualquer prognóstico hoje tem tanta confiabilidade quanto leitura de mão. Mas, em tempos estranhos, a lógica talvez não seja o melhor guia.