Uma pergunta desagradável para a Europa: confrontar Trump ou evitar uma guerra comercial custosa
por Peter S. Goodman
Traduzido do The New York Times*
ROMA – Para a Europa, o primeiro passo foi fácil. As autoridades anunciaram, rapidamente, planos para retaliar as tarifas do presidente Trump sobre aço e alumínio, enquanto prometem desafiá-las legalmente.
O próximo passo é mais complicado e incerto. Embora os líderes europeus passem a imagem de resolução unificada para confrontar o que consideram um bullying americano que viola as regras do comércio global, eles não se mostram aptos a deixar de lado as diferenças nacionais na busca de objetivos comuns.
E a Europa, no momento, parece especialmente dividida e internamente em conflito.
O Reino Unido se encaminha para sair. Um governo populista, potencialmente desestabilizador, acabou de assumir o poder na Itália. Inesperadamente, a Espanha também mudou os líderes, enquanto a Hungria e a Polônia testam os valores da União Europeia com políticas anátemas para a democracia. Além disso, o crescimento econômico europeu parece estar diminuindo, com os pedidos caindo nas fábricas da Alemanha.
Nos corredores europeus do poder, a raiva em relação ao governo Trump é intensa – não apenas por causa das tarifas, mas também pela decisão americana de revogar o apoio ao acordo de desnuclearização do Irã. No entanto, dados as dificuldades que a Europa enfrenta ao orquestrar qualquer política e os interesses econômicos concorrentes no bloco de 28 países, a Europa fica numa posição difícil para acertar as diferenças com um presidente americano belicoso.
Muitos especialistas em comércio presumem que a Europa será forçada a ceder terreno, abrindo ainda mais seus mercados às exportações americanas, para conseguir alívio nas tarifas de Trump.
“Os Estados Unidos são mais poderosos do que a Europa, e esta enfrenta muitos desafios”, disse Kjersti Haugland, economista-chefe do DNB Markets, um banco de investimentos na Noruega. “Eu não acho que serão fortes o suficiente para se unirem contra isso. Não estão dispostos a pagar o preço ”.
A França está especialmente inclinada a punir os Estados Unidos, vendo na segurança nacional, usada por Trump como justificativa para as tarifas, uma afronta ao conceito de comércio internacional baseado em regras, conforme supervisionado pela Organização Mundial do Comércio.
A Alemanha – a maior potência econômica do bloco – reluta em intensificar o conflito, para evitar que as tarifas reduzam suas exportações lucrativas de automóveis e outros bens industriais para os litorais americanos.
Ao formular sua resposta, a Europa precisa recorrer ao ceticismo de que Trump esteja executando uma estratégia comercial coesa, em vez de oscilar, de posição em posição, sobre as amarras dos supostos poderes da imprevisibilidade.
Na extensão em que as táticas podem ser premeditadas, o governo Trump parece lançar a ameaça constante de tarifas para criar incerteza nos negócios, na tentativa de forçar os parceiros comerciais a aderir às demandas americanas.
A abordagem produziu alguns resultados. Em março, quando Trump desencadeou a perspectiva de tarifas sobre aço e alumínio, seu governo sinalizou que se tratava do movimento inicial de uma negociação. Logo depois, os Estados Unidos isentaram a Coreia do Sul, que é um grande exportador de aço, em troca da abertura de mercado para automóveis fabricados nos Estados Unidos.
O governo Trump esperava usar esse acordo como modelo na extração de concessões similares da União Europeia. Sugeriu que o bloco poderia obter isenção das tarifas americanas, desde que reduzisse seus próprios impostos sobre os automóveis americanos, ao mesmo tempo em que limitasse as exportações de aço.
Mas os líderes europeus recusaram tal abordagem, enfurecidos com o que consideravam o tratamento humilhante de um antigo aliado.
“Em princípio, conversaremos sobre qualquer coisa com um país que respeite a OMC”, disse o presidente francês, Emmanuel Macron, a repórteres em Bruxelas em março, pouco depois de o governo Trump anunciar as tarifas sobre metais. “Nós não vamos conversar sobre nada com uma arma na nossa cabeça.”
Os holandeses, cuja economia está especialmente ligada ao comércio, ficaram particularmente enfurecidos com a abordagem do governo Trump. A eles juntaram-se outros membros do bloco europeu, ainda revoltados por Trump ter retirado os Estados Unidos do acordo climático de Paris e, mais recentemente, revogado o apoio ao acordo mediado por seu antecessor, o presidente Barack Obama, que obriga o Irã a renunciar à produção de armas nucleares.
O aparente desaparecimento desse acordo e a retomada das sanções americanas contra empresas que operem com o Irã deverão custar bilhões de dólares em vendas a empresas europeias, ficando os interesses franceses, alemães e italianos especialmente vulneráveis.
Tudo isso reforçou as predileções europeias por tratar a batalha sobre as tarifas como uma luta na qual o continente deve se engajar e vencer, sob pena de romper as bases da cooperação internacional, que levaria a uma nova era na qual as regras são eclipsadas pela força bruta.
Como o anúncio de que a Europa não seria poupada dos metais americanos veio na quinta-feira, seus líderes rapidamente declararam que fariam valer as ameaças de retaliação. “Este é um dia ruim para o comércio mundial”, disse Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, num discurso em Bruxelas. “Abriremos imediatamente uma queixa na OMC e anunciaremos retaliação nas próximas horas.”
Mas é incerto se essa postura poderá ser mantida.
Apesar do nome, a União Europeia não costuma ser um modelo de unidade. Se Trump apostava na divisão interna para frustrar a resposta europeia, escolheu o momento oportuno.
O Reino Unido está sob críticas domésticas a respeito de sua pendente saída da União Europeia, o que o torna um ator menor nos procedimentos.
A Itália supera a si mesma, imersa num drama político operístico, tendo formado um novo governo somente na sexta-feira, após as eleições inconclusivas em março. O novo governo apresenta uma coalizão de dois partidos populistas que desdenham da União Europeia e do euro comum, alimentando os temores de que o bloco será presenteado com um novo desafio para sua coesão.
A Espanha acabou de trocar governos. A Alemanha é chefiada pela chanceler Angela Merkel, depois de suas longas lutas para formar um governo após as eleições do outono passado. O presidente francês tem se frustrado nas tentativas de forjar maior unidade política dentro do bloco.
“A Europa está desorganizada”, disse Nicola Borri, professora de finanças da Universidade Luiss, em Roma. “É até difícil entender quem está no poder na Europa.”
Ao deliberar sobre como responder às tarifas de Trump, o cisma-chave parece ocorrer entre a Alemanha e o resto do bloco.
“Eu não acho que haja consenso sobre como lidar com os americanos ”, disse Meredith Crowley, especialista em comércio internacional da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. “Os alemães se beneficiam de mercados abertos globalmente, então, não querem lançar mais barreiras ao livre comércio.”
Há também a questão não insignificante sobre se a Europa deve se manter nos limites da Organização Mundial do Comércio, o árbitro para disputas comerciais globais.
A posição europeia – compartilhada por muitos economistas – é a de que o governo Trump solapou o funcionamento da instituição ao citar a segurança nacional como um imperativo para as tarifas sobre metais. Mas se a Europa reagir imediatamente com suas próprias tarifas, isso, por si, só violaria as regras da organização, que exigem a apresentação de uma queixa formal e um processo deliberativo que requer meses para se julgar.
De acordo com diplomatas europeus que falaram sob condição de anonimato, pois as negociações eram privadas, Peter Altmaier, o ministro alemão para Assuntos Econômicos, em reunião no mês passado com seus colegas europeus, pediu que a Europa evite uma escalada de tarifas com os Estados Unidos. O ministro alemão sugeriu que a Europa deveria aceitar cotas em suas exportações de aço para os Estados Unidos como o custo para conseguir isenção permanente das tarifas americanas sobre metais.
As pessoas disseram que Altmaier, que recusou o pedido para uma entrevista, estava especialmente preocupado com as ameaças do governo Trump de impor tarifas às importações de automóveis.
As autoridades da Comissão Europeia responderam com raiva à proposta alemã, exigindo uma retaliação rígida e inequívoca. Elas estavam convencidos de que o conflito com os Estados Unidos foi muito além do número de carros ou do volume de aço vendido para o país: colocava uma ameaça existencial ao sistema de comércio baseado em regras.
Publicamente, essa visão prevaleceu.
Uma lista de tarifas retaliatórias que a Europa preparou para esta eventualidade foi elaborada para exercer pressão política. A lista de produtos inclui o uísque bourbon, fabricado em Kentucky, estado natal do senador Mitch McConnell, líder da maioria, e motocicletas fabricadas pela Harley-Davidson em Wisconsin, casa do líder na Câmara, Paul D. Ryan.
Ao buscar isenção das tarifas, a União Europeia estava preparada para aceitar algum tipo de acordo. Segundo autoridades diplomáticas, considerou a possibilidade de comprar grandes volumes de gás natural liquefeito dos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que se juntaria ao governo Trump, pressionando para mudar as regras do sistema de solução de controvérsias na OMC, objetivo americano de longa data.
Mas os líderes europeus insistiam que não aceitariam nada disso se Trump ameaçasse com as tarifas. Agora que a ameaça se tornou realidade, muitos acham que a Europa vai titubear, concordando com algumas concessões. Trump está preparado para ir à guerra.
“Os Estados Unidos estão exercendo seu poder agora”, disse Haugland, economista do DNB Markets. “Quando a pressão aumenta, a UE definitivamente não deseja uma guerra comercial.
Tradução por Solange Reis
Artigo originalmente publicado em 01/06/2018, em https://nyti.ms/2LPQQDA