Radicalização política nas midterms
por Tatiana Teixeira
Contrariando a maioria das previsões, em função do perfil histriônico, politicamente inconsistente e de suas gafes, o então candidato republicano Donald Trump foi eleito em novembro de 2016. A vitória foi atribuída não apenas a essa combinação arriscada de fatores. Teria resultado também da impopularidade e da incapacidade da ex-senadora Hillary Clinton de seduzir o eleitorado, levando a uma menor participação democrata nas urnas, assim como de sua inépcia para superar as armadilhas que surgiram no meio da disputa – como a investigação do FBI, a suposta interferência russa nas eleições, ou a misoginia do eleitorado – e ao fato de simbolizar a “velha política”, o establishment washingtoniano e Wall Street.
Foi atribuída ainda à insatisfação do americano médio (especialmente do Rust Belt) com o estilo de governo e com determinadas políticas econômicas e sociais dos oito anos da gestão Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA (outro fator), assim como com a própria figura e trajetória do democrata. Porque este americano médio não se sentia “representado”. Trump na Casa Branca – afirmou-se à época, entre outras razões – foi um voto em quem “ouviu” a Middle America, um voto de protesto, um voto anti-Obama, um voto contra o excesso do politicamente correto, um voto no discurso protecionista que prometeu trazer os empregos da indústria de volta, um voto naquele que prometeu livrar o país dos “não e/ou antiamericanos” e daquele que prometeu Fazer a América Grande de Novo.
Partidos perdidos
Com quase dois anos do magnata republicano na Presidência, as eleições de meio de mandato que acontecem em novembro próximo e as primárias e eleições especiais realizadas ao longo deste ano têm mostrado dois partidos que parecem ainda não saber lidar muito bem com o “efeito Trump”.
Ao mesmo tempo em que ter o presidente no comício pode estimular o comparecimento às urnas e trazer votos, a depender do estado e do perfil do eleitor local, há os pré-candidatos e candidatos que preferem se manter afastados da imagem de Trump, de suas declarações polêmicas e de suas políticas igualmente controversas. Há os que representam grupos até então latentes e que têm-se sentido mais confortáveis desde o início do novo mandato, estimulados, principalmente, pela inflamada retórica racista, misógina e xenófoba de Trump: neonazistas, neofascistas e supremacistas brancos, entre outros expoentes da extrema direita. A depender do tema, a cúpula do GOP se aproxima, ou se afasta, do presidente. Isso para falar apenas do lado republicano.
Entre os democratas, há um partido que ainda busca explicações eventualmente conspiratórias para a derrota de 2016 e que ainda não se recuperou. É um partido que ainda tenta recompor sua identidade e estilo e que mal absorveu o impacto do entusiasmo juvenil com a agenda progressista do então pré-candidato Bernie Sanders, derrotado por Hillary nas prévias, ou da adesão de “democratas reaganianos” a Trump. E, nesse meio-tempo, enquanto a cúpula do Partido Democrata procura se reconectar com a base eleitoral e discute a melhor maneira de recuperar seu protagonismo no debate e de como enfraquecer e expor Trump, já começam a surgir movimentos de reação ao momento atual.
O avanço dos ‘democratas socialistas’
Aos 28 anos, a americana de origem porto-riquenha Alexandria Ocasio-Cortez, que se autoidentifica como uma “democrata socialista”, surpreendeu ao derrotar nas primárias em Nova York o representante Joe Crowley (D-NY), de 56, um veterano da política. Sua plataforma de campanha inclui temas como o fim da Immigration and Customs Enforcement (a Agência de Imigração e Alfândega americana que funciona como uma polícia migratória), saúde para todos e um ensino superior livre de dívidas estudantis – um dos grandes pesadelos dos jovens americanos. Se eleita, será a mulher mais jovem a ingressar no Congresso.
O resultado colocou os caciques do partido em alerta, questionando-se sobre o potencial impacto que uma guinada acentuada à esquerda teria nas preferências e percepções do eleitor moderado e o quanto isso estimularia uma contrarresposta republicana em massa. A preocupação é de curto prazo, por conta das midterms, mas de longo também, de olho na corrida presidencial de 2020. Ainda assim, o discurso oficial sobre esse fenômeno já começa a se flexibilizar. Como afirmou o presidente do Comitê Nacional Democrata, Tom Perez, Alexandria Ocasio-Cortez representa o “futuro do nosso partido”.
Mesmo alijado do processo e derrotado em 2016, o senador Sanders (I-VT) parece ter plantado uma semente que começa a encontrar um terreno mais fértil. Em entrevista ao programa “Late Show” da rede CBS, Sanders apontou a mudança no debate político, com a inclusão de novos temas. “Eu acho que a verdadeira questão é que as ideias sobre as quais a gente vem falando, quase sem exceção, são agora ideias vigentes e são apoiadas pela ampla maioria do povo americano”, afirmou.
De acordo com pesquisa recente do Instituto Gallup, 57% dos democratas veem o socialismo de forma favorável, contra 47% que pensam da mesma forma sobre o capitalismo. E, na faixa entre 18 e 29 anos, 55% têm uma visão positiva sobre o socialismo. Agora, o Partido Democrata precisa descobrir como chegar a um equilíbrio ainda difícil: manter e ampliar sua fatia no eleitorado jovem e não perder espaço em outros segmentos dentro e fora da sigla.
‘Suicídio político’
Para o estrategista republicano Shermichael Singleton, que critica muitas das políticas adotadas pelo presidente Donald Trump, “seria um desastre para eles (em referência aos democratas). Eles garantiriam uma vitória de Trump“. Segundo Singleton, seria “cometer suicídio político”. O consultor estratégico e especialista em pesquisas de opinião Jim McLaughlin também disse acreditar que o aumento do “extremismo” entre os democratas será de grande ajuda para os republicanos. “Essas são as partes que estão dizendo ‘Somos socialistas agora. Queremos fronteiras abertas. Queremos que pessoas que não são cidadãos possam votar. Queremos aumentar seus impostos’. Esse é o tipo de agenda que vai realmente ajudar os republicanos em novembro, e eu realmente acho que vai ajudá-los em termos de participação”, avaliou.
A porta-voz do Comitê Nacional Republicano, Kayleigh McEnany, confirmou que parte da estratégia do partido para as midterms é esta: rotular os democratas como “militantes” e “extremistas”.
Extrema direita se fortalece
No outro extremo do espectro político, os republicanos veem o radicalismo se ampliar nas suas fileiras, tanto em disputas estaduais, quanto no nível nacional. A expectativa de vitória dessas figuras é baixa, mas sua imagem colada à legenda abre um flanco bastante vulnerável no momento em que mais e mais democratas (especialmente jovens, mulheres, afro-americanos e americanos de origem hispânica) começam a acreditar na blue wave, estimulados pelo sentimento anti-Trump.
Na Carolina do Norte, por exemplo, o supremacista branco Russell Walker disputa a Câmara de Representantes estadual. Em sua página institucional, Walker afirma abertamente que os brancos são superiores: “Alguém ou alguma coisa precisa ser superior, e alguém ou alguma coisa precisa ser inferior. Essa constatação é tão simples que não precisa de explicação”. Sean Donahue, que defende que os brancos estão se tornando minoria no país e que o movimento Black Lives Matter prepara uma insurgência armada, disputa a vaga do representante Lou Barletta (R-PA), o qual, por sua vez, concorrerá ao Senado.
Em Illinois, outro candidato local, o polêmico e autodeclarado neonazista Arthur Jones, venceu a prévia do partido, defendendo, entre outros pontos, que o Holocausto é uma das grandes mentiras da História. Outro negador do Holocausto, o representante Matt Gaetz (R-FL) tentará a reeleição. Na Virgínia, o confederado e ativista da Alt-Right Corey Stewart também saiu vencedor das primárias. O supremacista branco e neonazista Paul Nehlen disputa a cadeira do atual presidente da Câmara de Representantes em final de mandato, Paul Ryan (R-WI). Conhecido por sua linha-dura em questões migratórias, Joe Arpaio concorrerá à vaga ao Senado pelo Arizona.
Realizada na esteira dos confrontos de Charlottesville entre supremacistas brancos e grupos antirracismo e antifascismo, uma pesquisa ABC News/Washington Post de agosto de 2017 apontava que, para 9% dos entrevistados, é legítimo ter visões neonazistas, ou ligadas à supremacia branca, contra 83% que consideram isso inaceitável. Este número corresponderia a cerca de 22 milhões de americanos. Além disso, 10% manifestaram seu apoio à Alt-Right, ou direita alternativa, movimento que reúne adeptos da extrema direita nos Estados Unidos, enquanto 50% disseram ser contra. Esses percentuais não podem ser minimizados, nem ignorados.
Saiba mais sobre esses grupos
Supremacistas brancos
Acreditam na superioridade branca, defendendo o domínio sobre as demais raças, privilégios para os brancos e o fim de qualquer benefício de ordem política, social e econômica para não brancos e minorias. O número dos que atuam sozinhos (ou em gangues) é, hoje, maior do que o de afiliados a organizações. De todos os grupos, são os que mais recorrem a atos violentos, sendo responsáveis pela maioria dos homicídios cometidos por extremistas e identificados como crimes de ódio nos EUA.
Neoconfederados
A nostalgia do “Old South” e o desejo do retorno a um Estado confederado unem seus autointitulados membros. De acordo com o Southern Poverty Law Center (SPLC), o grupo defende os tradicionais papéis de gênero, opõe-se fortemente à homossexualidade, rejeita a democracia e é a favor da segregação racial. O que os diferencia dos supremacistas brancos é seu apego a esse passado e a construção da narrativa de um Sul que, derrotado na Guerra Civil, foi vítima do Norte opressor e intervencionista. Seu grupo mais proeminente, a League of the South, fez parte dos atos contra a retirada dos monumentos confederados em Charlottesville e em defesa dos brancos – o Unite the Right, movimento liderado por Jason Kessler.
Nacionalistas brancos
Presentes em praticamente todas as demais categorias, opõem-se às sociedades multirraciais e preconizam a criação de um “Estado branco”, com território, legislação e direitos especificamente favoráveis para esse grupo. Para seus críticos, são supremacistas brancos disfarçados, defendendo a superioridade natural dos brancos, o separatismo branco e a expulsão de todos os imigrantes de cor.
Neonazistas
Antissemitas, adoradores de Hitler e da Alemanha nazista, têm sua livre-expressão garantida nos EUA pela Primeira Emenda da Constituição. São grupos pequenos e fragmentados, boa parte facções do American Nazi Party, do National Socialist Movement, ou da National Alliance. Hoje, articulam-se mais rapidamente em fóruns de discussão on-line, como o Stormfront, e têm diálogo constante e crescente com seus pares na Europa. Com maior número de membros, o NSM tem sua origem no ANP, fundado em 1959. Liderado por Jeff Schoep, este movimento é próximo do Ku Klux Klan (KKK).
Ku Klux Klan
Grupo supremacista com o mais duro e agressivo registro histórico do país, marcado pelo racismo e por violentos e letais ataques a seus opositores. O KKK foi formado por ex-oficiais confederados nos estados do Sul do país após o fim da Guerra Civil, em 1865, e se espalhou pelo país no início do século XX. A agenda de discriminação inclui afro-americanos, judeus, imigrantes, homossexuais e católicos e tem como objetivo impedir que qualquer um desses possa desfrutar das mesmas liberdades e direitos civis que os demais cidadãos do país. De acordo com o SPLC, o número de membros ativos dessa autointitulada “organização branca patriótica cristã” estaria hoje entre cinco mil e oito mil. Entre eles, estão os Confederate White Knights e os Traditionalist American Knights. Desde a vitória de Trump e, especialmente com o episódio de Charlottesville, o ex-líder dos Cavaleiros do KKK David Duke tem tido mais visibilidade.