O plano de “infraestrutura” de Trump
Impulsionar o Pentágono
por William Hartung
Traduzido do TomDispatch*
Além de esbravejar para a construção de um muro na fronteira dos Estados Unidos com o México, uma das promessas mais frequentemente proclamadas por Donald Trump na campanha de 2016 foi o lançamento de um plano de meio trilhão de dólares para reparar a infraestrutura decadente (empregando grande número de trabalhadores nesse processo). Após dezoito meses de governo, nenhuma proposta crível chegou perto disso. Se existe algum plano de investimento público no governo Trump é em aumento de gastos do Pentágono, não em estradas, pontes, transporte, melhor acesso à Internet ou outras necessidades prementes da economia civil.
Não que o presidente Trump não tenha falado sobre investimento em infraestrutura. Em fevereiro passado, até propôs um esquema que, segundo ele, aumentaria a infraestrutura do país com US$ 1,5 trilhão em gastos na próxima década. Com a característica dose de hipérbole, Trump descreveu o plano como “o maior e mais ousado investimento em infraestrutura da história norte-americana”.
Analistas da Wharton School, da Universidade da Pensilvânia – a alma mater de Trump – discordam. Eles observam que o plano realmente envolve apenas US$ 200 bilhões em investimentos federais diretos, menos de um sétimo do total prometido. De acordo com os especialistas da Wharton, grande parte dos gastos extras, supostamente alavancados do setor privado, bem como dos governos estaduais e locais, nunca vão se concretizar. Além disso, se o tal plano fosse lançado, eles acham que ficaria aquém da meta de um trilhão de dólares. No final, os níveis de gastos propostos por Trump teriam “pouco ou nenhum impacto” no produto interno bruto do país. Para piorar a situação, o presidente não se esforçou ao máximo para conseguir uma proposta anêmica no Congresso, onde o projeto morreu na praia.
Há, no entanto, uma área de investimento federal na qual Trump e o Congresso trabalharam extraordinariamente, em unanimidade notável, para aumentar os gastos: o Pentágono, que deve receber mais de US$ 6 trilhões na próxima década. Somente este ano, os aumentos elevarão os gastos totais com o Pentágono e agências relacionadas (como o Departamento de Energia, onde é feito o trabalho com ogivas nucleares) para US$ 716 bilhões. US$ 6 trilhões e 10 anos representam mais de 30 vezes os gastos diretos do plano de infraestrutura de US$ 200 bilhões do presidente.
Na realidade, os gastos do Pentágono são o substituto do governo Trump para um verdadeiro programa de infraestrutura e garantem investimentos públicos, mas negligenciam praticamente todas as áreas de maior necessidade civil, desde estradas até instalações de tratamento de água.
A política industrial secreta do Pentágono
Uma razão pela qual o governo Trump escolheu injetar dinheiro no Pentágono é que esse é o caminho de menor resistência política em Washington. Uma combinação de medo, ideologia e tráfico de influências distorce radicalmente o “debate” em favor de gastos militares acima de tudo. O medo – seja do terrorismo, da Rússia, da China, do Irã ou da Coreia do Norte – fornece o pilar de apoio para o habitual excesso de recursos do Pentágono e do restante aparato de segurança nacional (que tiveram juntos um trilhão de dólares nestes anos). Além disso, é consensual em Washington que ser rotulado de “brando em defesa” equivalente a suicídio político, particularmente para os democratas. Acrescente a isso os milhões de dólares gastos pela indústria de armas em lobby e contribuições de campanha, sua prática rotineira de contratar ex-funcionários do Pentágono e militares, e a forma estratégica de abrir empregos relacionados à defesa em estados e distritos cruciais, e será fácil entender como o presidente e o Congresso poderiam recorrer ao gasto com armas como a base para uma política industrial encoberta.
O plano Trump se baseia no papel já proeminente do Pentágono na economia. Até agora, é o maior proprietário de terras do país, o maior consumidor institucional de combustíveis fósseis, a fonte mais significativa de fundos para pesquisa e desenvolvimento avançados do governo e um grande investidor no setor manufatureiro. No entanto, expandir o papel econômico do Pentágono é a maneira menos eficiente de impulsionar empregos, inovação e crescimento econômico.
Infelizmente, não há um lobby organizado ou uma lógica bipartidária para o financiamento doméstico que chegue perto de igualar as alavancas de influência do Pentágono e da indústria de armas. Isso só aumenta a dificuldade do Congresso quando se trata de investir em infraestrutura, energia limpa, educação ou outros caminhos diretos para aumentar o emprego e o crescimento econômico.
O ex-congressista Barney Frank certa vez rotulou a tendência de usar o Pentágono como a principal ferramenta econômica do governo: “keynesianismo armado”, segundo a teoria do economista John Maynard Keynes, de que os gastos do governo devem captar a folga do investimento quando os gastos do setor privado são insuficientes para sustentar o pleno emprego. Atualmente, é claro, a taxa oficial de desemprego é baixa para os padrões históricos. No entanto, os principais distritos eleitorais e localidades, incluindo o Centro-Oeste industrial, áreas rurais e urbanas com número significativo de trabalhadores negros e hispânicos, foram deixados bastante para trás. Além disso, milhões de “trabalhadores desencorajados” – que querem um emprego, mas desistiram ativamente de procurar – não são sequer contados nos números oficiais do desemprego, o crescimento salarial está estagnado há anos e a desigualdade entre o 1% e o resto dos Estados Unidos remonta à Era Dourada.
Essa angústia econômica foi crucial para a ascensão de Donald Trump ao poder. Naturalmente, na campanha de 2016, ele denunciou incessantemente acordos comerciais injustos, imigrantes e fuga corporativa como fatores-chave da situação de parte significativa de sua base política: trabalhadores industriais deslocados e socialmente declinantes (ou os que temiam esse destino).
A diferença do trunfo
Embora insuficiente, o aumento na fabricação e na construção de artefatos de defesa pode ajudar áreas onde o emprego na indústria civil tem ficado para trás. Mesmo expandindo, no entanto, os gastos com defesa passaram a desempenhar um papel cada vez menor na economia dos Estados Unidos, caindo de 8% a 10% do PIB, nas décadas de 1950 e 1960, para menos de 4% hoje. Ainda assim, continua a ser crucial para a base econômica em locais dependentes do setor, como o sul da Califórnia, Connecticut, Geórgia, Massachusetts, Michigan, Missouri, Ohio, Pensilvânia, Texas, Virgínia e Washington. Esses lugares, por sua vez, desempenham um papel político descomunal em Washington, porque seus representantes no Congresso tendem a se agrupar nos comitês das Forças Armadas, de dotações de gastos com defesa e em outros comitês-chave, e por causa de sua importância no mapa eleitoral.
Um aguardado estudo de Trump sobre a “base industrial de defesa” deve ser considerado uma dica de que o presidente e seus principais funcionários veem os gastos do Pentágono como o caminho para a economia preparar a bomba. Para começar, o estudo foi supervisionado não por um oficial de defesa, mas pelo czar de economia e comércio do presidente, Peter Navarro, cujo título formal é diretor de comércio e política industrial da Casa Branca. O objetivo principal do estudo é encontrar uma maneira de fortalecer as empresas de defesa de menor porte que subcontratam gigantes como a Boeing, Raytheon e Lockheed Martin.
Embora Trump tenha divulgado o estudo, encomendado em maio de 2017, como uma forma de “reconstruir” os militares americanos, os motivos econômicos foram claramente um fator crucial. Navarro normalmente citava a importância de uma “economia saudável e crescente e uma base industrial resiliente”, identificando os gastos com armas como um elemento-chave para atingir tais metas. O CEO da Associação das Indústrias Aeroespaciais, um dos mais poderosos grupos de defesa do lobby, ressaltou o argumento de Navarro quando, em julho de 2017, insistiu que “as contribuições de nossa indústria para a segurança nacional e o bem-estar econômico dos Estados Unidos não podem ser subestimadas”. (Ele não explicou como uma indústria que absorve mais de US$ 300 bilhões por ano em contratos com o Pentágono poderia ser “subestimada”).
A política da base industrial em defesa de Trump segue de perto as propostas apresentadas por Daniel Goure, do Instituto Lexington, financiado por militares contratados, em um artigo de dezembro de 2016 intitulado “Como Trump pode investir em infraestrutura e tornar os Estados Unidos grandes novamente”. Trump deveria fazer investimentos militares – tipo construir estaleiros navais e fábricas de munição – uma parte de seu plano de infraestrutura. Ao fazer isso, destacou a essência do caso da indústria de armas em relação aos efeitos salutares dos gastos com defesa na economia:
“Toda atividade militar importante, seja a produção de um novo sistema de armas, a manutenção de um sistema existente ou o apoio às tropas, está embutida numa rede de atividades econômicas e apoia uma série de negócios. Estes incluem não apenas grandes empreiteiros de defesa, como a Lockheed Martin, a Boeing, a General Dynamics e a Raytheon, mas também uma série de empresas de nível intermediário e até mesmo familiares. O dinheiro gasto no topo circula na economia. A maior parte não é gasta em itens de defesa exclusivos, mas em produtos e serviços que também possuem mercados comerciais. ”
Contudo, o que a análise de Goure negligencia não é apenas que todo investimento governamental estimula múltiplos setores da economia, mas que quaisquer outros teriam efeito-cascata maior sobre emprego e crescimento econômico do que os gastos militares. Subscrito pela indústria de defesa, sua análise é mais um exemplo de como o lobby de armas distorceu a política econômica e o debate neste país.
Parece que não há nada nos dias de hoje
Hoje em dia, parece que não há nada em que os militares não se envolvam. Outro exemplo é o conjunto recente de gastos de “segurança”, no que já se tornou um negócio de bilhões de dólares: construindo e mantendo centros de detenção para crianças, principalmente menores desacompanhados da América Central, presos na brutal repressão de segurança do governo Trump na fronteira EUA-México. Uma empresa, a Southwest Key, já recebeu um contrato do governo de US$ 955 milhões para trabalhar nessas instalações. Entre outros beneficiários está o grande empreiteiro de defesa, General Dynamics, normalmente conhecido por fabricar tanques, submarinos de disparo de mísseis balísticos e similares, e não por qualificações normalmente ideais para cuidar de crianças.
Por último, mas não menos importante, o Presidente Trump trabalhou extraordinariamente para promover a venda de armas dos Estados Unidos como um programa de empregos. Numa reunião na Casa Branca com o príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, em maio de 2018 (com a presença de repórteres), ele brandiu um mapa mostrando onde exatamente se localizavam os empregos americanos criados com a venda de armas para a Arábia Saudita. Não por acaso, muitos deles ficavam em estados como Pensilvânia, Michigan, Ohio e Flórida, que lhe proporcionaram margem de vitória nas eleições de 2016. Trump já tinha falado sobre acordos sauditas como fonte de “empregos, empregos, empregos” durante sua visita a Riad, capital saudita, em maio de 2017. Em outra ocasião, contra todas as evidências, afirmou que os acordos de armas e outros equipamentos com o regime saudita poderiam criar “milhões de empregos”.
A decisão do governo Trump de, descaradamente, colocar postos de trabalho e benefícios econômicos para as corporações norte-americanas acima das considerações de direitos humanos e preocupações estratégicas provavelmente terá consequências desastrosas. As vendas contínuas de bombas e outras armas para a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, por exemplo, permitem que esses países continuem fazendo uma guerra brutal no Iêmen, que já matou milhares de civis e colocou milhões em risco de morte por fome e doenças. Além de ser moralmente repreensível, tal abordagem poderia transformar em inimigos um número incalculável de iemenitas e de outros nacionalidades em todo o Oriente Médio – um alto preço a pagar por alguns milhares de empregos no setor de armas.
Gasto do Pentágono versus plano real de infraestrutura
Embora os gastos do Pentágono no governo do Pentágono tragam novos recursos para a economia, é com certeza uma maneira equivocada de estimular o crescimento econômico. Como a economista Heidi Garrett-Peltier, da Universidade de Massachusetts, demonstrou, quando se trata de criar empregos, os gastos militares ficam muito aquém do investimento em infraestrutura civil, energia limpa, assistência médica ou educação. Não obstante, a administração avança a todo vapor no seu planejamento militar.
Além disso, a abordagem de Trump se mostrará inútil quando se tratar de resolver os problemas do aumento rápido da infraestrutura doente do país. Os US$ 683 bilhões que a administração propõe colocar nos gastos do Pentágono nos próximos 10 anos não são nada comparáveis aos trilhões de dólares que a Sociedade Americana de Engenheiros Civis diz serem necessários para modernizar a infraestrutura dos Estados Unidos. E nem todo o aumento de gastos com o Pentágono será direcionado para atividades de construção ou manufatura (para não falar de necessidades básicas de infraestrutura, como estradas e pontes). Por exemplo, uma fatia significativa será dedicada ao pagamento de salários nos quadros civil e militar, ou com assistência médica e outros benefícios.
No estudo, os engenheiros civis sugerem que a falta de engajamento num grande programa de infraestrutura poderia custar à economia US$ 4 trilhões e 2,5 milhões de empregos até 2025, coisa que nenhuma injeção de estímulo do Pentágono poderia compensar. Em outras palavras, usar o Pentágono como principal canal de investimento público dos Estados Unidos será uma abordagem lamentável quando se trata da saúde da sociedade em geral.
Uma época em que os gastos do governo estimularam diretamente o aumento do crescimento, o desenvolvimento de infraestrutura e a criação de empregos bem remunerados foi a década de 1950, período sobre o qual Donald Trump é visivelmente nostálgico. Para ele, aqueles anos foram evidentemente os últimos em que a América foi verdadeiramente “grande”. Muitas coisas estavam profundamente erradas com o país nos anos 50 – do racismo desenfreado, sexismo e negação dos direitos humanos básicos à caça às bruxas macartista. Mas, no campo econômico, o governo de fato desempenhou um papel positivo.
Naqueles anos, o investimento público foi muito além dos gastos do Pentágono, que o presidente Dwight Eisenhower (famoso pelo “complexo militar-industrial”) na verdade tentou refrear. Foram os investimentos civis – da Lei GI (Lei de Reajustamento de Veteranos de 1944), para aumentar os incentivos à construção de moradias relacionadas ao desenvolvimento de um sistema rodoviário interestadual – que contribuiu de forma crucial para o boom econômico daquela época. Quaisquer que sejam os fracassos e desvantagens, incluindo a maneira como os afro-americanos e outras minorias foram grosseiramente subrepresentadas quando se tratava de compartilhar os benefícios, a estratégia de investimento de Eisenhower realmente impulsionou a economia geral de uma maneira que o plano Trump nunca fará.
A ideia de que o Pentágono pode desempenhar um papel primordial na promoção do emprego em qualquer grau significativo é, em grande parte, um mito que atende às necessidades do complexo militar-industrial, e não aos trabalhadores americanos ou à base de Donald Trump. Até que o imbróglio político em Washington que impede grandes investimentos civis de grande escala seja quebrado, o Pentágono continuará a parecer a única aposta. E todos nós pagaremos um preço por essas prioridades distorcidas, tanto em sangue quanto em tesouro.
William D. Hartung, colaborador regular do TomDispatch, é diretor do Projeto de Armas e Segurança do Center for International Policy e autor de “Prophets of War: Lockheed Martin and the Making of the Military-Industrial Complex”.
Tradução por Solange Reis
*Artigo originalmente publicado em 01/07/2018, em http://www.tomdispatch.com/blog/176443/