Por que Trump não pode abdicar das tarifas
Porque suas outras promessas populistas foram quebradas, ele tem de manter esta.
por Ross Douthat
Traduzido do The New York Times*
Com a possível exceção de seu pas de deux com Vladimir Putin, nada sobre a presidência de Trump inspira tanta resistência pública de seus colegas republicanos quanto o entusiasmo do presidente por tarifas e guerras comerciais.
Essa resistência não vai muito longe, assumindo a forma de resoluções não obrigatórias, broncas e suspiros de alívio quando, como fez esta semana com a União Europeia, Trump opta temporariamente por “face a face do que por guerra a guerra”. Mas para um partido tão devoto a seu líder, qualquer coisa que faça os senadores conservadores acusar seu presidente de comandar “um tipo de economia soviética” (como disse Ron Johnson, de Wisconsin, nesta semana, atacando o socorro do presidente aos agricultores prejudicados pelas tarifas) vale como uma fissura dramática na fachada da unidade MAGA.
O argumento dos críticos é baseado em princípios – sua visão de conservadorismo tem o livre comércio como um de seus pilares – mas também é prático. A gestão de Trump sobre a economia bateu 50 por cento de apoio na última pesquisa do Wall Street Journal; sua manipulação do comércio é mal vista na mesma pesquisa. Sua presidência, impopular em tantos aspectos, flutua em empregos e crescimento econômico, e guerras comerciais podem ser ruins para ambos. Então, por que não abandonar o mercantilismo e aproveitar os bons tempos?
A resposta chega ao dilema do establishment republicano na época de Trump. Os senadores do partido, geralmente, têm uma melhor compreensão dos fatos do que o ocupante da Casa Branca, mas o presidente, geralmente, tem uma melhor compreensão da política. E a verdade política é que Trump provavelmente precisa de suas tarifas, precisa de sua guerra comercial para ter alguma chance de reeleição – precisamente porque é a única questão econômica remanescente na qual ele ainda se mantém preso às suas promessas de campanha e não se submeteu simplesmente às prioridades dos republicanos.
Essas promessas de campanha, como todos sabem, em geral, eram mais populistas do que a agenda oficial do Partido Republicano: Trump prometeu cortes de impostos para a classe média e uma generosa alternativa de Obamacare, armou até os dentes os reformistas dos direitos sociais, discutiu gastos em infraestrutura, e protestou com fôlego total contra todos os acordos de livre comércio. A marca populista era crucial para a barganha eleitoral, que cedeu uma parte dos suburbanos pró-business aos democratas, mas colheu um grupo crucial de ex-eleitores de Obama, uma maioria branca e da classe trabalhadora, concentrada nos estados do Cinturão da Ferrugem (Rust Belt) e do Meio-Oeste, que no final deram a presidência a Trump.
Essa foi a história de 2016; a história, desde então, porém, é de reversão para a velha ordem política. Porque Trump governou, acima de tudo, como um republicano convencional, um certo tipo de republicano convencional retornou à casa com ele, mantendo apoio estável nos estados onde a chapa Romney-Ryan ganhou facilmente em 2012. Mas pela mesma razão – porque o plano de infraestrutura nunca se materializou, o corte de impostos foi um enorme favor para os interesses corporativos e a tentativa de repúdio e substituição dos serviços de saúde foi um fracasso infundado – os eleitores indecisos que ele precisa manter no Centro-Oeste estão se distanciando agora.
E porque Trump afasta naturalmente as mulheres e não pode fazer um gesto de evangelismo para os negros ou hispânicos, sem estragar tudo com intolerância no dia seguinte, ele realmente não tem outro caminho de volta para a Casa Branca se os eleitores Obama-Trump em Michigan, Pensilvânia e Ohio decidirem pelos democratas ou ficarem em casa. Certamente, os republicanos que o criticam no comércio não o oferecem esse caminho: a visão geral deles é a mesma ortodoxia batida do Partido Republicano, derrotada em 2008 e 2012, e que o próprio Trump esmagou na última campanha primária.
Portanto, o fato de as tarifas de Trump serem, em geral, impopulares, mesmo nos estados do Meio-Oeste, não importa tanto politicamente quanto seu potencial apelo à pequena fatia de eleitores indecisos do qual ele precisa para ser reeleito. E, por enquanto, seu custo potencial pode ser engolido pelo crescimento econômico geral ou tratado por meio de pagamentos cínicos; se o próprio crescimento econômico geral desaparecer, bem, nesse caso, Trump não será reeleito mesmo.
Se você espera que isso leve a uma boa política, não está prestando atenção em como essa Casa Branca opera. Mas o fato de Trump ter esse incentivo especial para se concentrar nas vítimas do livre comércio no Meio-Oeste não é, em si, uma coisa ruim. Um dos argumentos mais fortes para o elemento contra majoritário no Colégio Eleitoral é que ele dá um ponto de alavancagem para as populações regionais que sofreram particularmente nas mãos de um consenso bipartidário exagerado. E o consenso bipartidário sobre o comércio com a China precisa mesmo de uma atualização, já que os custos domésticos foram mais altos e os benefícios geopolíticos mais mirrados do que a classe de especialistas previu 20 anos atrás.
Os republicanos do livre comércio têm todo o direito de rejeitar a alternativa trumpiana para esse consenso. Mas suas reclamações seriam mais fáceis de serem absorvidas se não tivessem desencorajado Trump de qualquer outra tentativa de cumprir suas promessas populistas. Ele sabe melhor do que eles como foi eleito; se o protecionismo é a única promessa que ele pode cumprir, não é de se surpreender que o mantenha.
Ross Douthat entrou para o The Times como colunista de opinião em abril de 2009. Sua coluna aparece toda quarta-feira e domingo. Ele também é crítico de cinema da National Review e autor de vários livros. @DouthatNYT
Tradução por Solange Reis
*Artigo originalmente publicado em 28/07/2016, em https://www.nytimes.com/2018/07/28/opinion/sunday/trump-tariffs.html