Trump recua na separação de famílias
por Tatiana Teixeira
Pressionado dentro e fora do país, por aliados e por adversários políticos, após imagens e gravações de áudio viralizarem nas redes sociais e estamparem jornais do mundo todo mostrando pais e filhos de imigrantes sendo separados à força, incluindo bebês, o republicano Donald Trump recuou. Um leve recuo apenas, um dia depois de uma reunião com correligionários, que temem a força das imagens e o impacto negativo dessa medida nas midterms.
Em 20 de junho, o presidente americano sancionou um decreto, proibindo a separação dessas famílias em situação ilegal no país. Não revoga, porém, a política de tolerância zero adotada em abril contra qualquer um que cruzar a fronteira dos EUA clandestinamente, nem impede que os imigrantes em situação ilegal permaneçam em centros de detenção – em muitos casos, semelhantes a jaulas. Por uma determinação judicial de 1997 (Flores v. Sessions, conhecido como “Acordo Flores”), hoje, o limite legal para manter esses menores retidos é de até 20 dias. Para evitar que sejam afastados dos pais, o governo quer mantê-los atrás das grades por tempo indeterminado, enquanto durar o processo criminal contra seus familiares. Assim como aconteceu em outras ordens executivas de Trump nessa área, há desinformação e confusão, e a expectativa é de novas batalhas judiciais, em especial contra o longo período de detenção e diante da possibilidade de mais separações familiares.
“Estamos assinando uma ordem executiva. Considero que é uma ordem executiva muito importante. É sobre manter as famílias unidas, mas, ao mesmo tempo, tendo certeza de que temos uma fronteira muito forte e poderosa”, afirmou o empresário nova-iorquino.
Ação na Justiça
Em 26 de junho, o juiz federal de San Diego Dana Sabraw determinou ao governo que reúna as famílias separadas: crianças menores de cinco anos devem voltar para seus pais em 14 dias, e as demais, em até um mês. Ainda não está claro como isso será feito. Na decisão, o juiz criticou que o governo tenha adotado essa política sem um “planejamento adequado” e diante de um sistema incapaz de acompanhar o destino desses menores. Com poucas exceções e somente em casos específicos, a ordem de Sabraw proíbe novas separações familiares, assim como a deportação de pais que tenham sido afastados de seus filhos. Para o vice-diretor do Projeto Direitos dos Imigrantes da organização American Civil Liberties Union (ACLU), Lee Gelernt, “essa decisão é uma enorme vitória para os pais e filhos que pensaram que nunca mais iam ver um ao outro”.
A decisão de Sabraw foi tomada em resposta a uma ação da ACLU em fevereiro contra a separação de mãe e filha da República Democrática do Congo, durante a consideração de seu pedido de asilo. Ambas se reencontraram em março, mas um outro caso foi incluído na ação: o de uma brasileira separada do filho adolescente, enquanto ela era processada por cruzar ilegalmente a fronteira dos EUA com o México.
Abrigos em bases militares
O decreto de Trump determina ainda que diferentes agências e órgãos do governo, entre eles o Pentágono, providenciem instalações para acolher essas famílias. Não explica, porém, como ficará a situação dos quase 2.300 menores afastados de suas famílias desde a implantação da política de “tolerância zero” do governo atual. De acordo com o secretário da Defesa, Jim Mattis, acampamentos temporários com capacidade para cerca de 20 mil imigrantes estão sendo construídos em pelo menos duas bases militares americanas para servir de apoio logístico ao Departamento de Segurança Interna.
Na Fact Sheet distribuída pela Casa Branca, e que segue o padrão incomum e peculiar adotado pela administração Trump de divulgar documentos oficiais em tom acusatório e extremamente partidário, o texto responsabiliza diretamente os congressistas democratas, que “escolheram fazer política com a crise humanitária e de segurança nacional”. Não há menção ao fato de a política de tolerância zero ter sido adotada, conforme o procurador-geral Jeff Sessions, para desencorajar novas chegadas clandestinas ao país, assim como para pressionar os congressistas a votarem uma reforma migratória extremamente securitizada e com ênfase na construção do muro na fronteira do México.
Na véspera, o discurso de Trump era outro, restritivo e binário, com o presidente alegando não ter autoridade para reverter a medida. “Na legislação atual, temos apenas duas opções de políticas para responder a essa crise em massa. Podemos ou soltar todas as famílias de imigrantes e menores ilegais que aparecem na fronteira com a América Central ou podemos prender os adultos pelo crime federal de entrada ilegal. Essas são as duas únicas opções: fronteiras totalmente abertas, ou ação penal por infração da lei”, resumiu.
Precariedade de informação
Em nota divulgada no dia 23, os Departamentos de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) e de Saúde e Serviços Humanos (DHHS) informaram que 2.053 crianças, sob custódia dessa pasta, ainda estão separadas de seus pais, detidos pelo Immigration and Customs Enforcement (ICE). Não há previsão de quando esse quadro kafkiano será revertido. Até agora, pouco mais de 500 menores teriam reencontrado suas famílias, mas não foram divulgadas informações detalhadas sobre quem, onde e quando isso aconteceu. A situação é de enorme incerteza, visto que o governo já sinalizou que pretende voltar a juntar pais e filhos apenas quando o processo sobre a deportação (ou não) dos adultos estiver concluído.
Outro agravante é a enxuta base de dados sobre essas pessoas, sem informações básicas sobre onde estão e quem são, e a falta de comunicação entre os órgãos envolvidos, expondo um sistema ineficiente, sobrecarregado e que funciona precariamente. Para a especialista em política migratória e presidente da organização Kids in Need of Defense, Wendy Young, o processo de encontrar uma criança nessas condições “é extremamente desafiador e, o que eu temo, é que, em alguns casos, seja impossível”.
Fronteira fechada contra invasores
A retórica trumpista segue em escalada. Menos de uma semana depois da sanção do decreto, o presidente voltou à carga, defendendo que os “invasores” sejam imediatamente devolvidos para seus países, sem qualquer análise processual e sem fazer distinção, por exemplo, entre demandantes de asilo e outros imigrantes em situação clandestina. “Estamos fazendo um trabalho muito melhor do que (George W.) Bush e (Barack) Obama, mas precisamos de força e segurança na Fronteira! Não podemos aceitar todas as pessoas tentando invadir nosso País. Fronteiras Fortes, Sem Crime!”, tuitou Trump, que também mantém um discurso duplo. Ao mesmo tempo em que manifestava apoio ao projeto de lei então em curso na Câmara, chegou a dizer a seus correligionários que qualquer votação agora é “perda de tempo” e que o melhor é deixar as eleições de meio de mandato passarem. Em cima da hora, chegou a convocar seus correligionários, sem resultado. O presidente conta com uma ampla vitória republicana nas urnas em novembro para manter e ampliar a maioria nas duas Casas do Congresso.
Política migratória divide eleitores
Uma pesquisa recente da rede CNN mostrou que pelo menos dois terços dos americanos se opõem à separação de famílias. De acordo com a sondagem, 58% dos republicanos apoiam a política de Trump, que conta com a rejeição de 92% dos democratas e de 68% dos independentes. Na enquete CBS News/YouGov, realizada em 21 e 22 de junho, 79% dos democratas acreditam que esses imigrantes devem ser “bem tratados, como um exemplo de gentileza”, enquanto que, para 73% dos republicanos, devem ser “punidos, como um exemplo de dureza”.
Já o Public Religion Research Institute (PRRI) aponta, em pesquisa de meados de junho, que 71% dos americanos são contra a política de separação de famílias e que os imigrantes em situação ilegal sejam tratados como criminosos, com apenas 22% apoiando essas medidas. Assim como nas sondagens descritas acima, uma maioria democrata (94%) e independente (76%) é contrária, enquanto 50% dos republicanos dizem ser favoráveis à separação familiar. Em relação aos refugiados, 59% contra 31% rejeitam uma lei que impeça sua entrada no país, com oposição de 76% dos democratas e 62% dos independentes, enquanto 52% dos republicanos concordam com uma legislação dessa natureza. Uma maioria (63% contra 31%) também se opõe à construção do muro na fronteira, com 68% dos republicanos a favor, e 89% dos democratas, contra.
Câmara rejeita projeto do GOP
No dia 27, por esmagadores 301 votos contra 121, a Câmara de Representantes rejeitou o projeto Border Security and Immigration Reform Act of 2018 sobre a questão migratória apresentado por republicanos e que tinha poucas chances de passar pelo Senado, diante da forte oposição democrata. Na semana passada, uma outra versão, proposta pela bancada linha-dura, impunha mais restrições ao processo de imigração legal e não oferecia qualquer possibilidade de cidadania aos milhares de jovens que entraram de forma clandestina e ainda crianças nos EUA, aqueles beneficiados pelo programa Deferred Action for Childhood Arrivals (DACA). Já havia sido rejeitada por um placar de 193 contra 231 votos.
Embora a versão mais recente fosse uma tentativa de apaziguar republicanos moderados e conservadores, resultado de semanas de negociação, estes últimos voltaram a rejeitar o dispositivo sobre a concessão de cidadania aos Dreamers. Alegaram, mais uma vez, que se trata de uma “anistia”. O texto também destinaria US$ 25 bilhões para a construção do muro defendido por Trump na fronteira com o México e para outras medidas de segurança, além de pôr fim ao sistema de sorteio de vistos (Visa Lottery), de dificultar os critérios para concessão de pedidos de asilo e de restringir o processo migratório baseado, sobretudo, em critérios familiares – uma das grandes queixas do governo atual. Outro ponto abordado na proposta seria o fim da separação das famílias, por meio de um dispositivo que acabaria com o Acordo de Flores e, consequentemente, com o limite de 20 dias para a detenção de menores. Pais e filhos seriam mantidos detidos juntos.
Em meio a um diálogo de surdos entre os republicanos e sem um projeto bipartidário minimamente consensual, com adesão democrata, há poucas chances de a reforma migratória avançar. Enquanto isso, os congressistas terão um recesso de dez dias na semana de 4 de Julho, sem ter resolvido a questão da separação das famílias e a detenção de menores.