Visita de Mike Pence ao Brasil discute agendas bilateral e regional
por Angelo Raphael Mattos*
Em visita ao Brasil no dia 26 de junho, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, pediu ao governo brasileiro que pressionasse em favor do restabelecimento da democracia na Venezuela. Para Pence, a situação caótica em que se encontra o país governado por Nicolás Maduro configura ameaça à estabilidade de toda a região. O ministro das relações exteriores do Brasil, Aloysio Nunes, salientou, no entanto, que o Brasil não adota medidas unilaterais em casos como esse, e que a situação venezuelana já está sendo discutida no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA). Vale lembrar que o Brasil também discute a crise da Venezuela por meio do Grupo de Lima, composto por 17 países do hemisfério americano, e em conversas bilaterais com Estados da região.
Outros assuntos também importantes da agenda externa comum foram discutidos, como a separação de menores migrantes de seus pais e responsáveis, e a cooperação entre Brasil e EUA para os usos pacíficos do espaço exterior, o que retoma as discussões em torno do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas para uso da base de Alcântara, no Maranhão, para lançamento de foguetes. Uma tentativa anterior de negociação em torno dessa área remete ao período do governo Fernando Henrique Cardoso, em que o acordo não ganhou envergadura no Congresso Nacional após discussões sobre o texto na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados (CREDN) em 2001. Na ocasião, o então ministro da defesa, Geraldo Quintão, chamou atenção dos parlamentares para uma análise cuidadosa dos dispositivos do tratado. Segundo ele, era preciso verificar a natureza do instrumento, isto é, se o acordo com o EUA previa cooperação científica e tecnológica, se era um contrato comercial de aquisição de foguetes, de satélites, ou se se tratava de contrato de aluguel ou de arrendamento, ou de salvaguarda de tecnologia sensível. À época, e naqueles termos, a incerteza sobre possíveis modificações nos dispositivos do acordo, em um contexto de pouco apoio popular, resultou em engavetamento do tratado.
Nesta visita de Pence, Brasil e EUA emitiram um comunicado conjunto sobre a intenção de prosseguir com a cooperação espacial, o que, dentre outros aspectos, confere novo fôlego às tratativas para o uso da base de Alcântara. Ambos os países manifestaram apoio às atividades sobre o conhecimento do espaço exterior com fins pacíficos, bem como enfatizaram o estabelecimento do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e a retomada do Conselho Nacional do Espaço dos Estados Unidos, presidido por Mike Pence. O comunicado mencionou, ainda, a entrada em vigor, em abril deste ano, do novo Acordo-Quadro entre Brasil e EUA sobre a Cooperação dos Usos Pacíficos do Espaço Exterior. Também houve menção ao intercâmbio que existe entre a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço dos Estados Unidos (NASA, na sigla em inglês), com vistas a estudar fenômenos de parte da atmosfera que causam interferências na rede do Sistema de Posicionamento Global (GPS) e nas comunicações.
Na mesma semana, ocorreu, no Rio de Janeiro, o 3º Diálogo das Indústrias de Defesa Brasil e Estados Unidos, que reuniu por volta de 100 representantes técnicos do governo e de empresas dos dois países. Oportunidade em que se discutiu, dentre outros assuntos, o mencionado Acordo de Salvaguardas Tecnológicas de que também trataram Michel Temer e Mike Pence em Brasília. Além da capital federal, Pence passou por Manaus e não foi recebido pelo prefeito da capital amazonense. Em sua conta no Twitter, Arthur Virgílio Neto (PSDB) pediu respeito à soberania do Brasil e que Pence voltasse para casa.
Além de alguns aspectos das relações comerciais, como a mitigação da sobretaxa ao aço brasileiro – os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, ficando atrás apenas da China – outros dois pontos temas das relações hemisféricas foram destacados durante a visita do vice-presidente norte-americano. O primeiro diz respeito à crítica dos EUA ao governo Maduro. O segundo, às crianças separadas de seus pais quando da situação de deportação. Os dois assuntos, embora situados em contextos distintos, dizem respeito à violação de normas internacionais de direitos humanos. No caso norte-americano, a inobservância de importantes instrumentos internacionais de proteção a crianças e adolescentes. E no caso venezuelano, a grave crise humanitária que assola o país. Trump, após críticas domésticas e internacionais, assinou uma ordem para manter crianças juntas aos pais detidos ou em vias de deportação.
Recentemente, os EUA deixaram o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, alegando incoerência do órgão. O país também não se submete à jurisdição contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos e tampouco ratificou o Estatuto de Roma de 1998 (assinado durante a gestão Clinton, mas tendo sido retirada a assinatura durante o governo Bush) que criou o Tribunal Penal Internacional, com sede em Haia, na Holanda. Dessa forma, o país tem preferido os acordos bilaterais também em matéria de direitos humanos. Apesar da crítica ao governo de Nicolás Maduro, os EUA são o principal comprador do petróleo venezuelano, por um valor diário em torno de 32,2 milhões de dólares.
Nesse contexto, aspectos do Estado Democrático de Direito, como importantes valores compartilhados no plano internacional, são, às vezes, colocados à prova quando se observa a disparidade entre o discurso e o pragmatismo político, como é o caso da ampla discussão entre democracia e comportamento político, valores ora associados com conotação construtiva, ora vistos como conflitantes no plano da ação prática. Com efeito, ambos os cenários no âmbito dos direitos humanos nos EUA e na Venezuela, bem como em outras regiões do globo, são igualmente preocupantes e ensejam maior comprometimento doméstico e internacional na defesa da proteção do indivíduo e de populações. No caso do governo de Donald Trump, em um contexto em que seu slogan de campanha, America First, de cunho predominantemente comercial, permeia outras políticas estadunidenses, como a da migração, eventuais colisões ocorrem não apenas com normas de direito internacional previamente acordadas pelo próprio país, mas também com parceiros políticos e comerciais, que buscam outras alternativas de diálogo e de comércio, ou optam por retaliações unilaterais, como é o caso da China.
A vinda de Mike Pence ao Brasil indica, desse modo, que as relações hemisféricas podem não ser a principal preocupação presente na agenda de Washington neste momento, mas que, sem dúvida, compõem aspectos importantes dos interesses da política externa do país em diferentes áreas estratégicas na relação bilateral com Brasília, como em tecnologias sensíveis, no comércio, e na estabilidade continental. E, nesse sentido, o Brasil é importante ator no continente sul-americano.
* Doutorando e mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC-SP). Pesquisador no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), com apoio CAPES.