Internacional

As fantasias de Trump sobre mudança de regime no Irã

Seus conselheiros aparentemente acreditam que atores confiáveis ​​aguardam nos bastidores. Não ouvimos isso antes?

 

por Doug Bandow

Traduzido do The American Conservative*

 

O candidato Donald Trump fez campanha contra as insensatas guerras do Oriente Médio em Washington. O presidente Donald Trump está ameaçando Teerã com o equivalente a fogo e fúria. Depois de décadas de ataques americanos ao Irã, o que Trump deveria fazer é mudar de rumo.

O presidente entrou em erupção contra o Irã no Twitter, no início desta semana, numa explosão que foi ainda mais histérica do que seu discurso contra a Coreia do Norte no ano passado. “NUNCA AMEACE OS ESTADOS UNIDOS NOVAMENTE OU SOFRERÁ CONSEQUÊNCIAS COMO POUCOS SOFRERAM ANTES EM TODA A HISTÓRIA”, tuitou. “NÓS NÃO SOMOS MAIS UM PAÍS QUE VAI TOLERAR SUAS PALAVRAS DEMENTES DE VIOLÊNCIA E MORTE. TENHA CUIDADO!”

O presidente soou como um garoto de ensino médio que tinha acabado de derrubar um six-pack de cerveja e ansiava por uma briga. É ele quem deve ser cauteloso antes de ameaçar, com entusiasmo, enviar a morte a outra nação e a outras pessoas. Afinal, como ele sabe muito bem, os resultados do belicismo dos Estados Unidos foram terríveis.

A América tem estado em conflito com o Irã, ou mais precisamente com o povo iraniano, há décadas. Em 1953, Washington apoiou um golpe que derrubou um governo democraticamente eleito. Cinco presidentes apoiaram Mohammad Reza Pahlavi, o xá do Irã, que governou como monarca absoluto. Seu governo foi destacado por ostentação da corrupção, repressão brutal, pesquisa nuclear e planos para se tornar a potência dominante do Oriente Médio.

Uma ampla coalizão derrubou o xá em 1979, mas, infelizmente, sujeitos piores, com mais armas, os islamitas, conquistaram o controle. Os Estados Unidos apoiaram, então, a guerra agressiva do Iraque contra o Irã, iniciada por Saddam Hussein (sim, aquele Saddam Hussein). O governo Reagan deu a Bagdá inteligência e tecnologia de uso duplo, que Saddam usou para criar armas químicas. Washington também reformulou petroleiros do Kuwait como navios norte-americanos para proteger o pequeno Estado do Golfo, que estava ajudando a financiar a guerra no Iraque.

Em 1988, enquanto esse conflito acontecia, um navio dos Estados Unidos abateu um avião comercial iraniano, matando 290 pessoas. Inicialmente, o Pentágono distorceu os fatos para desviar a culpa. Dois anos depois, a Marinha dos Estados Unidos concedeu ao capitão que havia dado ordens para atirar a Legião de Mérito por “serviço excepcional”.

Em 2003, o governo Bush rejeitou a oferta do Irã para se discutir todos os problemas. Enquanto um coro grego neoconservador instigava Washington contra Teerã, o funcionário do governo, John Bolton, teria dito que tal ataque estava para acontecer. Até mesmo o governo Obama ameaçou Teerã com guerra, entoando rotineiramente que “todas as opções estão na mesa”. Essa ameaça foi feita não para deter um ataque iraniano, mas para dissuadir Teerã de construir uma contenção a um ataque americano. Em 2015, o então comentarista e agora assessor de segurança nacional, Bolton, proclamou erroneamente que o Irã não negociou suas armas nucleares e que defendeu a guerra.

Trump lançou um ataque multifacetado a Teerã: proibindo os iranianos de entrar nos Estados Unidos, mesmo os cristãos que já haviam sido liberados como refugiados; rasgando o acordo nuclear multilateral que até seu próprio secretário de Defesa apoiava; restabelecendo sanções econômicas; fazendo um fluxo constante de ameaças militares; nomeando o defensor da guerra, Bolton, como assessor de Segurança Nacional; e subordinando a política americana do Oriente Médio às demandas do inimigo mortal do Irã, a Arábia Saudita, que fez muito mais para promover o terrorismo, espalhar a guerra e a instabilidade, reforçar a autocracia e suprimir a liberdade religiosa do que o Irã. A agressão bárbara de Riad contra o Iêmen sozinha é pior do que quaisquer desventuras internacionais de Teerã.

É de se admirar que o Irã tema os Estados Unidos e queira a contenção?

De fato, a Arábia Saudita trata o presidente como um contratado. Quando o ex-chefe do Pentágono, Robert Gates, se encontrou com o rei Abdullah, ele revelou que o monarca “queria um ataque em larga escala contra alvos militares iranianos, não apenas aos nucleares”, o que significava pedir que os Estados Unidos enviassem seus filhos para uma guerra com o Irã a fim de proteger a posição saudita no Golfo e na região, como se fôssemos mercenários”. É exatamente assim que a monarquia nos vê.

É claro que, em seu discurso de domingo na Biblioteca Presidencial Ronald Reagan, o secretário de Estado, Mike Pompeo, manifestou preocupação com o povo iraniano – que correria mais risco se os Estados Unidos o atacassem, sofrendo mais sob as novas sanções econômicas e sendo impedidos de se refugiar na América. Por essa razão, Jason Rezaian, chefe da sucursal do Washington Post em Teerã, que uma vez foi preso pelo Irã, observou com brutal subversão: “É difícil para o governo sustentar suas próprias afirmações de que o bem-estar e a prosperidade dos iranianos sejam importantes”.

O secretário atacou o Irã como a uma cleptocracia: “O nível de corrupção e riqueza entre os líderes do regime mostra que o Irã é governado por algo mais parecido com a máfia do que com um governo.” Mas qual líder considera toda a riqueza do povo, incluindo vastos depósitos de petróleo, propriedade da família? Qual líder desperdiçou quase um bilhão de dólares em um iate e um castelo francês? Qual líder gasta generosamente para comprar a política americana? Certamente, os sauditas se encaixam nessa descrição muito mais do que os iranianos.

Pompeo deveria ler o que seu próprio Departamento diz sobre a realeza saudita. Os abusos mais significativos, observa o relatório de direitos humanos do Estado, “incluíam assassinatos ilegais, execuções para ofensas não tão graves e sem o devido processo; tortura; prisões e detenções arbitrárias, mesmo de advogados, ativistas de direitos humanos e reformistas antigovernamentais; prisioneiros políticos; interferência arbitrária nas restrições de privacidade à liberdade de expressão, inclusive na internet, e criminalização de difamação; restrições às liberdades de reunião pacífica, associação, movimento e religião; a falta de capacidade dos cidadãos de meios legais para escolher o seu governo através de eleições livres e justas. ”

O Estado também fez uma análise separada, curta e grossa, sobre a liberdade religiosa: “A liberdade de religião não é dada na forma de lei. O governo não permite a prática pública de qualquer religião não muçulmana”. Os muçulmanos xiitas também sofrem. O governo saudita condenou e aprisionou indivíduos acusados ​​de apostasia, blasfêmia, violação dos valores e dos padrões morais islâmicos, insulto ao Islã, magia negra e feitiçaria”.

E Pompeo chorou lágrimas de crocodilo sobre as violações dos direitos humanos do Irã?

A aparente solução do governo é a mudança de regime. É claro que uma alternativa democrática ao regime islâmico repressivo em Teerã seria maravilhosa, mas o substituto mais provável seria um governo mais radical e repressivo. O caos violento raramente resulta em liberdade.

Aparentemente, alguns funcionários de Trump, como Bolton, acreditam que o Mujahedin-e Khalq, ou MEK, poderia assumir o controle. Criado meio século atrás, o MEK misturou marxismo e islamismo, resistiu violentamente ao xá apoiado pelos Estados Unidos, atacou empresas americanas e matou contratados e soldados americanos, e apoiou Saddam Hussein (sim, aquele Saddam Hussein) contra seu próprio país. O grupo cultista perdeu a maior parte de seu apoio popular quando travou guerra contra seu próprio povo. Eles saíram da lista de terrorismo dos Estados Unidos apenas por meio de lobby pesado. É improvável que cheguem ao poder no Irã, exceto em tanques dos Estados Unidos.

Tal guerra não seria moleza. É claro que Washington venceria qualquer conflito convencional, mas o resultado provavelmente seria muito mais sangrento do que o Iraque. O Irã tem uma economia maior, uma população maior e mais sofisticada, e um apoio mais bem organizado ao seu regime. É um país real, com uma civilização (Pérsia) que remonta a milhares de anos. Mesmo aqueles que são amigáveis ​​aos Estados Unidos dificilmente aceitarão a guerra contra si mesmos.

Uma guerra contra o Irã provavelmente interromperia o comércio global de petróleo, no mínimo criando incertezas e elevando os preços do petróleo e as taxas de seguro. Além disso, Teerã também poderia abrir frentes adicionais – contra Israel e os potencialmente frágeis reinos do Golfo, por exemplo. Muitos, se não a maioria dos iraquianos xiitas, provavelmente favoreceriam seus correligionários contra seus antigos ocupantes.

Em vez de ameaçar a guerra em nome da realeza saudita e exigir a rendição de fato do Irã, o presidente deveria basear-se no acordo nuclear, que interrompeu o movimento iraniano em direção às armas atômicas. O crescente contato iraniano com o resto do mundo também aumentaria o conflito político interno do país, destacando as oportunidades disponíveis pelo engajamento pacífico.

O governo Obama tinha a estratégia certa, mas subestimou o desafio: autoritários poderosos nunca se renderam facilmente. No entanto, a transformação é mais provável quando Washington deixa de dar desculpas ao regime islâmico para a repressão. A paz e a estabilidade na região são mais prováveis ​​se os Estados Unidos reduzirem suas ameaças militares e se libertarem do controle de Riad.

De fato, virtualmente, toda intervenção americana na região criou um violento e claro desastre: entrando na guerra civil do Líbano, apoiando até governos extremistas israelenses, vendendo política externa dos Estados Unidos para a realeza da Arábia Saudita, invadindo o Iraque, explodindo a Líbia, alimentando a guerra civil síria, apoiando a autocracia no Bahrein e no Egito, ajudando a agressão de Riad contra o Iêmen.

O maior erro do governo hoje pode ser ungir a Arábia Saudita como possível hegemon regional, o que permitiria ao príncipe herdeiro saudita promover suas ambições irresponsáveis, com pouca consideração pelos interesses de Washington – como o xá do Irã promoveu suas ambições imperiais enquanto apoiado pelos Estados Unidos.

O Irã é um exemplo dramático dos custos da intervenção americana arrogante e imprudente. Washington e o povo iraniano continuam a pagar um alto preço por loucuras passadas dos Estados Unidos.

É hora de Trump finalmente se afastar da bagunça que seus antecessores criaram.

 

Doug Bandow é membro sênior do Instituto Cato. Ex-assistente especial do presidente Ronald Reagan, é autor de “Foreign Follies: America’s New Global Empire”.

 

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em http://www.theamericanconservative.com/articles/trumps-iran-regime-change-fantasies/

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