Repensando o Estado no Capitalismo Globalizado

A Conferência Internacional “Repensando o Estado no Capitalismo Globalizado” e a importância pública da institucionalização de agendas de pesquisa

por Karen Fernandez Costa*

Entre os dias 21 e 23 de março, no Rio de Janeiro e 26 e 27 de março de 2018, em Brasília, ocorreu a Conferência Internacional Repensando o Estado no Capitalismo Globalizado promovida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Políticas Públicas e Estratégias de Desenvolvimento (INCT-PPED), pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

O evento reuniu técnicos de instituições governamentais e organizações internacionais e pesquisadores e docentes brasileiros e estrangeiros dedicados ao tema das capacidades estatais para o desenvolvimento e as variedades de capitalismo. Esta agenda de pesquisa, que tem as obras de Peter Evans como arcabouço teórico orientador, vem sendo desenvolvida no Brasil, desde os anos 1990 e se institucionalizou nos anos 2000, graças à dedicação e aos esforços de professores como Ana Célia Castro, Renato Boschi, Maria Antonieta Leopoldi, Eli Diniz, Peter May entre outras importantes referências neste campo temático.

Evans, que participou da Conferência Internacional, destaca em suas obras, e especialmente no livro Embedded Autonomy: states and industrial transformation, publicado em 1995 pela Princeton University, e traduzido, em 2005, pela editora da UFRJ a importância da articulação entre a burocracia e os grupos sociais, especialmente o empresariado, no processo de transformação industrial. No contexto dos anos 1990 em que o ideário liberalizante, de modo geral, predominava nas políticas públicas e nas organizações internacionais, Evans estava entre as vozes dissonantes. Destacava a importância da capacidade de ação do Estado nos processos de mudança estrutural e, especificamente, de um Estado burocrático transformador que atuasse a partir da combinação entre autonomia e inserção social. A articulação e parceria entre burocracia e empresariado foi considerada variável-chave nestes processos. A obra de Evans foi sem dúvida um marco para os estudos sobre o tema das capacidades estatais para o desenvolvimento no Brasil, bem como sobre as variedades de capitalismo e impulsionou uma gama significativa de trabalhos que se detiveram na análise dos caminhos, desafios, limitações e dificuldades do processo brasileiro, a partir do ponto de vista do institucionalismo histórico. Tal como destaca Diniz (2010), as abordagens propõem um enfoque que resgata a relevância do papel regulador, indutor e coordenador do Estado. A natureza e a qualidade do intervencionismo estatal são variáveis chave “na discussão sobre as vias de desenvolvimento no contexto do capitalismo globalizado, reconhecendo-se a pertinência de distintas modalidades de ação estatal. Ademais, deve-se acrescentar, admite-se a existência de várias formas de capitalismo, distintas combinações institucionais e a importância da função de coordenação estatal para alcançar o aumento do crescimento e da competitividade das economias nacionais (Soskice, 1999; Kitchelt, Lange, Marks & Stephens, 1999; Hall & Soskice, 2001; Amable, 2003)”.

A Conferência Internacional Repensando o Estado no Capitalismo Globalizado é um dos resultados do avanço desta agenda de pesquisa no Brasil. Nela Evans trouxe para o debate um tema recorrente nos seus últimos trabalhos, isto é, a importância da sociedade civil e a necessidade de se avançar para uma democracia participativa. Para o professor, a mobilização social constitui um elemento novo com capacidade de se contrapor aos efeitos tóxicos do capitalismo. Acredita que os momentos de sofrimento da sociedade civil implicam pressão sobre o Estado para que ele realize as demandas apresentadas. Os interesses coletivos e as instituições constituiriam freios e contrapesos sociais fundamentais à dinâmica do capitalismo e atuariam como forças compensatórias que garantem sua estabilidade como sistema socioeconômico. Defende que a implementação do Estado desenvolvimentista no século XXI terá que se alicerçar nos exemplos bem sucedidos de mobilização da sociedade civil e na capacidade de ampliá-los.

Outra presença marcante na conferência foi a do sociólogo e docente da Universidade da Califórnia, Fred Block. Autor de várias obras e artigos sobre as dinâmicas do capitalismo e a relação entre Estado e mercado, dedicou-se mais recentemente ao tema da Inovação nos Estados Unidos destacando o papel do Estado neste processo. Partindo de exemplos da realidade estadunidense, enfatizou a relação de dependência dos capitalistas para com o Estado nos mais diversos setores. Citou a área de infraestrutura (de transportes a internet), Inovação (da penicilina aos drones) e dinheiro e crédito (bancos criam dinheiro na medida em que confiam no apoio do governo). Defendeu reformas, semelhantes às empreendidas pelo New Deal, capazes de edificar estruturas globais e nacionais para apoiar um novo período de ganhos igualitários e democráticos.

Embora as capacidades estatais do Estado brasileiro e as políticas implementadas desde o início do século XXI fossem o objeto principal das pesquisas e das reflexões, os demais conferencistas presentes buscaram situar o Brasil no contexto das relações com a China e os Estados Unidos e no cenário mais amplo das organizações internacionais no sistema financeiro internacional e na atual divisão internacional do trabalho. Demonstrando a inconsistência de perspectivas que vislumbram a homogeneização na direção do modelo neoliberal, os trabalhos discutiram os atuais desafios a um padrão competitivo de inserção internacional do Brasil. Foram debatidos temas como o papel e a atuação da China; o Brasil nos BRICS; os desafios à governança financeira global e o imperativo de maior regulação do sistema financeiro internacional; as vicissitudes de instituições como FMI e Banco Mundial e a atuação e as possibilidades do Brasil em cada uma delas; as dificuldades e potencialidades das políticas de inovação e as falhas do modelo implementado no Brasil no período recente; as políticas industriais no contexto da indústria 4.0 e a centralidade da Sociedade Civil nas possíveis respostas às transformações em curso.

A maior parte das pesquisas apresentadas é desenvolvida no âmbito do INCT-PPED, que foi também o principal organizador do evento e articulador de uma rede de pesquisadores brasileiros e internacionais. É fundamental destacar o papel dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, os quais são fruto de um programa criado em 2009 e renovado em 2016 no âmbito do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Concebidos e implementados com o intuito de desenvolver conhecimento de ponta em áreas estratégicas, formar jovens pesquisadores, articular grupos de pesquisa, formar recursos humanos, transferir conhecimento para a sociedade, impulsionar a internacionalização e fomentar o conhecimento em áreas consideradas estratégicas para o país, a maior parte deles se concentra em áreas das chamadas “ciências duras”. De um total de 125 INCTs, apenas 10 são da área de Ciências Humanas.

Para além do debate acadêmico de ponta, o INCT-PPED promoveu um encontro que se destacou pela sua capacidade de difusão do conhecimento produzido sob a égide do instituto, mas especialmente por produzir e articular um conhecimento capaz de embasar e fornecer subsídios para o processo de formulação de políticas públicas no país e alimentar o debate público sobre projetos alternativos de desenvolvimento e do papel do Estado e da sociedade. O INCT-PPED e o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para o Estudo sobre os Estados Unidos (INCT-INEU) – organizador e promotor deste portal –  contam com temas distintos de pesquisa, mas possuem objetivos semelhantes e agendas complementares.

Com linhas de pesquisa que versam sobre a política econômica internacional dos Estados Unidos, sua grande estratégia e política de segurança, bem como seu papel nas estruturas de governança global, o INCT-INEU tem produzido trabalhos e análises que buscam o aprofundamento do conhecimento sobre estas dinâmicas e que são fundamentais como potenciais subsídios para o processo de formulação da política externa brasileira, mas não só. As instituições, os processos internos e a política externa dos Estados Unidos têm efeitos e impactos no Sistema Internacional e consequências e implicações para o Brasil. Do mesmo modo, a atuação da superpotência nos órgãos de governança internacional afetam os países periféricos. O conhecimento qualificado destes processos deveria amparar decisões relacionadas às políticas domésticas e ser difundido na academia, nos órgãos governamentais e, de modo geral, na sociedade brasileira. O OPEU é uma iniciativa fundamental de difusão. Por fim, ainda que sejam poucos os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia na área de ciências humanas, o INCT-PPED e o INCT-INEU demonstram com sua produção e ações a importância de se apoiar e financiar a produção de conhecimento de ponta nas ciências humanas.

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