Moon Jae-in e a cooperação intercoreana
por Neusa Maria P. Bojikian*
Conforme prometeu durante sua campanha eleitoral, em 2017, o presidente sul-coreano tem se esforçado para manter um engajamento, de preferência crescente, com o lado Norte visando à declaração formal para encerrar a Guerra da Coreia. Ele está tentando executar uma versão customizada da Política do Raio de Sol, assinada pelo presidente Kim Dae-jung (1998), e da Política Para Paz e Prosperidade, conduzida pelo governo Roh Moo-hyun (2003-2008), do qual, inclusive, participou. Entretanto, o sucesso de sua estratégia depende em boa medida dos resultados positivos da reaproximação entre Estados Unidos e Coreia do Norte. Se o discurso de ameaça oferecida pelo regime norte-coreano se mantiver consensual nos Estados Unidos, o que foi uma constante até a atual administração Trump e sua típica imprevisibilidade, o apoio doméstico na Coreia do Sul, essencial para que o presidente Moon possa levar adiante sua própria política de reaproximação intercoreana, poderá ser afetado e fazer prevalecer o status quo, qual seja, o temor de guerra na península.
O papel conciliador do presidente Moon e sua efetiva diplomacia cooperativa ganharam evidência depois que o presidente Trump enviou uma carta a Kim Jong Un, líder norte-coreano, no final de maio do ano corrente, comunicando o cancelamento da reunião de cúpula planejada com o líder. Na iminência de uma reversão indesejada, Moon se esforçou para facilitar a reprogramação da agenda, abrindo caminho para negociadores americanos estabelecerem os termos e condições para cúpula que viria a ocorrer em Singapura, em 12 de junho. Tudo acertado em torno de uma reunião cheia de simbolismos, o presidente Moon retirou-se de cena, cedendo todo o espaço para os dois líderes exercerem seus respectivos protagonismos, demonstrarem suas vaidades e suas jogadas territoriais. Junto com discrição e tentativa de aspirar ar de fora do ambiente que estaria ocupado por dois líderes idiossincráticos, o presidente Moon taticamente tentou despertar menos atenção pública nesse enredo confuso.
Sua ambiciosa política de engajamento para a Coreia do Norte e seu papel conciliador efetivo provocaram ainda mais as críticas entre os conservadores sul-coreanos, que estavam justamente tentando deslegitimá-lo e enfraquecer seus candidatos às eleições executivas e legislativas dos últimos dias. Para a oposição, não haveria um alinhamento conceitual sobre a desnuclearização, e a aliança entre Estados Unidos e Coreia do Sul estaria sendo negligenciada. O presidente Moon não estaria se inteirando das potenciais implicações caso fossem feitas concessões ao líder norte-coreano, particularmente sobre redução da presença militar dos Estados Unidos na Coreia do Sul ou do fim do “guarda-chuva” nuclear americano sobre a Coreia do Sul e o Japão. Hong Joon-pyo, então líder do principal partido de oposição – Liberty Korea Party (LKP), o localmente conhecido Grande Partido Nacional – indicou que seu partido percebia um viés pró-Norte por parte do presidente Moon e o governo lhe parecia pouco preocupado com a questão nuclear. Disse ainda que o presidente sul-coreano deveria se posicionar ao lado de Trump, sugerindo algo parecido com o antigo discurso de alinhados acríticos, que costumavam dizer: “o que é bom para os Estados Unidos é bom para nós.”
Com a assinatura de uma declaração conjunta pelo presidente Trump e pelo governante Kim Jong-Un, da Coreia do Norte, durante o encontro, a oposição política sul-coreana mostrou-se desolada. Editoriais de mídia e acadêmicos conservadores denunciaram o acordo, chegando a classificá-lo como “a fraude do século.” A desnuclearização teria sido deslocada da agenda, e o entendimento beneficiaria o regime norte-coreano, mantendo o Sul refém de atitudes intempestivas. O ponto de maior atrito foi a declaração de Trump suspendendo os exercícios militares da aliança entre Estados Unidos e Coreia do Sul, citando-os como “jogos de guerra caros e provocativos”. Isso alarmou o LKP, levando seu então líder a afirmar que a “segurança nacional da Coreia do Sul beirava uma crise”.
Entretanto, no contexto imediato, o discurso de oposição não logrou resultados. Conforme amplamente noticiado, nas eleições locais ocorridas no último dia 13, o LKP ganhou apenas 2 das 17 principais disputas para prefeito e governador. E nas eleições parciais realizadas no mesmo dia para preencher 12 assentos parlamentares, o partido assegurou apenas um. O Partido Democrata – também conhecido como Minjoo – ao qual o presidente Moon pertence, foi o grande vencedor, assegurando 14 assentos executivos e 11 assentos parlamentares. O prefeito de Seul, Park Won Soon, do Partido Democrata, garantiu mais um mandato, dando início ao seu terceiro e fortalecendo suas chances de disputar a presidência em 2022 e podendo substituir Moon. Não se pode afirmar que os resultados significam apoio incondicional à política de engajamento do governo Moon para a Coreia do Norte ou que são fundamentalmente reflexos do desencanto dos eleitores com as acusações de abuso de poder, que culminaram na condenação da ex-presidente Park Geun Hye e imprimiram ao LKP a marca de representante de grupos de interesses em prejuízo da sociedade em geral.
O mais seguro dizer é que as oportunidades para que se criem as condições necessárias para a implementação da política de engajamento para a Coreia do Norte aumentaram. Em maio, o parlamento sul-coreano rejeitara a Declaração de Panmunjom, acordo assinado pelo presidente Moon e por Kim Kim Jong-Un, em abril de 2018, no encontro histórico encenado na zona desmilitarizada e cujos compromissos principais são justamente manter a península coreana livre de armas nucleares e promover um regime pacífico, através de regulares reuniões trilaterais– Coreia do Norte, Coreia do Sul e Estados Unidos – ou quadrilaterais, convocando a China a se juntar ao trio, com vistas a estabelecer um “regime de paz permanente e sólido” – “guerra, nunca mais”. Na campanha para aprovação da Declaração, o presidente Moon insistia que o ato era um processo legal obrigatório, não um evento político.
Ao tornar o ato executivo em lei nacional, garante-se estabilidade ou estrutura institucional necessária para dar continuidade a iniciativas implementadas em governos anteriores, transformando o engajamento em compromisso de Estado. A mobilização do presidente Moon pode ser explicada por decisões que impactaram ações que vieram na esteira de duas cúpulas intercoreanas passadas: a cúpula de 2000, sob o governo Kim Dae-jung e a Política do Raio de Sol, e a de 2007, sob o governo Roh Moo-hyun e a Política Para Paz e Prosperidade. Durante o governo Lee Myung-bak (2008-2013), o programa de turismo para o Monte Kumgang, na Coréia do Norte, que havia sido implementado sob a política de engajamento econômico do governo Roh, em princípio acautelada pelas referidas cúpulas, foi encerrado, após um incidente marcado pela morte de um turista sul-coreano que entrara em área restrita, em 2008. Depois, no âmbito do governo seguinte, nomeadamente da ex-presidente Park Geun-hye (2013-2017), o Complexo Industrial de kaesong, uma zona de processamento externo unindo capital sul-coreano e mão de obra norte-coreana, qualificada e de baixo custo, foi fechado (2016) em meio aos exercícios militares praticados pelo regime norte-coreano, colocando fim à última e mais robusta iniciativa que traduzia a política de aproximação intercoreana.
Outra oportunidade que se abre com os resultados eleitorais envolve a desejada reversão das sanções contra a Coreia do Norte institucionalizadas nas chamadas Medidas 24 de Maio, aprovadas pelo parlamento em 2010. Tais medidas não só proíbem novos investimentos sul-coreanos em Kaesong e no Monte Kumgang, como também minam a capacidade dos projetos de atrair investidores internacionais. Essas medidas tendem a ser associadas à resposta do governo sul-coreano ao naufrágio da embarcação militar (Cheonan), que matou 46 marinheiros nacionais. Tal caráter punitivo tende a torná-las mais sensíveis politicamente e, portanto, objeto de disputas partidárias. Para o presidente Moon, que se elegeu enfatizando a integração econômica na península coreana como vetor de crescimento do país, superar tais medidas é o passo mais decisivo. Em suas contas, uma integração asiática abrangente, que poderia somar 80 milhões de consumidores e atingir renda per capita de US$30 mil, alçaria o país à elite econômica mundial, nivelando-o aos EUA, Japão, Alemanha. De acordo com suas promessas eleitorais, o Complexo Industrial de Kaesong alcançaria, ao longo de três fases, oito vezes o tamanho em que se encontra, induzindo o regime norte-coreano a adotar reformas orientadas ao mercado. Eleito, reiterou seus planos econômicos, propondo construir: uma comunidade econômica amplamente integrada; um “cinturão” de recursos energéticos na costa leste; um “cinturão” industrial e logístico na costa oeste.
Portanto, no caso de se manter tais cenários, interno e externo, a princípio oportunos, os esforços do presidente sul-coreano e de sua equipe no curso da cooperação com a Coreia do Norte tendem a gerar resultados efetivos e basais para o desenvolvimento dessa cooperação, criando as condições necessárias para reiniciar as operações dos programas econômicos colocados em prática por antecessores partidários.
* Pesquisadora do INCT-Ineu. Doutora e mestre em Relações Internacionais pelo PPGRI-Unesp-Unicamp-PUC-SP. Autora do livro Acordos comerciais internacionais: o Brasil nas negociações do setor de serviços financeiros (2009, Unesp) e Coorganizadora do livro Negociações econômicas internacionais: abordagens, atores e perspectivas desde o Brasil (2011, Unesp).