Na loucura de Trump, há oportunidades na Coreia: Bruce Cumings
Bruce Cumings sobre as razões do otimismo em relação à paz na Coreia
por Jon Wiener
Traduzido do The Nation*
Bruce Cumings escreveu vários livros, incluindo “A Guerra da Coreia: uma história” e “Coreia do Norte: outro país”. Ele escreve para o The Guardian, The London Review of Books e The Nation, além de lecionar na Universidade de Chicago. Esta entrevista foi editada e resumida.
Jon Wiener: Sabemos o que Donald Trump quer das conversas coreanas em Cingapura: o Prêmio Nobel da Paz. Por isso que está tão motivado para fazer algum tipo de acordo. Segundo alguns comentaristas, por exemplo, Nicholas Kristof, do The New York Times, Trump fez uma concessão enorme – a suspensão de exercícios militares com a Coreia do Sul – depois de outra ainda maior, que foi a própria reunião de cúpula – sem precedentes nos últimos 75 anos – e a legitimidade que o encontro dá a Kim. Surpreendentemente, em troca dessas concessões, Trump parece ter ganhado pouco, argumenta Kristof. Na declaração conjunta, Kim nada mais fez do que reafirmar o compromisso de sempre com a desnuclearização da Península Coreana, como a Coreia do Norte fez repetidamente desde 1992. Me pergunto se você concorda com essa leitura da declaração conjunta.
Bruce Cumings: Não, eu não concordo. Os Estados Unidos se recusaram a conversar com líderes norte-coreanos desde 1945; mais especificamente, desde fevereiro de 1946, quando Kim Il-sung chegou ao poder efetivo como chefe do comitê popular interino, que o comandante da ocupação norte-americana na Coreia do Sul se recusou a reconhecer. Nos recusamos a lidar com a Coreia do Norte desde então. O ponto deste primeiro encontro entre Trump e Kim foi iniciar um processo no qual a Coreia do Norte deixaria de ser um Estado com armas nucleares. Quanto ao cancelamento dos exercícios militares, os Estados Unidos fizeram isso em 1994. Bill Clinton fez como uma concessão ao Norte. A Coreia do Sul é um dos únicos países do mundo onde os Estados Unidos podem fazer, sem medo das consequências, exercícios militares gigantescos, que incluem dezenas de milhares de soldados, tanto coreanos quanto americanos. O Pentágono provavelmente não vai ficar muito feliz em deixar de realizar esses jogos, mas trata-se de uma pequena concessão.
JW: Trump chamou os exercícios de guerra de “provocativos”. O que você achou disso?
BC: Nenhum presidente disse isso antes, mas ele está certo. Em sua própria loucura, ele vê a situação coreana com certa ingenuidade. Não sabe muito, não conhece a história, mas nesses treinamento de guerra, os americanos avaliam como decapitar o regime norte-coreano – por exemplo, como derrubá-lo enviando os fuzileiros navais para o porto de Wonsan e invadindo a península para fazer cair o governo. Também fizeram simulações com exercícios nucleares. Durante um desses treinamentos, o presidente Obama enviou B-52s para lançar armas nucleares falsas nas ilhas sul-coreanas. Essas coisas são muito ameaçadoras para a Coreia do Norte, sempre foram, mas eu nunca ouvi um presidente dizer que fossem provocativas. A total inexperiência de Trump e sua falta de ligações com o establishment da política externa de Washington lhe dão certa liberdade para agir assim.
JW: Antes da reunião, Trump disse: “Eles têm que se desarmar”. E o secretário de Estado, Mike Pompeo, acrescentou que isso tem que ser “completo, verificável e irreversível”. O que a Coreia do Norte quer em troca?
BC: Eles querem um tratado de paz para acabar com a Guerra da Coreia, o que eu acho bastante factível; e algo que Trump parece querer também. Ele acha que pode conseguir um Prêmio Nobel por isso. Eu não acho, mas há quem pense que sim. Kim quer a interrupção dos exercícios de guerra, o que ele já conseguiu, e a normalização das relações com os Estados Unidos – que, provavelmente, teria de vir no contexto de um tratado de paz, porque não se pode realmente assinar um tratado de paz com um país o qual não se reconheça. Em quarto lugar, eles querem muita ajuda. Trump mencionou várias vezes que os treinamentos de guerra são muito, muito caros. Bem, como também é nossa presença na Coreia do Sul, com 28 mil soldados, mais 50 mil no Japão e a terceira divisão da Marinha em Okinawa. Eles não estão defendendo o Japão, mas sim orientados para lutar se começar uma guerra na Península Coreana. Todo essa comitiva de forças custa dezenas de bilhões de dólares por ano para se manter. Vi uma estimativa de que, quando se considera tudo o que usamos para impedir a Coreia do Norte ou para se preparar para lutar contra ela, o total pode ser de US$ 40 bilhões por ano.
JW: Quanto de ajuda americana a Coreia do Norte gostaria de receber?
BC: Provavelmente, a Coreia do Norte espera algo como um bilhão ou dois bilhões por ano de ajuda em troca de entregar as armas nucleares e os mísseis – que é essencialmente o que quase conseguiu com Bill Clinton em 2000. É uma gota no oceano e um pequeno preço a se pagar para desnuclearizar a Coreia do Norte. Mas essa coisa de “desnuclearização” é um termo errado porque eles querem que nós retiremos nossas forças nucleares da região, os bombardeiros B-52s e B-1 de Guam, submarinos nucleares Trident, tudo isso tem que ser redirecionado para longe da Península Coreana. Mesmo assim, temos bombardeiros que podem decolar do Meio-Oeste, bombardear a Coreia do Norte e voltar para casa sem pousar. Portanto, nunca seremos capazes de satisfazer totalmente a Coreia do Norte sem abrir mão de todas as nossas armas nucleares. Mas acho que já conseguimos algo que alguns dos melhores especialistas dos Estados Unidos pediram há anos: a moratória em testes de mísseis e bombas atômicas. Isso está em vigor desde novembro passado.
JW: Kim está pensando no modelo chinês de Estado com partido único e desenvolvimento econômico muito agressivo?
BC: De acordo com especialistas sul-coreanos que conheço, ele quer ser o Deng Xiaoping da Coreia do Norte, que em 1979 fez reformas fundamentais irreversíveis, empurrando a China para a economia mundial e seguindo Japão, Coreia do Sul e Taiwan, num modelo de desenvolvimento liderado por exportações, com forte envolvimento do Estado. É claro que os chineses se saíram muito bem, crescendo dois dígitos ao ano durante a maior parte dos últimos 30 anos. Acho que é exatamente o que os norte-coreanos estão esperando fazer. Devido ao tamanho dos países, provavelmente o Vietnã é um modelo melhor para a Coreia do Norte do que a China. Mas com o Vietnã e a China temos dois Estados que cresceram muito rapidamente usando os princípios do mercado, ao mesmo tempo que têm forte envolvimento estatal e o poder supremo nas mãos do Partido Comunista. Então, acho que esse modelo é muito influente na Coreia do Norte.
JW: Seria bobagem tentar prever o que Trump fará. Meu palpite é que ele provavelmente vai desistir das negociações algumas vezes, ameaçar mais fogo e fúria e depois voltar a negociar. O que você acha?
BC: Há um lado positivo em ter Trump como presidente: ele não tem laços com ninguém, especialmente com o sistema em Washington, e, de uma maneira curiosa, ele pode conseguir muito progresso onde todas aquelas pessoas (do sistema) levantariam todo tipo de problema e insistiriam em uma lista de coisas que a Coreia do Norte teria de fazer para nos agradar. Parece que estamos numa situação diferente agora. Não acho que se conseguiu muita coisa na cúpula, mas Trump é uma pessoa que gosta de conhecer gente, e ele parecia se esforçar para agradar Kim Jong-un. A essa altura, estou bastante otimista.
Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 14/06/2018, em https://www.thenation.com/article/trumps-madness-theres-opportunity-korea-bruce-cumings/