“Nos Estados Unidos, poder político dos fazendeiros se fez à sombra das corporações e do sistema bancário”

Thiago Lima, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pesquisador do INCT-INEU, acaba de lançar “Protecionismo agrícola nos Estados Unidos: Resiliência e economia política dos complexos agroindustriais” pela editora da UNESP.

Thiago Lima, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pesquisador do INCT-INEU, acaba de lançar “Protecionismo agrícola nos Estados Unidos: Resiliência e economia política dos complexos agroindustriais” pela editora da UNESP.

A obra é resultado da tese de doutorado de Lima, Prêmio Capes de melhor Tese de Doutorado na área de Ciência Política e Relações Internacionais de 2014. Nesse estudo, Lima investiga a política de subsídios nos Estados Unidos que transformou a agricultura norte-americana e a submeteu aos interesses de acumulação de vários monopólios ao longo de uma grande cadeia produtiva.

A pesquisa, aliás, foi motivada pela constatação de uma notória contradição: como pode um setor econômico (setor agrícola norte-americano) que representa 1% do PIB daquele país, emprega menos de 1% da força de trabalho, conseguir dominar um Estado com uma economia tão complexa e utilizá-lo para sua proteção? Em suma: como uma minoria se impõe sobre uma maioria.

Tema de imensa pertinência para pensarmos a realidade brasileira. Nesta entrevista, inclusive, Lima aborda as semelhanças e diferenças entre o setor agrícola norte-americano e brasileiro. Confiram abaixo:

Quais as principais semelhanças entre o setor agrícola dos Estados Unidos e setor agrícola do Brasil?

Thiago Lima – Brasil e Estados Unidos são muito semelhantes no que toca à agricultura de exportação em larga escala. Ambos possuem um agronegócio bastante integrado com corporações industriais gigantes que fornecem os insumos para esse tipo de produção. As grandes fazendas se concentram em poucas commodities e geram aquelas paisagens monótonas, nas quais se dirige de carro por horas e nada muda. Esse tipo de produção é umbilicalmente dependente das exportações, pois os mercados domésticos não têm a mínima condição de absorver o que é produzido.

Os americanos costumam dizer que 95% dos seus clientes estão no exterior. Isso demonstra a necessidade e a agressividade que precisam ter para conquistar mercados para exportação. O mesmo vale para o Brasil, mas aqui há uma diferença: a exportação agrícola é fundamental para a economia do país conseguir dólares, pois responde por mais de 40% da pauta brasileira, enquanto nos EUA esse percentual é de 10%.

O que procuro demonstrar no livro é que olhar exclusivamente para os dados agrícolas gera uma miopia. A agricultura está profundamente ligada a segmentos industriais, financeiros e imobiliários. Esses setores dependem da continuidade de ciclo de investimentos das fazendas. Isso quer dizer que parte importante dos negócios de poderosos interesses oligopólicos dependem da capacidade de os fazendeiros, no Brasil e nos EUA, contraírem empréstimos, comprarem insumos sofisticados e exportarem. Quando a conta não fecha para os fazendeiros, o Estado precisa pagar a conta, de modo que o ciclo não se interrompa.

Como se dá o protecionismo agrícola norte-americano?

Thiago Lima – O protecionismo é um termo bem amplo e envolve diversas medidas. A principal, na minha avaliação, é a política estrutural de subsídios agrícolas. O que esses subsídios fazem é garantir a capacidade de os fazendeiros continuarem pagando e contraindo empréstimos, pois com eles podem comprar os sofisticados e caros insumos que aumentam a produtividade e atendem a padrões técnicos exigidos pela indústria alimentícia, de rações, de óleos industriais, de agrocombustíveis etc.

O fiador do fazendeiro americano é o Departamento do Tesouro. Quando o mercado de commodities não vai bem e quando os custos de produção superam a renda – o que é bastante comum -, o governo cobre a dívida com subsídios. Isso não significa necessariamente que os fazendeiros embolsam os subsídios e enriquecem com ele. Significa que, na verdade, o governo dos EUA está protegendo as corporações que vendem insumos (John Deere, Monsanto, DuPont etc), os bancos que fornecem os empréstimos e os donos das terras arrendadas.

Então o protecionismo agrícola nos EUA confere aos fazendeiros a possibilidade de colocar seu produto no mercado internacional a preços mais baixos do que seriam necessários para cobrir seus custos. É um protecionismo que permite agressividade para exportar. O ataque é a defesa.

Defende-se a produção interna garantindo condições artificiais de competitividade internacional, e não fechando o mercado americano. Fechar o mercado americano é contra as regras da OMC – e isso não os impedem de fazê-lo, como Trump e outros demonstraram –, mas essa não é uma opção interessante. O excesso de oferta no mercado doméstico jogaria os preços para o chão e destruiria a capacidade de pagamento das fazendas, gerando efeitos em toda a cadeia de suprimentos, para os bancos e para os donos de terras.

A que você atribui a resiliência da política protecionista de subsídios?

Thiago Lima – A resiliência está atrelada, na aparência, à capacidade de os fazendeiros mobilizarem votos e manterem os subsídios na legislação. Mas, no fundo, o que realmente garante essa resiliência, quer dizer, o que realmente torna a voz dos fazendeiros importante é o interesse das grandes corporações, dos bancos e dos donos de terras na continuidade do investimento das fazendas. E há aí também o próprio interesse do Estado em manter as operações desses segmentos não-agrícolas.

Se as fazendas investem menos, os setores industriais, financeiros e imobiliários ficam menos dinâmicos. Isso pode gerar desemprego, diminuir a arrecadação fiscal. E mais grave: se a capacidade de endividamento e investimento das fazendas cair drasticamente, pode haver crise bancária no meio rural, como houve nos anos 1910, 1930, 1980 e em parte nos anos 1990.

Nessas ocasiões, o excesso de oferta e uma atuação insuficiente do Estado para cobrir as dívidas geraram essa crise de investimento. Então, a história ajuda a entender que a resiliência decorre de diversos interesses, não apenas dos votos que os fazendeiros conseguem mobilizar nas eleições ou do seu poder de lobby.

O termo resiliência é utilizado em oposição ao termo resistência. Resiliência indica a capacidade de absorver impactos, de ser flexível, de se deformar e retomar à forma anterior, de se adaptar. O termo resistência remete a algo mais simples, como a capacidade de não se dobrar, por exemplo, de se manter rígido. Em outras palavras, a política protecionista é resiliente. Ela sofre impactos, ela se modifica, ela se fortalece e se enfraquece, mas ela continua lá.

Em que medida essa política atinge o Brasil?

Thiago Lima – Essa política atinge o Brasil e os outros países agroexportadores, porque os fazendeiros americanos podem operar abaixo dos custos de produção, pois sabem que o Estado vai cobrir a diferença. Mas também afeta os produtores agrícolas que não pensam em exportar.

Como os EUA precisam exportar desesperadamente, eles buscam entrar em qualquer mercado possível e, em muitos casos, isso desloca inclusive a agricultura que seria voltada para a alimentação doméstica.

As oligarquias rurais nos Estados Unidos são iguais às do Brasil em termos de poder e representatividade no Congresso? Como se dá essa disputa?

Thiago Lima – Acho que a relação de poder é diferente nos dois países. Nos EUA não existem tantas fazendas gigantes como no Brasil, parece que não há uma relação que se aproxime do coronelismo na proporção em que vemos no Brasil. Lá também existem congressistas dedicados aos temas do agronegócio, como aqui, mas a trajetória histórica é diferente.

No Brasil, infelizmente, existem populações em condição de miséria em torno dos ruralistas e isso confere a eles um poder enorme. Nos EUA não é bem assim. No Brasil, as oligarquias têm poder por concentrarem muitas terras, pelas altas rendas que recebem das exportações, o que lhes dá poder econômico e político. O que o livro argumenta é que, nos EUA, o poder político dos fazendeiros decorre da sombra das corporações e do sistema bancário.

A China tem retaliado os EUA em produtos agrícolas, principalmente a soja, por causa da guerra comercial entre ambos. O protecionismo agrícola pode proteger os produtores americanos nesses casos?

Thiago Lima – A política de subsídios é um conjunto complexo de medidas e que varia ao longo do tempo. Existem subsídios que são contracíclicos, ou seja, eles aumentam conforme diminui o preço internacional dos produtos. Então será preciso verificar como a interrupção das importações chinesas vai afetar o mercado internacional.

A China absorve cerca de 60% das exportações de soja dos EUA. Mas também há proteção na forma de seguros, que também podem ser vistos como subsídios. Enfim, é preciso verificar se a legislação agrícola de 2014, a Farm Bill de 2014, dispõe de mecanismos e recursos para lidar com casos assim.

Minha aposta é que o governo irá conceder recursos aos fazendeiros prejudicados com essas medidas, não só em apoio a esses fazendeiros, mas em apoio às corporações como John Deere, Archer Daniels Midland e ao sistema bancário. As ações da Deere caíram mais de 10%, por exemplo.

Paralelamente, a China vai precisar importar esses produtos de outros fornecedores, o que pode ampliar as vendas brasileiras. E isso pode não ser positivo, se levar ao aumento do desmatamento e dos conflitos por terra. Mas, voltando aos EUA, o fato é que os exportadores americanos poderão perder o mais importante Market-share internacional.

O que te motivou a estudar esse tema e por que devemos estar atentos a ele neste momento?

Thiago Lima – Eu decidi estudar esse tema porque queria entender como uma minoria se impõe sobre uma maioria. Quer dizer, como pode um setor econômico que representa 1% do PIB dos EUA, que emprega menos de 1% da força de trabalho, conseguir dominar um Estado com uma economia tão complexa e utilizá-lo para sua proteção.

Veja que se os EUA abrissem mão do protecionismo agrícola, eles conseguiriam muitas concessões dos países em desenvolvimento na Rodada Doha. Poderiam ampliar as exportações de industrializados, poderiam obter regras mais rígidas para propriedade intelectual, poderiam ampliar a liberalização de serviços internacionais. Mas, a Rodada Doha da OMC continua travada em grande parte por causa do protecionismo agrícola dos EUA.

Enfim, a conclusão a que cheguei é que não é o 1% que domina o Estado. O que aparece na superfície é o 1%, mas a sua força vem das grandes corporações, do sistema bancário e do próprio Estado.

Devemos estar atentos ao tema porque as tensões agrícolas envolvendo os EUA não são exclusivamente agrícolas. A disputa na OMC, por exemplo, não é contra os fazendeiros dos EUA. É contra os complexos agroindustriais. É contra a Caterpillar, a Monsanto. É contra o sistema bancário que faz empréstimos para clientes que tem como fiador o Departamento de Tesouro dos EUA.

E o Estado americano tem que se esforçar para manter as fazendas contraindo empréstimos e investindo, até como uma forma de cativar as grandes corporações. Do contrário, essas corporações podem migrar para outros países. É uma força e uma batalha muito maior do que eu supunha a princípio.

Aos interessados, o livro pode ser adquirido neste link.

 

Artigo originalmente publicado em 03/05/2018, em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Poder-e-ContraPoder/-Nos-Estados-Unidos-poder-politico-dos-fazendeiros-se-fez-a-sombra-das-corporacoes-e-do-sistema-bancario-/55/40092

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