Guerra comercial à espreita: Trump sobretaxa aço e alumínio de aliados
por Tatiana Teixeira
Em um primeiro momento, os europeus chegaram a duvidar de que os Estados Unidos de Donald Trump fossem manter a sobretaxa ao aço e ao alumínio de seus aliados mais próximos. Em um processo de dura negociação com o vizinho por conta da Área de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), mexicanos e canadenses já não se surpreendem mais. E a notícia chegou, com o fim do período de carência dado por Trump à União Europeia, México, Canadá, Japão, entre outros, quando anunciou as novas taxas no final de março para forçar negociações comerciais que beneficiem os EUA. No dia 31 de maio, o presidente Trump confirmou a imposição de tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio de três dos maiores parceiros comerciais de Washington, em consonância com sua plataforma America First, defendida (não custa lembrar) desde a campanha eleitoral de 2016.
Reação republicana
Conforme programado, a medida entrou em vigor em 1º de junho, afirmou o secretário americano do Comércio, Wilbur Ross, alegando que as negociações estavam levando tempo “demais”. Os países afetados prometeram retaliar, adotando a reciprocidade. Os mercados reagiram mal à sombra de uma potencial guerra comercial. Em casa, houve protesto de vários setores da economia, assim como de congressistas democratas e também republicanos, condenando o que consideram um grande erro político e para a economia, com forte impacto doméstico, incluindo a alta de preços em diferentes segmentos até o consumidor final. Vários senadores de ambos os partidos começaram as conversas para tentar redigir e aprovar uma legislação, promovida por Bob Corker (R-TN) e Pat Toomey (R-PA), que torne obrigatória a aprovação do Congresso para as tarifas impostas por Trump em nome da segurança nacional. O movimento está ganhando força.
“Europa, Canadá e México não são a China. Você não trata aliados do mesmo jeito que trata oponentes”, criticou o senador Ben Sasse (R-NE), que chamou a decisão de “estúpida”. O presidente do Comitê de Finanças do Senado, senador Orrin Hatch (R-UT), advertiu que “as tarifas sobre aço e alumínio são um aumento de impostos para os americanos e terão consequências prejudiciais para consumidores, fabricantes e trabalhadores”.
“Hoje foi o dia em que o governo Trump indicou que está jogando fora o manual do comércio”, afirmou o diretor do National Foreign Trade Council e ex-negociador pelos EUA, Rufus Yerxa. “Eu lido com essa coisa há quatro décadas e nunca vi algo assim”, completou. Nessa mesma linha, Heidi Brock, CEO da Aluminum Association, organização que representa os produtores americanos desse setor, disse estar desapontado com a decisão do governo. “A ação de hoje faz pouco para tratar do desafio chinês, ao mesmo tempo em que está potencialmente alienando os aliados”, além de interromper o fornecimento de alumínio e de outras matérias-primas para os produtores americanos. Já a Alliance for American Manufacturing celebrou, afirmando que a medida significa “mais empregos e capacidade agregada”.
A decisão do magnata nova-iorquino foi tomada com base na chamada “autoridade 232”, da Seção 232 da Lei de Expansão do Comércio, de 1962, que dá ao presidente amplos poderes para aumentar, ou reduzir tarifas, em bens críticos para a segurança nacional. Aqui, a alegação é a de que o grande volume de aço importado está danificando a indústria de base do país, e empregos estão sendo perdidos. “Adotamos a visão de que, sem uma economia forte, você não pode ter uma segurança nacional forte”, justificou Ross em conversa com a imprensa.
Retaliação dos aliados
Ainda sem divulgar detalhes, a Europa anunciou que, além de recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), pretende impor medidas de represália, estabelecendo tarifas da ordem de pelo menos € 2,8 bilhões (US$ 3,4 bilhões) para “reequilibrar” o comércio bilateral. O bloco já havia sinalizado que poderia sobretaxar produtos americanos como as lendárias motos Harley-Davidson, jeans, cigarros, cranberries, suco de laranja, pasta de amendoim e uísque bourbon, este último do Kentucky, estado natal do líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell (R-KY). No ano passado, a Europa exportou 5,5 milhões de toneladas de aço para os EUA.
“Hoje é um dia ruim para o comércio mundial”, lamentou a comissária de comércio europeia, Cecilia Malmström, em um comunicado. “Fizemos de tudo para evitar esse desfecho”, completou ela, tomando o cuidado de ressaltar que “não estamos em uma guerra comercial, mas em uma situação muito difícil causada pelos Estados Unidos”. Segundo ela, a segurança nacional é uma desculpa para “puro protecionismo”. As mesmas palavras – “protecionismo puro e simples” – foram usadas pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.
O governo do México também prometeu retaliar uma série de itens, impondo tarifas similares aos EUA, que podem passar de US$ 3 bilhões. Alguns queijos e o bourbon sofrerão uma sobretaxa de 20% a 25%, por exemplo, e um amplo leque de derivados do aço, de até 25%. Muitos desses produtos têm origem em estados, nos quais caciques republicanos têm sua base eleitoral, levando a temer um forte impacto nas midterms. Entre eles, aço (Indiana, reduto político do vice-presidente Mike Pence), lanchas (Flórida, do senador Marco Rubio), e vários produtos do setor agropecuário (Califórnia, do líder da maioria na Câmara, o representante Kevin McCarthy, ou Iowa, do representante republicano Rod Blum, no caso da carne suína, especificamente).
“Essas tarifas terão consequências dolorosas e imediatas para muitos fazendeiros americanos”, lamentou a vice-diretora do Farmers for Free Trade, Angela Hofmann. “Porco, maçã, batata e laticínios estão entre os que, de repente, têm de enfrentar um aumento tarifário de 10%, ou 20% nas exportações, das quais dependem para sua subsistência. Os agricultores precisam de um ambiente de certeza e de mercados abertos para sobreviver. Neste exato momento, o que eles estão tendo é caos e protecionismo”, completou.
No caso do pernil e da paleta de porco, por exemplo, além da tarifa de 20%, o México pretende ampliar suas compras da Europa, ainda que não seja uma solução tão barata quanto comprar do vizinho mais próximo. Hoje, cerca de 90% do US$ 1,07 bilhão de importação anual desses dois produtos são fornecidos pelos EUA, o que faz do México o principal destino da carne suína americana. Para a carne de porco, o governo abriu uma cota de importação de até 350 mil toneladas, e a expectativa é de que a demanda seja atendida de alguns dos outros dez países, além dos EUA, com os quais o México tem acordos sanitários. São eles: Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Dinamarca, Chile, Espanha, França, Alemanha, Itália e Bélgica. O Brasil não está nesta lista.
O secretário mexicano da Economia, Ildefonso Guajardo, disse que as ações serão tomadas no âmbito do Nafta, o que permitirá que as tarifas retaliatórias entrem em vigor imediatamente. “O mundo agora sabe que qualquer acordo em que os EUA entrarem será baseado nos caprichos do presidente naquele momento. E, quando você tem um presidente volúvel como o presidente Trump, simplesmente não há incentivo para nenhum país de tentar entrar em um acordo com os Estados Unidos”, declarou esse ex-embaixador.
O Canadá informou, por sua vez, que aprovará US$ 12,8 bilhões em tarifas sobre as importações americanas, a partir de 1º de julho. A lista de produtos incluirá as importações de aço e alumínio, assim como produtos agrícolas e bens manufaturados, como pepino, iogurte, detergente para lavar roupa e colchões. Segundo o ministro canadense das Relações Exteriores, Chrystia Freeland, trata-se “da mais forte ação em comércio que o Canadá tomou no Pós-Guerra”. No ano passado, Ottawa foi o principal exportador de aço para os EUA (cerca de US$ 12,4 bilhões), seguido de Coreia do Sul e do México (US$ 2,9 bilhões), de acordo com a Wood Mackenzie. Em seu conjunto, a UE exportou US$ 7,7 bilhões. Juntos, Canadá, México e UE responderam por quase 50% do aço e do alumínio comprados pelos EUA.
“Deixem-me ser claro. Essas tarifas são totalmente inaceitáveis”, criticou o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, que disse ainda ter rejeitado um ultimato do vice-presidente americano, Mike Pence, para que o “novo” Nafta seja renovado a cada cinco anos, a chamada “cláusula de caducidade”.
Nafta em xeque
As sobretaxas impostas pelos Estados Unidos aos produtos canadenses e mexicanos podem ter um efeito colateral indesejado sobre as já estancadas negociações do Nafta. Após a ameaça de deixar o bloco formado em 1994, caso as condições atuais não sejam revistas nos termos de Washington, Trump agora quer que as discussões sobre o futuro do Nafta sejam feitas de forma bilateral, com México e Canadá em separado. Por se tratar de um acordo tripartite, qualquer mudança, ou nova medida, precisa da aprovação dos três membros, deixando antever a dificuldade de conjugar interesses, ou mesmo de manter intacta a própria razão de existir do Nafta. México e Canadá não veem com bons olhos essa modalidade de negociação.
O diretor do Conselho Econômico Nacional, Larry Kudlow, garante que o presidente não pretende abandonar o Nafta, mas que, sim, Trump quer uma mudança na abordagem das negociações. “Ele acredita que os (acordos) bilaterais são sempre melhores. Ele (Trump) odeia grandes tratados… Quando você tem de se comprometer com todo um grupo de países, você tem o pior dos acordos. Por que não tentar ter o melhor dos acordos para o povo americano, os trabalhadores americanos, a economia americana e, supostamente, para as economias deles também?”, disse Kudlow no programa “Fox and Friends”, um dos programas preferidos do presidente Trump.
Em meio à troca de acusações dos envolvidos, à desconfiança crescente, à pressão de Washington, de um lado, e à cobrança doméstica por não ceder aos EUA, de outro, as discussões se arrastam há um ano pelo menos, sem resultados substanciais. E a expectativa é de que dificilmente sejam concluídas ainda em 2018, marcado por eleições presidenciais no México e de meio de mandato nos Estados Unidos. Segundo o presidente da Câmara de Representantes, Paul Ryan (R-WI), é apertado o calendário da legislatura atual para lidar com a aprovação de um “novo” Nafta.
O secretário mexicano mantém algum otimismo. “Todas as seções, composição e arquitetura estão prontas. O que está faltando é vontade política e a flexibilidade necessária para conseguir fechar”, afirmou Guajardo.