Internacional

Pompeo vai ao Senado explicar cúpula Trump-Putin

por Tatiana Teixeira

Em audiência de mais de três horas na Comissão de Relações Exteriores do Senado em 25 de julho, o secretário de Estado, Mike Pompeo, foi explicar a preocupados congressistas o que afinal aconteceu na cúpula a portas fechadas entre o presidente Donald Trump e seu colega russo, Vladimir Putin, e o que resultou desse encontro. Também foi tentar acalmar os ânimos e mostrar o quão “duro” o republicano foi, após as acusações de políticos, de analistas e da imprensa de que Trump teria sido excessivamente complacente com Moscou, em detrimento da comunidade de Inteligência e dos interesses americanos.

No início da sessão, o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, senador Bob Corker (R-TN), apontou a falta de transparência e disse que os congressistas têm “sérias dúvidas sobre essa Casa Branca e sua conduta da política externa americana”. Como reclamou o senador Bob Menendez (D-NJ), um dos mais combativos na audiência, “não sabemos qual é a verdade. O povo americano espera – e eu acredito que ele mereça – saber o que aconteceu”.

Marcada por momentos de tensão, a sabatina no Congresso acabou sendo mais frustrante do que esclarecedora, com um Pompeo escorregadio, às vezes agressivo, deixando várias questões sem resposta. “Presidentes têm o direito de ter encontros privados”, alegou o secretário. Assim foi, por exemplo, com Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, ainda que, à época, os principais membros do gabinete presidencial estivessem mais a par do conteúdo desse encontro do que parece ser o caso agora.

Ladainha oficial

Em um primeiro momento, a ida de Pompeo ao Senado foi recebida com alívio por republicanos que esperavam alguma explicação e informações (ainda ausentes) sobre os bastidores da reunião bilateral, que se deu na presença apenas dos respectivos intérpretes. Esta foi a primeira vez que ele compareceu a um comitê, estando à frente do Departamento de Estado. Na audiência, porém, Pompeo basicamente repetiu o que havia sido dito pelo presidente, assim como pela secretária de Imprensa da Casa Branca, Sarah Sanders, sem esclarecer a discrepância, na prática, entre o tom contundente adotado por sua pasta e as calorosas palavras e a acolhida de Trump.

“Vocês de alguma forma desconectam as atividades do governo das ações do presidente. Elas são uma só e a mesma coisa”, rebateu Pompeo, alegando que nem todas as declarações do presidente são “política externa”.

A estratégia de Pompeo consistiu em expor medidas do Executivo já adotadas contra a Rússia – “um impressionante número de ações para proteger nossos interesses”. Depois de criticar as “atividades malignas” do Kremlin, o secretário citou “as duras ações” tomadas pelo governo. Entre elas, apontou a imposição de sanções contra indivíduos e instituições, expulsão de diplomatas, fechamento de missões diplomáticas russas nos EUA e fornecimento de armas à Ucrânia. Segundo ele, a posição do presidente sobre as sanções não mudou, “nenhum compromisso foi feito para mudar essas políticas” e não houve acordo sobre a questão ucraniana.

Pompeo também tergiversou ao ser questionado pela senadora Jeanne Shaheen (D-NH) sobre se Trump e Putin trataram de um recuo das forças militares americanas na Síria. “A política externa americana não mudou”, limitou-se a afirmar, mais uma vez, acrescentando que espera que a Rússia seja mais cooperativa no sentido de uma solução política. Sobre a Crimeia, relembrou a declaração divulgada horas antes pelo Departamento de Estado, segundo a qual o governo não reconhecerá a anexação por parte da Rússia. Pompeo intimou Moscou a “pôr fim a sua ocupação” no terreno.

A despeito dos recorrentes comentários de Trump no sentido contrário, o secretário de Estado garantiu que o presidente confia no trabalho da Inteligência e que ele “aceita” a versão de que houve ciberataques russos para interferir na eleição americana – também de forma vaga. “O presidente Trump declarou que aceita a conclusão da nossa comunidade de Inteligência de que a Rússia interferiu na eleição de 2016. Ele tem uma compreensão total e adequada do que aconteceu”, afirmou.

Pompeo ainda prestou contas sobre o estágio das negociações com a Coreia do Norte. “Sim, eles continuam a produzir material físsil”, admitiu o secretário, sem entrar em detalhes e contradizendo as declarações recentes de Trump sobre o avanço das conversas rumo à desnuclearização da península.

Aumento das sanções e da pressão do Senado

Na véspera da audiência com Pompeo, em 24 de julho, os senadores Lindsey Graham (R-SC) e Bob Menendez (D-NJ) anunciaram que vão apresentar um projeto de lei para aumentar as sanções contra a Rússia, tendo como objetivo atingir a dívida soberana do país, assim como seus setores financeiro e energético. Além de exigir a aprovação do Senado para qualquer retirada dos EUA da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o texto pedirá o aumento de esforços para conter a campanha de desinformação russa e ajuda às nações democráticas na Europa para se defenderem da interferência de Moscou. Em um comunicado conjunto, ambos afirmaram que “os Estados Unidos devem deixar bastante claro que defenderemos nossa nação e não hesitaremos em nossa rejeição a seu esforço (de Putin) de erodir a democracia ocidental”.

No dia 19, os senadores Marco Rubio (R-FL) e Chris Van Hollen (D-MD) já haviam enviado uma carta nessa mesma linha aos colegas dos Comitês de Relações Exteriores e Bancário. A dupla defende um projeto que prevê sanções à Rússia, caso o Diretor de Inteligência Nacional (atualmente, Dan Coats) confirme a ocorrência de interferência nas próximas eleições americanas. Na carta, pediram aos congressistas que votem o Defending Elections from Threats by Establishing Redlines Act (DETER), ainda no início de agosto. “O Senado tem a oportunidade de destacar para o público americano as reais ameaças impostas pela interferência estrangeira em nossas futuras eleições e de agir para conter uma futura interferência estrangeira e defender nosso país”, apontam Rubio e Van Hollen.

À sombra do Russiagate

Desde sua chegada à Casa Branca, Trump tem testado todos os limites do cargo que ocupa, sejam estes limites políticos, legais, ou diplomáticos. O presidente americano não apenas confunde e irrita correligionários moderados, como coloca alianças tradicionais em xeque, desmonta compromissos internacionais assumidos pelos EUA, desdenha do multilateralismo e, em muitos momentos, acena para “inimigos”, “rivais” e/ou “competidores” com mais condescendência do que o mainstream político em Washington gostaria. O último episódio foi essa primeira cúpula bilateral com Putin, em 16 de julho, em Helsinque, seguida de polêmica entrevista coletiva e de uma sequência de tuítes e comunicados “corrigindo” e “esclarecendo” declarações do presidente americano.

A agenda do encontro estava cheia de temas marcados por posições divergentes de EUA e Rússia: da guerra e crise humanitária na Síria, passando pela Coreia do Norte e pelo acordo nuclear iraniano (JCPOA, na sigla em inglês), até a crise ucraniana. Ainda assim, a reunião foi ofuscada pelo assunto que mais assombra (e ameaça, política e juridicamente) o governo Trump desde o início: o conluio entre Moscou e membros da equipe de campanha do então candidato republicano para interferir na eleição presidencial de 2016, o chamado Russiagate.

Por intermédio de seu conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton, Trump teria inclusive formalizado o convite ao amigo Putin para visitar Washington ainda este semestre para uma segunda cúpula. O governo recuou na oferta, porém, alegando ser melhor esperar o andamento das investigações do procurador especial Robert Mueller e o fim da “caça às bruxas” recorrentemente denunciada por Trump.

Republicanos indiferentes

De acordo com pesquisa Reuters/Ipsos realizada após a entrevista coletiva com Putin, a maioria dos americanos (55% contra 37%) desaprova a maneira como Trump administra as relações com a Rússia, embora isso não afete a aprovação de sua gestão em geral (42%, contra os habituais 40%-44%, a depender do instituto). Ainda na questão russa, 71% dos republicanos apoiaram Trump, contra 14% dos democratas. Também uma maioria (59%) concorda com as conclusões da Inteligência americana sobre o Russiagate – sim, a Rússia interferiu na eleição presidencial de 2016. De novo, existe uma clara clivagem: 84% dos democratas acreditam nisso, enquanto somente 32% dos republicanos consideram verdade. Seguindo essa tendência, apenas 19% dos republicanos disseram ser possível que se descubra alguma prova de conluio da equipe de Trump com a Rússia, contra 77% dos democratas. Como mostram os números, há uma desconexão entre a cúpula do GOP, bastante crítica a Trump, e sua base eleitoral.

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