Primeira mulher no cargo, Gina Haspel é nova diretora da CIA
por Tatiana Teixeira
Em Langley, na Virgínia, Gina Haspel tomou posse, em 21 de maio, como diretora da Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês), tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo desde a criação desse órgão, em 1947. Ela substitui Mike Pompeo, que assumiu o Departamento de Estado no final de abril. Ao seu lado na cerimônia de cerca de 30 minutos, além de seu ex-chefe, estavam o presidente Donald Trump e o vice-presidente Mike Pence, apoios importantes após toda polêmica envolvendo o nome da veterana da CIA e presenças muito simbólicas de um gesto conciliador, talvez, em um momento de crescente atrito entre o Executivo republicano e a comunidade de Inteligência por conta do Russiagate.
Em seu discurso, o presidente Trump pronunciou o lugar-comum “ninguém neste país é mais bem qualificado” para o cargo, elogiou o órgão (“elite dos profissionais de Inteligência do planeta”) e prometeu “as ferramentas, os recursos e o apoio de que precisam”. Já a nova diretora da CIA antecipou que pretende melhorar o nível de proficiência em línguas estrangeiras do quadro de funcionários, ver mais agentes em campo, atuando no exterior, além de fortalecer os vínculos com as agências de Inteligência de países aliados.
Aprovação polêmica
A nomeação de Gina Haspel foi confirmada em 17 de maio, no Senado, por 54 votos contra 45. Sua indicação foi cercada de polêmica e mal-estar por seu envolvimento, em 2002, no programa de “técnicas avançadas de interrogatório” de suspeitos de terrorismo adotado no governo de George W. Bush, assim como por seu papel no processo de destruição de material gravado de parte dessas sessões, em 2005. A ordem foi dada pelo então diretor do Serviço Nacional Clandestino da CIA (NSC, na sigla em inglês), José Rodríguez. Seus críticos também reclamaram da falta de transparência na divulgação ao público de informações sobre sua carreira e da escassez de detalhes do “Relatório Durham”. Este documento relata a participação da funcionária na queima de provas sobre o uso de tortura.
Criada pela Lei de Segurança Nacional, de 1947, a CIA coleta, analisa e distribui informações de Inteligência que tenham relevância para a segurança nacional, oferecendo cenários e alternativas ao presidente e demais autoridades de alto escalão do governo, além de realizar operações clandestinas. É a única agência da comunidade de Inteligência que não está subordinada a um Departamento.
Pressão da Casa Branca
Em um contexto de incerteza quanto à sua aprovação, a Casa Branca não poupou esforços para defendê-la, mobilizando membros de alto perfil da comunidade de Inteligência, como James Clapper, diretor de Inteligência Nacional (DNI, na sigla em inglês) no governo Barack Obama (de 2010 a 2017), para manifestarem seu apoio. O diretor atual da DNI, Dan Coats, apontou a integridade e a expertise da candidata na área. Pelo menos seis ex-diretores da CIA e três ex-diretores da DNI ficaram ao lado de Gina Haspel.
O falcão republicano e ex-vice-presidente americano Dick Cheney defendeu não apenas o nome da agente da CIA, como também a prática de tortura nos interrogatórios dos detentos do 11 de Setembro e sua retomada nos dias atuais, se for preciso. Ele alega que o programa foi necessário para manter o país seguro de novos ataques. “Acho que as técnicas que usávamos não eram tortura. Muitos pessoas tentam chamar dessa forma, mas não era considerado tortura na época. As pessoas querem voltar atrás e tentar reescrever a história, mas, se a decisão fosse minha, eu faria de novo”, frisou.
Entre os democratas, houve seis dissidentes na votação: o vice-presidente do Comitê de Inteligência, senador Mark Warner (D-VA), e seus colegas Jeanne Shaheen (D-NH), Joe Donnelly (D-IN), Joe Manchin (D-WV), Bill Nelson (D-FL) e Heidi Heitkamp (D-ND). Os quatro últimos são de estados red, ou purple, onde Trump tem boa popularidade, estando suscetíveis, portanto, ao cálculo das midterms. A favor de Gina, disseram considerar sua experiência “crucial” para enfrentar as ameaças de adversários dos Estados Unidos, como Rússia, Coreia do Norte, China e Irã. Warner foi além e disse acreditar que, em caso de necessidade, Gina se oporá a uma ordem presidencial de retomada da prática do “submarino”. Essa é uma garantia, cujo valor não pode ser desprezado, já que, em diferentes ocasiões, Donald Trump apoiou esse procedimento e declarou que “tortura funciona”.
Forte oposição
Já os senadores republicanos Rand Paul (R-KY) e Jeff Flake (R-AZ) mantiveram sua palavra e se alinharam com a maioria dos democratas contra a indicação do presidente Trump. O nome de Gina também contou com a forte oposição do veterano de guerra que foi preso e torturado na guerra do Vietnã, senador John McCain (R-AZ), mas que está em tratamento por um câncer e não pôde comparecer à votação. “O papel de Gina Haspel em fiscalizar o uso de tortura por parte de americanos é perturbador. Sua recusa a reconhecer a imoralidade da tortura a desqualifica (para o cargo)”, chegou a afirmar John McCain, em um comunicado.
Grupos de defesa dos direitos humanos também reagiram. Em nota, a Anistia Internacional EUA declarou que “o Senado recompensou essa conduta abominável, promovendo alguém que, alegadamente, administrou-a, para liderar uma das mais poderosas agências do governo”. Para Laura Pitter, da Human Rights Watch, a confirmação de Gina é um “subproduto perverso do fracasso dos Estados Unidos de lidar com abusos do passado”.
Tensa audiência de confirmação
Durante a audiência de confirmação no Comitê de Inteligência do Senado, Gina garantiu ter uma “forte bússola moral” e deu sua “palavra pessoal” de que o “programa de interrogatórios” não será retomado em sua gestão. “Eu não colocaria os agentes da CIA em risco, pedindo-lhes que realizassem atividades polêmicas e arriscadas de novo. Eu não permitiria que a CIA realizasse uma atividade que eu pense que seja imoral, mesmo que seja legal tecnicamente. Não autorizaria isso, de modo algum”, garantiu, em seu depoimento.
Evasiva, Gina não condenou o programa em seu testemunho, lembrando que a prática era considerada legal pelo Departamento de Justiça à época e autorizada pela Casa Branca. “Acredito que a CIA fez um trabalho extraordinário para evitar um outro ataque com as ferramentas legais que nos forneceram”, afirmou. Ela se referia, assim, ao procedimento realizado, sob sua supervisão, em algum local secreto de detenção da CIA na Tailândia, em 2002. O suspeito de pertencer à rede Al-Qaeda Abd al-Rahim al-Nashiri foi submetido a simulações de afogamentos nessa instalação. Entre outras técnicas usadas, estavam agredir os detentos contra a parede, confiná-los em uma espécie de caixão, ou privação do sono por dias.
“Não vou sentar aqui, a posteriori, e julgar as pessoas muito boas que tomaram difíceis decisões, que estavam dirigindo a agência em circunstâncias muito extraordinárias”, frisou, dirigindo-se ao Comitê, que recomendou, por dez votos a cinco, que sua indicação fosse aprovada no plenário da Casa.
Em uma carta crucial enviada a Warner depois dessa audiência e antes da votação em plenário, Gina insistiu em que a agência “não” deveria ter usado as “técnicas avançadas de interrogatório”. Segundo ela, “os Estados Unidos devem ser um exemplo para o resto do mundo, e eu apoio isso”. Ainda na carta, Gina acrescenta: “Embora não vá condenar quem fez essas duras escolhas, e eu observei o valoroso material de Inteligência coletado, o programa prejudicou, sim, em última análise, nossos agentes e nossa posição no mundo”.
Técnicas proibidas desde 2009
O programa começou em 2002, meses depois da captura de Abu Zubaydah, o primeiro detento posto sob custódia da CIA e para quem essa lista de técnicas avançadas de interrogatório teria sido inicialmente pensada. Os procedimentos seriam parte do programa de detenção previsto no memorando confidencial lançado pelo então presidente W. Bush em setembro de 2001. O documento autorizava a captura e a detenção de “terroristas”, sem menção aos interrogatórios. Em 2005, abriu-se uma investigação do programa, que foi encerrado em 2007. O presidente Obama proibiu o uso dessas técnicas em 2009, em seu primeiro ano de governo. Em um relatório de 2014, o Comitê de Inteligência criticou a CIA pela prática, concluindo que seus custos não eram proporcionais aos resultados e que as informações de Inteligência poderiam ter sido obtidas por outros meios. O processo de nomeação de Gina trouxe esse debate à tona, incluindo sua defesa renovada por parte dos envolvidos.
Mais de 30 anos na CIA
Natural do Kentucky, Gina Haspel, de 61, é uma veterana na CIA, onde atua há 33 anos. Trabalhou na África, na Europa e em destinos secretos, com longa experiência de operações clandestinas. Já serviu quatro vezes como chefe de estação, o posto mais elevado em um país estrangeiro, e ocupou diferentes cargos de alto nível na divisão da operações clandestinas (NSC). Foi promovida a vice-diretora no ano passado, posto no qual permaneceu até a saída de Pompeo, assumindo então como diretora interina. Sem a carga política de seu ex-chefe que já foi representante no Congresso (R-KS), Gina é vista, por seus defensores, como um cargo técnico. A expectativa entre os funcionários que é ela ajude a blindar a agência do excesso de interferências políticas, em tempos de confronto entre o Executivo de Trump e o FBI (a Polícia Federal americana) por conta das investigações sobre a Rússia. Resta saber se ela conseguirá (e se buscará) estabelecer uma relação tão próxima e de confiança como a que Pompeo firmou com o presidente.
Na agenda de trabalho, estão os desafios recorrentes, como a melhoria na coordenação do processo interagências da comunidade de Inteligência (nem sempre fluido e permeado pela disputa de poder), terrorismo e extremismo, conflitos regionais, ou cibersegurança, e questões da ordem do dia, como a saída dos EUA do acordo nuclear com o Irã, Coreia do Norte, China, ou Rússia.