Internacional

Índia, sempre uma aliada relutante dos Estados Unidos

por Allison Fedirka
Traduzido do Geopolitical Futures*

O mundo continua a reagir à morte do acordo nuclear com o Irã e, só às vezes, as reações são favoráveis a Washington. Na semana passada, a China, que nunca perdeu a oportunidade de se mostrar com líder global, disse que tentaria salvar o acordo. A Polônia rompeu com o resto da Europa, dizendo que ficaria do lado dos Estados Unidos, em vez de manter vivo o acordo com o Irã. E agora, a Índia, um país com o qual os Estados Unidos melhoraram as relações nos últimos anos, tenta contornar as sanções. Não é de todo surpreendente. Embora a Índia e os Estados Unidos compartilhem alguns interesses estratégicos na região Indo-Pacífico – ou seja, manter a China sob controle -, suas diferenças são muitas para que Nova Déli fique constantemente em sintonia com Washington.

Fazendo uma pausa

Um caso em questão é o Irã, um dos parceiros estratégicos mais negligenciados da Índia. Ela tem vários interesses em manter o relacionamento com o Irã, embora o mais notável deles seja o petróleo, que atende cerca de 80% das necessidades de energia da Índia. Não surpreende que a Índia seja o terceiro maior importador de petróleo do mundo, e o Irã seja seu terceiro maior fornecedor. O país forneceu à Índia 640.000 barris por dia (bpd), em abril de 2018, e se a tendência se mantiver, Nova Déli terá comprado US$ 105 bilhões em petróleo do Irã até o final do ano fiscal. (O Irã forneceu à Índia cerca de 480.000 bpd no último ano fiscal.) Os laços energéticos entre esses dois países são tão importantes, que, em 2012, eles estabeleceram um mecanismo especial pelo qual o Irã aceitaria fornecer petróleo mediante pagamento em rúpias, numa espécie de sistema de comércio de permuta.

Quando o preço do petróleo sobe, como aconteceu quando foi anunciada a retirada dos Estados Unidos do acordo com o Irã, a Índia sofre. E embora nunca haja um bom momento para pagar mais por alguma coisa, o momento para a Índia é especialmente ruim. Algumas áreas do país ainda estão lutando contra a desaceleração econômica do ano passado, resultado de reformas econômicas. No geral, a economia ainda não se recuperou totalmente. Apenas nesta semana, o governo reduziu a estimativa da taxa de crescimento oficial, de 7,5% para 7,3%. O aumento dos preços da energia e a ameaça de escassez energética seriam mais um golpe para uma economia que deu uma parada recentemente.

O governo do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, está mal preparado para lidar com esse problema. A popularidade de Modi caiu. Os partidos estaduais estão se realinhando com o partido do Congresso Nacional Indiano e fazendo uma oposição formidável ao Partido Bharatiya Janata, de Modi – o suficiente para ter um desempenho mais forte nas eleições locais. Modi e seu partido só se tornarão mais impopulares se tiverem que dizer aos eleitores que esperam ter escassez de energia – ou se os altos preços da energia os deixarem com menos dinheiro para gastar em outras áreas.

A cooperação com o Irã também oferece à Índia oportunidades de perseguir suas ambições regionais e de segurança de uma forma que a cooperação com os Estados Unidos não consegue fazer. Afinal, Washington não está desenvolvendo, conjuntamente, um porto no litoral sudeste do Irã, como a Índia está. O porto de Chabahar, de grande interesse estratégico para a Índia e o Irã, reduziu o custo e o tempo de comércio em cerca de 33%. Com o tempo, o plano é transformar o porto, de hub bilateral para regional, a fim de facilitar mais o comércio no Grande Oceano Índico.

Talvez o mais importante seja o fato de que esse porto dá à Índia acesso ao comércio com a Ásia Central, especialmente com o Afeganistão. O Irã tem uma infraestrutura que liga Chabahar a Herat, Kandahar, Cabul e Mazar-e Sharif, no Afeganistão. Através desta rede rodoviária, a Índia pode agora retomar seu comércio lucrativo com o Afeganistão (o Paquistão negou o trânsito de mercadorias). Além de ajudar a Índia a contornar o Paquistão, o Irã também permite que ela faça frente ao investimento e à presença militar da China no porto de Gwadar, no Paquistão.

Os Estados Unidos prefeririam que a Índia honrasse as sanções que eles impuseram ao Irã, mas não estão em condições de obrigá-la a fazê-lo. Washington não pode ser uma fonte direta de petróleo, nem dar acesso aos mercados afegãos. As relações entre os Estados Unidos e o Paquistão são tensas, razão pela qual Washington, mesmo que queira, não pode ajudar a Índia a lidar com o fechamento de terras no Paquistão. Os Estados Unidos pediram à Índia que assumisse um papel mais ativo na estabilização do Afeganistão, mas ela dificilmente conseguirá se sua economia fraquejar. (A Índia disse que ajudaria sempre que possível, não apenas militarmente.)

Influência pequena

Tudo isso é típico da política externa um pouco malandra da Índia, que nunca foi simplesmente de acatar Washington. Durante a Guerra Fria, a Índia fazia parte do Movimento Não Alinhado, e embora tenha se inclinado para o Ocidente desde então, ainda depende muito da Rússia para suas necessidades de defesa. Que aparentemente são muitas. De acordo com o Stockholm International Peace Research Institute, a Índia é o maior importador de armas do mundo, gastando mais de US$ 100 bilhões em novas armas e sistemas, de 2008 a 2017, dos quais cerca de 65% foram importados. Destes, a Rússia forneceu cerca de 60%, enquanto os Estados Unidos apenas 15%. Mais valiosa para a Índia é a disposição das empresas de defesa russas de se engajarem em joint ventures e, assim, ajudar o país a modernizar sua própria indústria de defesa.

O tempo todo a Índia está aumentando os laços de defesa com outros. Modi está atualmente em uma turnê pela Indonésia, Malásia e Cingapura, cujos primeiros frutos atestam a ambição da Índia e a sua capacidade de alcançar o Leste. Na Indonésia, Modi concordou em aumentar a defesa e a cooperação marítima, incluindo o desenvolvimento de uma zona econômica especial e um porto de águas profundas que poderá abrigar submarinos indianos e outros navios de guerra na ilha indonésia de Sabang, perto da entrada estratégica do Estreito de Malaca. (A Índia também realizou, recentemente, os primeiros exercícios navais conjuntos com o Vietnã.) Tais ações acontecem em paralelo à participação na Quad, uma coalizão com o Japão, os Estados Unidos e a Austrália, focada em estabelecer as bases necessárias para conter a assertividade chinesa.

Isso, somado às exportações de defesa, dá aos Estados Unidos um pouco mais de influência sobre a Índia. Os Estados Unidos fornecem à Índia equipamentos de defesa, como aviões de carga C-130 e C-17, uma variedade de helicópteros e artilharia leve. Também na cesta de compra estão helicópteros de ataque, mísseis Stinger e drones Predator. Para pressionar a Índia, os Estados Unidos levantaram a possibilidade de não vender mais os drones Predator, caso os indianos comprem o sistema de defesa antimísseis russo S-400. Abrir mão de determinadas compras de armas poderia ser taticamente prejudicial em uma área específica, mas dificilmente seria um fator decisivo. Afinal, as armas dos Estados Unidos são caras, e Washington evita o tipo de transferência de tecnologia e joint ventures que a Índia tanto quer. Quanto ao Quad, na semana passada, o chefe da Marinha indiana disse que não haveria nenhuma dimensão militar – confirmação tácita de que Nova Déli questiona a confiabilidade do grupo. (Na verdade, o Quad já desmoronou uma vez ,em 2009.).

Os Estados Unidos ainda são a maior economia e força militar do mundo, então, não é como se a Índia estivesse interessada em repreendê-los completamente. Mas o fato de que seus interesses divergem em relação aos de Washington em tantas áreas significa que a Índia sempre será um aliado relutante.

 

Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 31/05/2018, em https://geopoliticalfutures.com/india-ever-reluctant-us-ally/

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