A aliança EUA-Turquia envereda por um caminho sem volta
O sentimento de indignação entre os turcos não deve ser subestimado, o que faz essa ruptura ser excepcional.
por M.K. Bhadrakumar
Traduzido do Asia Times*
A lira turca chegou a cair 22% na sexta-feira, antes de se recuperar e fechar em queda de 17%, como resultado do anúncio do governo Trump de dobrar as tarifas sobre as importações de aço e alumínio da Turquia.
As tarifas afetam as exportações turcas calculadas em 1 bilhão de dólares em comércio direto com os Estados Unidos.
Os Estados Unidos foram o principal destino das exportações de aço da Turquia em 2017. A Turquia ficou em sexto lugar entre os países que mais exportaram aço para os Estados Unidos no ano passado, enquanto a participação do aço turco foi de 7% do total das importações de aço norte-americanas.
Mais precisamente, o Presidente Trump insinuou, desaforadamente, que esta era uma decisão política e observou, provocadoramente, que também estava de olho na taxa de câmbio da lira turca.
Trump tuitou: “Eu apenas autorizei uma duplicação das tarifas sobre aço e alumínio da Turquia, já que sua moeda, a lira turca, desvaloriza rapidamente em relação ao nosso dólar muito forte! O alumínio será taxado agora em 20% e o aço em 50%. Nossas relações com a Turquia não são boas neste momento!”
O tweet de Trump foi a causa direta do caos que atingiu a lira turca no mercado. Isso vem somar-se ao fato de que investidores estrangeiros vêm retirando aplicações do mercado turco nos últimos meses, desde que o Federal Reserve norte-americano elevou as taxas de juros e reduziu a carteira de ativos de alívio quantitativo. Não é novidade, portanto, que o dólar tenha se fortalecido acentuadamente, que a lira tenha perdido valor e que os rendimentos dos bônus turcos tenham subido.
A Turquia tradicionalmente tem recorrido a empréstimos externos em moeda estrangeira para compensar seus déficits em conta corrente. Os fundos externos foram atraídos para a economia turca devido aos rendimentos mais elevados, alimentando o crescimento da economia turca, especialmente no setor da construção.
Com a retirada de dinheiro do mercado turco nos últimos meses, empresas e bancos turcos, que fizeram empréstimos em dólares ou euros, estão encarando uma crise potencial no pagamento de suas dívidas. Em suma, a volatilidade da taxa de câmbio está se transformando em uma crise de dívida e liquidez.
Essa crise financeira pode levar muitas empresas turcas a ter de pedir falência, o que atingirá os bancos. Enquanto isso, um círculo vicioso vai se formando à medida que a confiança dos investidores diminui, apesar da política econômica de baixas taxas de juros do presidente turco, Recep Tayyd Erdogan.
Nesses momentos, os fatores psicológicos inevitavelmente desempenham um papel importante. De fato, a administração Trump prefere cada vez mais travar guerras econômicas do que mobilizar forças militares para exercer “pressão máxima” na busca de seus objetivos na política externa. Rússia, China, Venezuela e Irã, entre outros, são exemplos gritantes. A Turquia agora se junta à galeria dos vilões.
Erdogan também se tornou um alvo devido a suas políticas externas independentes, que vão minando as estratégias regionais americanas. O tuíte de Trump se gaba virtualmente da sua tática de pressão. O objetivo de Trump é, sem sombra de dúvidas, colocar Erdogan de joelhos.
O Partido da Justiça e Desenvolvimento da Turquia tradicionalmente conta com o apoio do “Bazar” e dos chamados “Tigres da Anatólia”, que formam o principal eleitorado de Erdogan e são os mais afetados nessa crise.
A atuação das agências de crédito Merrill Lynch e da Standard & Poor’s nesse momento crítico para rebaixar a classificação de crédito da Turquia foi um anúncio antecipado do conflito econômico iminente.
O dilema de Erdogan é duplamente complicado. Ele poderia se aproximar do Fundo Monetário Internacional para auxílio, que é o que Wall Street e Trump esperam que ele faça. Mas se ele fizer isso, as políticas turcas estarão sujeitas ao escrutínio rigoroso dos Estados Unidos. E Erdogan não vai ceder.
A alternativa é Erdogan buscar ajuda em outros lugares. Na semana passada, em um artigo publicado no New York Times, o presidente turco advertiu Trump de forma severa: “Antes que seja tarde demais, Washington deve abandonar a ideia equivocada de que nosso relacionamento pode ser assimétrico e aceitar o fato de que a Turquia tem alternativas. A falha em reverter essa tendência de unilateralismo e desrespeito exigirá que comecemos a procurar novos amigos e aliados.”
No entanto, Trump preferiu repreende-lo ao dobrar agora as tarifas sobre o aço e o alumínio turcos. Erdogan está furioso. Ele disse no domingo: “Declaro que percebemos sua trama e a desafiaremos. Não há razão econômica para a atual situação (de queda cambial). Este é um plano para forçar a Turquia a se render em todos os campos, das finanças à política, para colocar a Turquia e seu povo de joelhos”.
O sentimento de indignação entre os turcos não deve ser subestimado, o que faz essa ruptura ser excepcional numa relação que já tem sido problemática ao longo das últimas sete décadas. Erdogan disse na terça-feira que vai impor um embargo a todos os produtos eletrônicos americanos – incluindo o iPhone, famoso por ter sido usado pela CNN turca para transmitir via FaceTime os eventos da fatídica noite da tentativa de golpe fracassada há dois anos.
A alienação da Turquia nessa magnitude representa um enorme risco para a política externa de Trump. Os Estados Unidos não podem manter uma política eficaz no Oriente Médio ao mesmo tempo em que antagonizam a Turquia e o Irã.
As ramificações geopolíticas regionais mais amplas ainda estão por vir. A Turquia é um Estado “pêndulo” e suas políticas têm reflexos em diversas regiões – dos Bálcãs, do Cáucaso e da Ásia Central ao Oriente Médio, Norte da África e Mediterrâneo.
O Irã ganhou muito em dimensão estratégica. Teerã expressou forte solidariedade a Erdogan. Um enviado especial de Teerã visitou Ancara e se encontrou com Erdogan no final de semana, que expressou o desejo de se reunir logo com o presidente iraniano Hassan Rouhani.
Declarações de Berlim e Roma já demonstram um sentimento crescente de exasperação em relação às sanções injustificadas de Trump contra a Turquia. Ao lidar com a crise dos migrantes ou refugiados, Erdogan é um parceiro crucial para a Europa. A Turquia também possui um acordo de união aduaneira com a União Europeia.
O surpreendente é que tudo isso está ocorrendo no momento em que os Estados Unidos e a OTAN estão ansiosos para redesenhar o mapa estratégico do Mar Negro em desafio à Rússia e quando a presença militar norte-americana no Iraque e na Síria está enfrentando uma oposição local cada vez maior.
Erdogan disse no domingo que a Turquia está considerando outros mercados e alternativas políticas para substituir sua “parceria estratégica” com Washington. Sem dúvida, a China será o grande vencedor. Os chineses priorizam a Turquia como um parceiro fundamental em sua Iniciativa “Cinturão e Estrada” (o Cinturão Econômico da Rota da Seda e a Rota da Seda Marítima do Século XXI).
Trump está evidentemente subestimando a força do nacionalismo turco, que vai caminhando para um clímax. Em seu livro “A Arte da Negociação”, o nacionalismo não tem lugar – o maior lance leva o negócio. Vai se firmando a opinião turca de que os Estados Unidos estavam por trás da fracassada tentativa de golpe em julho de 2016, numa estratégia orquestrada para controlar as políticas turcas, e de que essa “guerra econômica” seria sua mais recente manifestação.
Tradução por Solange Reis
Artigo originalmente publicado em 15/08/2018, em http://www.atimes.com/article/us-turkish-alliance-reaches-the-point-of-no-return/