Em uma cúpula alto-astral da Coreia, Kim estabelece as bases para o encontro com Trump
por Anna Fifield
Artigo traduzido do The Washington Post*
O norte-coreano, Kim Jong-un, estabeleceu as bases para a reunião com o presidente Trump no próximo mês, mostrando disposição para discutir a desnuclearização e tentar apagar a ideia de ele ser o “Homenzinho do Foguete” não confiável.
Numa surpreendente reviravolta nos acontecimentos, na sexta-feira, Kim cruzou a fronteira com a Coreia do Sul para um dia de negociações que começou e terminou com ele de mãos dadas com o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in.
Eles conversaram, brincaram, caminharam, comeram e se abraçaram quando assinaram uma declaração conjunta prometendo trabalhar para o “objetivo comum” de desnuclearizar a península.
“Hoje, vimos a ofensiva charmosa de Kim Jong Un em ação”, disse Duyeon Kim, membro visitante no Fórum do Futuro da Península da Coreia, em Seul. “Ele exerce sua influência e tenta atrair os holofotes com um grande sorriso. Mas usa um disfarce por trás desse sorriso.
De fato, com a cúpula histórica de sexta-feira e a promessa ousada, ainda que vaga, de discutir a renúncia ao seu programa nuclear, Kim tenta reescrever a narrativa pública sobre si e aliviar um pouco a pressão externa.
“Coisas boas estão acontecendo, mas só o tempo dirá!”, tuitou Trump na manhã de sexta-feira em Washington, depois de ter defendido uma campanha de “pressão máxima” contra Kim.
A cordialidade da reunião e as imagens positivas transmitidas para as telas de TV no mundo inteiro montaram o palco para Kim se reunir com Trump no final de maio ou início de junho. Trump disse que participaria das negociações se houvesse chance de elas serem “frutíferas”, o que foi provavelmente alcançado nas reuniões de sexta-feira.
Kim e Moon assinaram, na sexta-feira, um documento de três páginas intitulada “Declaração Panmunjom”, em homenagem à aldeia na zona desmilitarizada entre as duas Coréias onde aconteceu a trégua da guerra, afirmando que “a Coreia do Sul e a do Norte confirmaram o objetivo comum de idealizar, através da desnuclearização completa, uma península coreana livre de armas nucleares. ”
As duas Coreias concordaram em “buscar ativamente o apoio e a cooperação da comunidade internacional” nesse esforço.
Mas o acordo teve poucos detalhes e a frase “uma península coreana livre de armas nucleares” vai disparar um alarme em Washington, pois implica que as armas nucleares também não serão permitidas na Coreia do Sul.
Os Estados Unidos, aliado da Coreia do Sul, enviam regularmente aviões e navios para exercícios militares no sul, de modo que essa cláusula levantará suspeitas de que Pyongyang esteja pedindo uma mudança significativa na aliança EUA-Coreia do Sul.
Moon já havia dito que Kim não insistiria na retirada das tropas americanas da Coreia do Sul, e não houve mesmo menção a isso no acordo de sexta-feira.
Kim não mencionou a palavra “desnuclearização” para a imprensa após assinar o acordo, embora não tenha se distanciado dessa mensagem.
“Vamos trabalhar para garantir que o acordo tenha bons resultados, comunicando-nos para garantir que falhas na implementação de acordos Norte-Sul no passado não se repitam”, afirmou Kim em frente às câmeras.
Acordos inter-coreanos anteriores também prometeram a desnuclearização, e há grande ceticismo, particularmente em Washington e Tóquio, sobre essa vez ser diferente.
Depois de um ano de ameaças e lançamentos de mísseis que levaram o espectro da guerra de volta à península coreana, o fato de Kim ter assinado uma declaração que inclui a palavra “desnuclearização” já foi um progresso significativo.
E o acordo de sexta-feira marca uma mudança expressiva em relação a declarações anteriores de Kim sobre continuar a expandir seu arsenal nuclear, disse Patrick McEachern, do Wilson Center em Washington.
Em vez disso, os dois líderes estabeleceram uma estrutura para a resolução plausível das questões mais prementes na península, disse ele.
“Este é um ótimo começo e deve ser motivo de otimismo cauteloso”, falou McEachern, que trabalhou sobre Coreia do Norte no Departamento de Estado. “A conversa agora deve mudar, da especulação sobre se a Coreia do Norte consideraria a desnuclearização, para como a Coreia do Sul e os Estados Unidos podem transformar em medidas concretas essa promessa de desnuclearização”.
Mesmo os analistas mais otimistas ficaram surpresos com o escopo do acordo.
“Não se pode pedir mais do que isso”, disse John Delury, professor de Relações Internacionais da Universidade Yonsei, em Seul, e um defensor entusiasta do engajamento diplomático.
“Sim, ainda há dúvidas sobre como garantir a segurança da Coreia do Norte no caminho da desnuclearização. Mas fiquei surpreso por eles terem ido tão longe neste estágio inicial; que Kim Jong-un não tenha guardado isso para o encontro com Trump ”, acrescentou Delury.
Kim e Moon também concordaram em trabalhar para transformar o acordo de armistício que encerrou a Guerra da Coreia, em 1953, num tratado de paz que acabaria oficialmente com a guerra.
“As Coreias do Sul e do Norte vão cooperar ativamente para estabelecer um regime de paz permanente e sólido na península coreana”, disse o comunicado conjunto em Inglês, traduzido oficialmente pela Casa Azul, sede presidencial do sul.
A versão coreana usou as palavras “tratado de paz” – uma distinção importante. “Tratado” geralmente se refere a um pedaço de papel, enquanto “regime” significa um sistema para a paz, como a interrupção de atividades militares.
“Acabar com o estado atual de armistício e estabelecer um regime de paz robusto na península coreana é uma missão histórica que não deve ser mais adiada”, disse o comunicado.
Os Estados Unidos assinaram o acordo de armistício há 65 anos em nome do lado sul-coreano, e Trump tuitou pouco depois do anúncio de sexta-feira, : “A Guerra da Coreia vai acabar!”
Os dois lados também planejam criar um escritório de ligação inter-coreano em Kaesong, cidade pouco depois do lado norte da fronteira, e Moon disse que visitará Pyongyang neste outono. Kim falou que iria com prazer a Seul se fosse convidado.
A cerimônia de assinatura aconteceu no final de um dia extraordinário, cheio de palavras e gestos que seriam inimagináveis no início do ano.
Às 9:30 da manhã de sexta-feira, Kim deixou o prédio principal no lado norte da linha de demarcação militar que dividiu a Península Coreana por 65 anos e caminhou até a fronteira.
Moon esperava por ele com a mão estendida, e Kim se tornou o primeiro líder norte-coreano a pisar na Coreia do Sul.
“Quando você cruzou a fronteira militar pela primeira vez, Panmunjom se tornou um símbolo de paz, e não um símbolo de divisão”, disse Moon mais tarde a Kim.
Mostrando propensão a movimentos ousados e surpreendentes, Kim pediu que Moon desse um passo atrás com ele na demarcação, no que foi atendido. Por um breve momento, os líderes ficaram de mãos dadas em território norte-coreano.
O momento foi transmitido ao vivo para todo o país, com passageiros assistindo de pé nas estações de trem e professores parando as aulas para que os alunos pudessem assistir.
Na sexta-feira, Moon e Kim passaram horas juntos em conversas formais e numa discussão particular de meia hora de duração, sentados em bancos num parque ao ar livre, sob o sol e cercados pelo canto dos pássaros. Para marcar a ocasião, jogaram terra e água de ambas as Coreias num pinheiro plantado na zona desmilitarizada.
Num determinado momento do dia, Kim garantiu a Moon que ele não precisaria mais madrugar – uma referência ao fato de os lançamentos de mísseis da Coreia do Norte acontecerem geralmente ao amanhecer – e até fez menção aos norte-coreanos que escaparam para o sul. Ele reconheceu que a rede de infraestrutura do norte é muito inferior à do sul.
Como parte de sua ofensiva charmosa, Kim apelou para Moon como um colega coreano, destacando a cultura compartilhada e classificando seus problemas como aqueles que somente eles, enquanto coreanos, poderiam resolver.
Então, depois de um jantar cheio de simbolismo, incluindo macarrão feito em Pyongyang e peixes trazidos da cidade natal de Moon, eles se sentaram juntos na Zona Desmilitarizada para assistir a um show de luzes e música. Tudo isso culminou com os dois líderes coreanos em pé, de mãos dadas, observando suas fotos tiradas ao longo do dia serem transmitidas no prédio de onde o sul geralmente observa o norte.
O resultado foi tão bom quanto Kim esperava, disse Christopher Green, assessor sênior sobre Península Coreana no International Crisis Group.
“Para um tirano governando 25 milhões de pessoas em um canto do leste da Ásia, isso é muita coisa”, disse ele.
Tradução por Solange Reis
* Artigo originalmente publicado em 27/04/2018, em https://www.washingtonpost.com/world/asia_pacific/north-and-south-korea-agree-to-work-toward-common-goal-of-denuclearization/2018/04/27/7dcb03d6-4981-11e8-8082-105a446d19b8_story.html