A Tragédia dos Neoconservadores
É a dissonância cognitiva, idiota!
por Leon Hadar
Traduzido do The Spectator*
Existem dois problemas políticos com os quais você pode contar para dar um terreno comum aos “Never Trumpers” republicanos. Além, é claro, da aversão quase patológica pelo homem que ocupa a Casa Branca, são eles o apoio ao forte relacionamento entre os Estados Unidos e Israel – e um péssimo caso de russofobia.
De fato, se você preparasse uma lista de “Never Trumpers”, provavelmente acabaria com uma seleção atualizada de neoconservadores proeminentes que subscrevem esses dois dogmas da política externa.
É verdade que, ocasionalmente, o rótulo de neoconservador tem sido maltratado por anti-semitas que depreciam figuras judaicas americanas que, por acaso, apoiam Israel. Mas seguindo o manual de Ciências Sociais de Max Weber para a construção do abstrato, ele se qualifica como um “tipo ideal”, a fim de descrever um bando conhecido de pensadores de think tanks, analistas da mídia e especialistas em política em Washington.
Ou para parafrasear a tentativa do juiz Potter Stewart de explicar o que era pornografia “hardcore”, reconhecemos um neoconservador, ou um “neocon”, quando o vemos. Eles estão sempre prontos para defender o Estado judeu contra seus críticos em casa e no exterior, enquanto retratam Moscou como a sede mundial do antiamericanismo.
Durante a Guerra Fria, os neoconservadores de primeira geração (PG) e seu padrinho intelectual, o falecido Irving Kristol, pareciam concordar que Washington não era forte o suficiente em relação à União Soviética e não era amigável o suficiente em relação a Israel. Eles acreditavam que os Estados Unidos satisfaziam aos soviéticos e árabes anti-americanos.
No rescaldo da Guerra Fria, neocons de segunda geração (SG), liderados pelo filho de Kristol, Bill, reciclaram os mesmos temas, argumentando que Washington não era forte o suficiente para a Rússia de Vladimir Putin ou amigável o suficiente para Israel de Benjamin Netanyahu. Washington favorecia aos nacionalistas russos, e os árabes e islamistas anti-ocidentais.
Os neoconservadores da PG, que incluíam gigantes intelectuais como Daniel Bell, Nathan Glaser, Daniel Patrick Moynihan e Jeane Kirkpatrick, ajudaram a moldar o debate sobre política externa durante a Guerra Fria, promovendo a agenda da Realpolitik, pressionando presidentes a adotar uma posição dura em relação a Moscou, e a proteger Israel contra os radicais árabes que eram vistos como aliados da União Soviética.
Mas depois, os neoconservadores da SG, formados principalmente por Washington, operadores e panfletários intelectualmente leves, como Max Boot, David Frum, Elliott Cohen, Bret Stephens e Charles Krauthammer, começaram a promover um programa de política externa idealista e quase messiânico. Eles argumentavam que os Estados Unidos precisavam estabelecer um domínio geo-estratégico e exportar suas ideias democráticas liberais para os quatro cantos do mundo – uma Pax América, que permitiria a contínua marginalização da antiga União Soviética e o fornecimento de segurança para o Estado judeu no Oriente Médio.
E dos seus cargos bem pagos e seguros no American Enterprise Institute (AEI), em revistas como The Weekly Standard, e no escritório do ex-vice-presidente Dick Cheney, esses intelectuais de política externa serviram como a força motriz da excursão do presidente George W. Bush na terra da fantasia da política externa. O sonho foi libertar o Iraque e transformá-lo, e os outros países do Grande Oriente Médio, em prósperas democracias liberais, seguido por uma campanha global de apoio à Agenda da Liberdade no Exterior Próximo da Rússia.
Esqueça a sabedoria convencional de que Trump está executando uma política externa “antiglobalização”. Em vez disso, se você tentar desconstruir seus comentários inconscientes sobre os assuntos do mundo e apresentar a Doutrina Trump, basta saber que ela é a imagem espelhada da Doutrina Neoconservadora.
Se os neocons querem refazer o Oriente Médio, Trump quer tirar os Estados Unidos de lá, preferencialmente, o mais rápido possível. Eles apoiaram a mudança de regime e a promoção da democracia, aqui, ali e em toda parte. O atual ocupante da Casa Branca está disposto a cooperar e fazer acordos com os déspotas do mundo. Os neoconservadores consideram o Putin da Rússia como a Encarnação do Mal. Donald parece tratar Vlad como seu melhor amigo.
Dessa forma, ao contrário da maioria dos republicanos antes de se anunciar como candidatos à presidência, Trump não convidou Kristol a reunir neocons e se juntar a ele na Trump Tower, em Manhattan, no final de 2015, para pedir que eles servissem como cérebros de confiança de sua política externa. Na verdade, ele criticou tudo o que eles defendiam e insistiu que nenhum membro do “establishment da política externa” de Washington, ou seja, aqueles que trabalhavam para Bush, e que foram responsáveis pela Guerra do Iraque, serviria em seu governo.
Também não era de surpreender que esses mesmos profissionais neoconservadores de política externa deixassem claro que nunca, nunca apoiariam Trump como candidato à presidência, e que nunca, nunca trabalhariam para ele.
Mas o desprezo, no entanto, foi um gesto patético, uma vez que Trump insistiu que nunca os contrataria.
E foi uma ironia que as mesmas pessoas que previram que a Guerra do Iraque se tornaria uma grande vitória estratégica também estivessem tão confiantes de que Trump nunca se tornaria o candidato presidencial republicano. O próximo presidente? Não nos faça rir! Nossa aposta é no governador Jeb Bush ou no senador Marco Rubio.
E foi certamente uma ironia que Kristol e companhia limitada tenham feito campanha para que o senador republicano John McCain escolhesse Sarah Palin como sua companheira de chapa em 2008, mas tenham batido implacavelmente em Trump – que comparado à ex-governadora do Alasca é um homem da Renascença e a personificação de virtudes cosmopolitas refinadas – por seu comportamento grosseiro e habilidades intelectuais medíocres, sem mencionar sua agenda populista e nacionalista.
Faz sentido que os “Never Trumpers” liderem a acusação contra Trump sobre as alegações de seu chamado “conluio” com a Rússia, descrevendo o presidente como o chefe de uma célula adormecida operando na Casa Branca, esperando por ordens de seu manipulador no Kremlin. E você sabe de quem se trata.
No entanto, numa questão, Trump soa, às vezes, mais neoconservador do que os neoconservadores: o apoio americano a Israel. De fato, o presidente, um nova-iorquino cujo genro foi um judeu ortodoxo e um sionista com laços estreitos com o israelense Benjamin Netanyahu, favorito da multidão neoconservadora, acabou por ser um dos presidentes americanos mais pró-israelenses.
Não muito tempo atrás, muitos dos atuais “Never Trumpers” condenavam a desimportância que o ex-presidente Barack Obama dava a Israel de Netanyahu. Eles também pediam a revogação do acordo nuclear com o Irã e a adoção de uma posição dura dos Estados Unidos contra a República Islâmica do Irã.
E enquanto muitos deles apoiam a mudança da embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém, nem mesmo o mais ardente neocon teria concebido isso acontecendo sob qualquer presidente americano. Mas aconteceu sob um presidente que alguns deles compararam a Hitler.
Quando se trata de Israel e do Oriente Médio, há um elemento que parece se encaixar na narrativa neoconservadora. Principalmente que o malvado Putin vinha dando apoio ao brutal ditador sírio, Bashar al-Assad, que, por sua vez, era aliado dos aiatolás no Irã – Damasco e Irã, os inimigos implacáveis de Israel – e que Trump não fazia nada a esse respeito. O presidente estaria até disposto a fazer um acordo com Putin sobre a Síria, sugerindo que ser um “Never Trumper”, além de demonizar Putin, além de apoiar Israel, cria uma equação consistente.
Funcionou até a semana passada, quando até mesmo o mais inteligente dos “Never Trumper” não conseguiu resolver uma dolorosa dissonância cognitiva. Netanyahu e Putin se encontraram em Moscou e fecharam um acordo no qual qual Israel se absteria de tomar medidas para desafiar o controle de Assad sobre a Síria – rompendo com o dogma neoconservador de que “Assad deve sair” – em troca de promessas russas de pôr fim à presença das Forças Armadas iranianas presença na fronteira sírio-israelense.
O pano de fundo é que Israel concordaria em transformar a Síria em um protetorado militar da Rússia de Putin. Este é um resultado que o presidente Trump provavelmente apoiará, demonstrando que Washington e Jerusalém, assim como Moscou, priorizam seus interesses de segurança nacional sobre qualquer aspiração de fazer mudanças de regime na Síria, para exportar a democracia para aquele país.
Não há dúvida de que esse desenvolvimento pode ser traumático para alguns neoconservadores. Um dos amigos do Capitólio, o senador Lindsey Graham, da Carolina do Sul, pediu a Netanyahu que não fizesse um acordo com Putin sobre a Síria, tuitando algumas horas antes de aquilo ter sido feito: “Para nossos amigos em Israel – tenham muito cuidado em fazer acordos com a Rússia e a Síria que afetem os interesses dos Estados Unidos”.
Mas honestamente, quando se trata de sua segurança nacional, por que Israel – ou, aliás, a Casa Branca – aceita conselhos de um grupo de pessoas cujas políticas – expulsar Saddam Hussein do poder e espalhar a democracia no Oriente Médio – ajudaram a fortalecer o poder do Irã e de seus satélites xiitas? Quem desestabilizou a região e criou as condições para a ascensão do Estado Islâmico? Com amigos assim, quem precisa de inimigos?
Traduzido por Solange Reis
*Artigo originalmente publicado em 20/07/2018, em https://spectator.us/2018/07/the-tragedy-of-the-neocons/