China e Rússia

A maior ameaça econômica da China

Os Estados Unidos fariam melhor se ajudassem a estabilizar a economia chinesa, ao invés de se preparar para uma guerra comercial?

por Walden Bello

Traduzido do The Nation*

A sabedoria convencional diz que a China está em ascensão e os Estados Unidos estão em declínio, que a economia da China ruge com força total e que o megaprojeto de construção de infraestrutura na Ásia Central, Sul e Sudeste da Ásia está estabelecendo a base para sua hegemonia econômica global.

Alguns questionam se as ambições de Pequim são sustentáveis. A desigualdade na China se aproxima daquela nos Estados Unidos, o que pressagia o aumento do descontentamento doméstico, enquanto os graves problemas ambientais da China podem impor limites inexoráveis ​​à sua expansão econômica.

Talvez a maior ameaça imediata à ascensão da China para a supremacia econômica, no entanto, seja o mesmo fenômeno que derrubou a economia dos Estados Unidos em 2008 – a financeirização, a canalização de recursos para a economia financeira em detrimento da economia real. De fato, há três sinais preocupantes de que a China seja o principal candidato a ser o lugar da próxima crise financeira: superaquecimento em seu setor imobiliário, uma bolsa de valores e um setor bancário paralelo em rápido crescimento.

Bolha de bens imobiliários na China

Não há dúvida de que a China já está no meio de uma bolha imobiliária. Assim como nos Estados Unidos durante a bolha hipotecária subprime, que culminou com a crise financeira global de 2007-2009, o mercado imobiliário atraiu muitos especuladores ricos e de classe média, levando a um frenesi que viu os preços dos imóveis subir acentuadamente.

Os preços dos imóveis chineses subiram nas chamadas cidades de primeiro escalão, como Pequim e Xangai, de 2015 a 2017, levando as autoridades preocupadas a tomar medidas para estourar a bolha. As principais cidades, incluindo Pequim, impuseram várias medidas: aumentaram as exigências de pagamento adiantado, restringiram as restrições às hipotecas, proibiram a revenda de imóveis por vários anos e limitaram o número de casas que as pessoas podem comprar.

Talvez a maior ameaça à ascensão da China seja o mesmo fenômeno que derrubou a economia dos Estados Unidos em 2008.

No entanto, as autoridades chinesas enfrentam um dilema. Por um lado, os trabalhadores reclamam que a bolha colocou a propriedade e o aluguel de apartamentos fora de alcance, alimentando a instabilidade social. Por outro lado, uma queda acentuada nos preços dos imóveis poderia derrubar o restante da economia chinesa e – tendo em vista o papel cada vez mais central da China como fonte de demanda internacional – o resto da economia global. O setor imobiliário da China responde por cerca de 15% do PIB e 20% da demanda nacional por empréstimos. Assim, de acordo com os especialistas bancários chineses, Andrew Sheng e Ng Chow Soon, qualquer desaceleração “afetaria negativamente as indústrias relacionadas à construção ao longo de toda a cadeia de fornecimento, incluindo aço, cimento e outros materiais de construção”.

O cassino de Xangai

A repressão financeira – manter baixas as taxas de juros dos depósitos para subsidiar a poderosa aliança chinesa de indústrias de exportação e governos nas províncias costeiras – tem sido fundamental para empurrar os investidores para a especulação imobiliária. No entanto, as incertezas crescentes nesse setor levaram muitos investidores de classe média a buscar retornos mais altos no mercado de ações mal regulado do país. O resultado lamentável: muitos chineses perderam suas fortunas com os preços das ações flutuando descontroladamente. Já em 2001, Wu Jinglian, considerado por muitos como um dos principais economistas reformistas do país, caracterizou as bolsas de Xangai e Shenzhen como “piores que um cassino”, em que os investidores inevitavelmente perderiam dinheiro a longo prazo.

No auge do mercado de Xangai, em junho de 2015, um analista da Bloomberg escreveu que “nenhum outro mercado de ações cresceu tanto em dólares em um período de 12 meses”, observando que o ganho do ano anterior foi maior do que o mercado de ações de US$ 5 trilhões do Japão.

Quando o índice de Xangai caiu 40 por cento no final daquele verão, os investidores chineses foram atingidos por enormes perdas – dívidas que ainda enfrentam hoje. Muitos perderam todas as suas economias – uma tragédia pessoal significativa (e uma iminente crise nacional) em um país com um sistema de segurança social tão pouco desenvolvido.

Os mercados acionários chineses (agora o segundo maior do mundo, segundo o The Balance, uma revista financeira online) se estabilizaram em 2017 e pareciam ter recuperado a confiança dos investidores quando foram atingidos pelo contágio da venda global de ações em fevereiro de 2018, registrando uma de suas maiores perdas desde o colapso de 2015.

Shadow banks saem das sombras

Outra fonte de instabilidade financeira é o monopólio virtual de acesso ao crédito mantido por indústrias orientadas para a exportação, empresas estatais e governos locais de regiões costeiras favorecidas. Com a demanda por crédito de outros setores não sendo atendidas pelo setor bancário oficial, o vácuo foi rapidamente preenchido pelos chamados shadow banks.

O setor bancário paralelo talvez seja melhor definido como uma rede de intermediários financeiros cujas atividades e produtos estão fora do sistema bancário formal regulamentado pelo governo. Muitas transações do sistema bancário paralelo não se refletem nos balanços patrimoniais regulares das instituições financeiras do país. Mas quando acontece uma crise de liquidez, a ilusão de um canal de investimento independente é dilacerada pelos credores que contabilizam essas transações extra-balanço nas avaliações financeiras da instituição-mãe.

Em vez de um confronto militar, os Estados Unidos poderiam ser mais bem aconselhados a se preparar para as ameaças representadas pela fraqueza econômica da China.

O sistema bancário paralelo na China ainda não é tão sofisticado quanto suas contrapartes em Wall Street e Londres, mas está chegando lá. Estimativas indicam que os negócios realizados no setor bancário paralelo da China variam de US$ 10 trilhões a mais de US$ 18 trilhões.

Em 2013, de acordo com um dos estudos mais confiáveis, a escala de ativos de risco bancário paralelo – ou seja, ativos marcados por grande volatilidade, como ações e imóveis – atingiu 53% do PIB da China. Isso pode parecer pequeno quando comparado com a média global de cerca de 120% do PIB, mas a realidade é que muitos desses credores bancários de fachada aumentaram seu capital tomando emprestado do setor bancário formal. Estes empréstimos são registrados nos livros ou “escondidos” em canais especiais fora do balanço contábil. Caso ocorra uma crise no sistema bancário paralelo, estima-se que até metade dos empréstimos em atraso do setor bancário paralelo poderia ser “transferida” para o setor bancário formal, prejudicando-o da mesma forma. Além disso, o setor bancário paralelo está fortemente investido em fundos imobiliários. Assim, uma queda acentuada no preço dos imóveis teria impacto negativo imediato sobre o setor bancário paralelo – os credores ficariam a cargo de incorporadores falidos ou detentores de ativos maciçamente depreciados como garantia.

A China, de fato, ainda está distante de uma crise no estilo do Lehman Brothers? Curiosamente, Sheng e Ng apontam que “enquanto o problema bancário paralelo da China ainda é gerenciável… o tempo é essencial e um pacote abrangente de políticas é urgentemente necessário para antecipar qualquer escalada dos empréstimos bancários sombra (empréstimos inadimplentes), que poderiam ter efeitos de contágio. Pequim agora está reprimindo os shadow banks, mas essas são entidades etéreas.

Finanças é o calcanhar de Aquiles da economia chinesa. A sinergia negativa entre um setor imobiliário superaquecido, um mercado de ações volátil e um sistema bancário paralelo descontrolado pode muito bem ser a causa da próxima grande crise a atingir a economia global, rivalizando com a gravidade da crise financeira asiática de 1997– 98 e a implosão financeira global de 2008–09.

Em vez de guerra…

Em vez de se preparar para um confronto militar no Mar da China Meridional ou iniciar uma guerra comercial com Pequim (que ninguém vencerá), os Estados Unidos e seus aliados podem ser mais bem aconselhados a se preparar para a ameaça que a fraqueza econômica da China traz para a economia dos Estados Unidos e, de fato, para o mundo.

A reforma financeira global – uma tarefa urgentemente necessária (mas nunca realizada) depois da crise financeira de 2008 – é uma área em que a cooperação beneficiaria imensamente a China, os Estados Unidos e o resto do planeta. A perda de US$ 5,2 trilhões durante o colapso financeiro global, em fevereiro, chamou atenção para a necessidade de se impor restrições mais fortes ao movimento global de capital especulativo antes que surja uma crise maior na economia real. A regulamentação de títulos e derivativos lastreados em imóveis – os mesmos tipos de instrumentos que desencadearam a crise financeira de 2008, e que agora estão aparecendo nos mercados asiáticos – deveria ser uma das prioridades.

Quando se trata de comércio, há estratégias muito melhores do que uma guerra comercial para lidar com Pequim. É verdade que a exportação de empregos para a China por corporações americanas, apoiadas por entusiastas do livre comércio e da globalização no governo, tem sido uma das principais causas da desindustrialização de partes significativas dos Estados Unidos, mas as soluções estão na construção de pontes, não de muros. Primeiro, precisamos de acordos comerciais formais ou informais para limitar as exportações industriais selecionadas para os Estados Unidos, da mesma forma que os acordos da era Reagan com o Japão limitaram as exportações de automóveis e ajudaram a indústria automobilística dos Estados Unidos a se reequipar e se recuperar. Em segundo lugar, precisamos de uma política industrial, baseada nos atuais modelos da Alemanha e da China, em que um Estado ativista canaliza investimentos privados e públicos e promove a criação de empregos em indústrias de ponta, como infraestrutura e transporte baseados em energia renovável.

Nada disso é tão simples – ou tão idiota – quanto um confronto militar perto da costa chinesa. Com muita frequência, para os administradores da segurança nacional dos Estados Unidos, os militares americanos são um martelo e todo problema parece um prego. Mas como as autoridades americanas começam a lidar com a ascensão do poder chinês, fariam muito melhor se entendessem os ganhos que os Estados Unidos e o resto do mundo têm agora com uma economia chinesa saudável, e se preocupar mais em evitar sua implosão econômica do que em planejar uma explosão militar.

 

Walden Bello Walden Bello é professor adjunto internacional de Sociologia da Universidade Estadual de Nova York, em Binghamton, e autor de 21 livros, incluindo o que será publicado em breve, “The Fall of China: Preventing the Next Crash”.

 

Tradução por Solange Reis

*Artigo originalmente publicado em 22/06/2018, em https://www.thenation.com/article/chinas-bigger-economic-threat/ .

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