Segurança e Defesa

Ciberameaça russa divide gabinete Trump

por Tatiana Teixeira

Com o avanço das investigações sobre a suspeita de interferência da Rússia na eleição presidencial americana de 2016 e na esteira da cúpula entre o presidente Donald Trump e seu colega russo, Vladimir Putin, o alto escalão de segurança nacional fez uma ofensiva midiática inesperada. O objetivo: deixar claro o quão séria, insistente e perniciosa é a ciberameaça russa (e de outros países não diretamente citados) para as midterms de novembro próximo, o quanto o governo realmente se importa e o que se fará, de forma preventiva, para garantir a plena realização e a legitimidade das eleições de meio de mandato. No momento em que o cerco se fecha cada vez mais em torno de ex-assessores de Trump, de campanha e do governo, por conta do Russiagate, não se deve minimizar o elemento de distração oferecido por uma coletiva com tantos nomes estrelados.

Realizada na Sala de Imprensa da Casa Branca, a entrevista coletiva de 2 de agosto reuniu os representantes mais importantes do gabinete diretamente relacionados à área de cibersegurança, em uma visível tentativa de buscar uma unidade narrativa sobre o tema (em contraponto ao discurso pró-Putin de Trump), de mostrar coordenação entre os diferentes órgãos da comunidade de Inteligência (uma crítica recorrente que perpassa mandatos republicanos e democratas) e de sinalizar as medidas do governo (acusado de leniência). O tom foi grave, e as falas, evasivas e sem muitos detalhes quanto ao teor das ameaças, assim como ao que será feito para responder à “campanha de interferência da Rússia”.

Discurso afinado e coordenação intragoverno

Em meio às idas e vindas do presidente e às aparentes divergências entre ele e sua equipe, a coletiva foi realizada em um momento de escalada da pressão política por parte de aliados e de adversários, também com o objetivo de mostrar uma administração não apenas reativa, como proativa, em segurança cibernética e no que diz respeito aos russos. Surpreendentemente e contrariando as recentes críticas do empresário nova-iorquino ao que ele aponta como “caça às bruxas” e “fraude” na investigação do Russiagate liderada pelo procurador especial Robert Mueller, confirmou-se, em uníssono, que Moscou interferiu, de fato, na corrida presidencial de 2016, por meio de atores governamentais e não governamentais. E esta é apenas uma das áreas, em que Trump e sua burocracia parecem (propositadamente, ou não) seguir caminhos opostos, tanto na retórica quanto na prática política e no exercício diplomático.

Participaram da coletiva o diretor de Inteligência Nacional (DNI), Dan Coats; o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton; a secretária de Segurança Interna, Kirstjen Nielsen; o diretor do FBI (a Polícia Federal americana), Christopher Wray; e o diretor da Agência de Segurança Nacional (NSA) e de Cibercomando dos EUA, general Paul Nakasone.

Rússia: ameaça real e contínua

Após breve apresentação de Bolton, o primeiro a falar foi o diretor de Inteligência Nacional, Dan Coats, que há algum tempo vem sendo bastante contundente sobre a ciberameaça russa. Nas últimas semanas, ele foi algumas vezes surpreendido por declarações de Trump e parece ter ficado à margem de qualquer desdobramento de Helsinque, ou mesmo do conteúdo da conversa bilateral. Na coletiva, visivelmente constrangido sobre o assunto e se apressando a deixar para Bolton a tarefa de responder a perguntas sobre a cúpula, Coats disse que “não está em posição nem de entender totalmente, nem de falar sobre o que aconteceu” no encontro Trump-Putin.

Sobre a questão de segurança, garantiu que “continuamos a ver uma generalizada campanha de mensagens por parte da Rússia para tentar enfraquecer e dividir os Estados Unidos”. Uma ameaça que, segundo ele, vai além das eleições e independe de partido. Em 2016, porém, apenas o Comitê Nacional do Partido Democrata e a campanha da então candidata Hillary Clinton foram atacados e sofreram vazamento de informação.

Moscou estaria tentando invadir os sistemas usados por candidatos, pré-candidatos e pelo governo, como no caso da senadora Claire McCaskill’s (D-MO), que sofreu uma tentativa de ciberataque, recentemente. “Reconhecemos a ameaça. É real. É contínua. Estamos fazendo tudo que podemos para ter uma eleição legítima, na qual todos possam confiar”, frisou Coats.

De acordo com o diretor do FBI, “a ameaça não passou. A Rússia tentou interferir na última eleição e continua a fazer isso ainda hoje”. Referindo-se a um esforço russo “24h por dia, 365 dias no ano”, que atenta contra infraestruturas físicas e contra sistemas operacionais, Wray insistiu em que “esta é uma ameaça que precisamos levar extremamente a sério”. Ainda assim, segundo todos eles, houve avanços no que diz respeito ao nível de ameaça de 2016, em especial na parceria com o setor privado (o Facebook seria uma dessas empresas), para “combater o uso das mídias sociais nas campanhas de influência estrangeira” e combater a campanha de desinformação que estaria sendo promovida on-line.

Carta aos democratas

Em carta enviada no mesmo dia aos democratas, o conselheiro John Bolton relatou o “amplo, vasto esforço do governo” para proteger o sistema eleitoral, garantindo que “o presidente não vai tolerar interferência”. Em declaração conjunta, os senadores democratas pediram ao governo que leve a segurança da eleição “mais a sério” e avaliaram que o comunicado de Bolton não resolve as preocupações com a interferência russa, sobretudo, se o próprio presidente parece (ou demonstra) ter pouca convicção disso. “Imploramos ao governo que leve mais a sério essa ameaça real e iminente às nossas eleições e à nossa democracia”, assina o líder da minoria no Senado, o democrata Charles Schumer (D-NY), junto com seus colegas Dick Durbin (D-IL), Dianne Feinstein (D-CA), Amy Klobuchar (D-MN) e Chris Van Hollen (D-MD).

Sanções a Moscou

Na última semana, o Departamento do Tesouro americano impôs sanções ao banco russo Agrosoyuz Commercial Bank acusado de colaborar com a Coreia do Norte. Um grupo de senadores democratas e republicanos apresentou um projeto de lei para impor novas e mais duras sanções financeiras a Moscou, além de pressionar o Departamento de Estado a especificar se a Rússia é, ou não, um Estado patrocinador do terrorismo. Em um gesto de contrapeso ao impulso trumpista de contrariar aliados europeus e de afagar o colega Vladimir Putin, o texto também impõe que a saída dos EUA da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) seja validada por não menos do que dois terços do Senado americano.

“Nosso objetivo é mudar o status quo e impor sanções esmagadoras e outras medidas contra Putin até que ele pare e desista de se intrometer no processo eleitoral americano, interrompa os ciberataques à infraestrutura americana, retire a Rússia da Ucrânia e pare os esforços de criar o caos na Rússia”, declarou, em nota, o senador Lindsey Graham (R-SC), coautor do projeto, junto com Bob Menendez (D-NJ).

Os senadores Cory Gardner (R-CO), Ben Cardin (D-MD), John McCain (R-AZ) e Jeanne Shaheen (D-NH) também apoiam o projeto Graham-Menendez, um dos mais amplos em curso no Congresso. Entre as medidas previstas, estão novas sanções financeiras: a “políticos, oligarcas e familiares”, que “facilitem atividades corruptas e ilícitas” a favor de Putin; a transações ligadas a investimentos em projetos de estatais energéticas; a pessoas com capacidade, ou habilidade, para apoiar e cometer ciberataques. O texto propõe ainda a criação, no Departamento de Estado, de uma seção para tratar de assuntos ligados à economia digital e a ataques virtuais, assim como de um centro nacional de resposta a ameaças híbridas.

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