Eleições

Os elos entre Trump, o Super PAC John Bolton e a Cambridge Analytica

por Solange Reis

O Super PAC John Bolton, comitê de ação política dirigido pelo novo conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, foi um dos primeiros clientes da Cambridge Analytica.

Formada em 2013 como o braço nos Estados Unidos da SCL Elections Ltd, empresa indiretamente envolvida na campanha no Reino Unido a favor do Brexit, a Cambridge Analytica tem como co-fundadores Robert Mercer, maior doador financeiro para o candidato Donald Trump, e Steve Bannon, guru da direita radical tido como principal estrategista da campanha do republicano.

Na últimas semanas, a Cambridge Analytica vem ocupando as manchetes mundiais como pivô do escândalo sobre apropriação de dados de 50 milhões de usuários do Facebook e sobre propagação de notícias falsas para influenciar as eleições de 2016.

O contrato de US$ 1,2 bilhão assinado entre o Super PAC e a consultoria política estipulava o trabalho de consultoria para eleger candidatos republicanos nos estados de Arkansas, Carolina do Norte e New Hampshire no Senado, colocar questões de segurança nacional no debate público e catapultar o perfil de Bolton.

Também incluía a modelagem psicográfica de usuários de redes sociais. A técnica de psicografia modelada, vendida pela Cambridge Analytica como um diferencial de mercado, promete identificar a personalidade e as preferências latentes e manifestas dos internautas. Depois de mapear o perfil psicológico dos usuários, a empresa garante levar às pessoas as informações que elas gostariam de receber, mesmo quando se trata de um desejo inconsciente.

Reportagens do The New York Times, do Observer e do Channel 4 News mostraram que a empresa fez bem mais do que usar velhas táticas de marketing nas novas plataformas digitais. Começando pela contratação de Aleksandr Kogan, professor de neurociência na Universidade de Cambridge, para desenvolver um aplicativo-isca no Facebook. A maioria das pessoas não sabia que, ao acessar o teste online “thisismydigitallife”, abria seus dados pessoais e de seus amigos virtuais para o aplicativo e, consequentemente, para a Cambridge Analytica.

A imprensa também mostrou vídeos em que executivos da Cambridge Analytica falam sobre fabricação de fatos e notícias para subornar políticos e engajar as platéias rastreadas nas redes sociais. Um deles é o britânico Alexander Nix, subordinado direto de Bannon na Cambridge analytica e responsável pelas operações da empresa na campanha de Trump.

O processo nem é tão complexo para quem sabe operar os algoritmos. Alguém identificado como neurótico, por exemplo, poderia se interessar pelo vídeo de um muçulmano invadindo uma residência. Pessoas com perfil racista leriam notícias sobre estupros cometidos por latinos, e assim por diante. Na falta de notícias reais, criaria-se falsas. Candidatos radicais com discursos incendiários para esse tipo de audiência são os clientes potenciais da consultoria.

Parte dessa engrenagem tinha sido noticiada pelo jornal The Guardian em 2015, mas a história ganhou impulso agora com o depoimento de Christopher Wylie, analista de dados britânico que participou da fundação da Cambridge Analytica. Wylie revelou e documentou o esquema para a imprensa, confirmando que o Super PAC John Bolton sempre soube dos métodos operacionais da empresa.

“O Super PAC de Bolton estava obcecado com a maneira como os Estados Unidos tornavam-se efeminados e fracos, e queria pesquisas e mensagens para questões de segurança nacional. (…) Implicava fazer com que as pessoas tivessem uma visão de mundo mais militarizada”, conclui Wylie.

O próprio John Bolton participou do projeto da empresa para divulgação de vídeos no YouTube. Dependendo do público a ser atingido, que era selecionado a partir do garimpo digital da Cambridge Analytica, Bolton adaptava as palavras e o tom de voz.

Há grande controvérsia sobre a eficácia da modelagem psicográfica. No caso do republicano Ted Cruz, que usou os serviços da Cambridge Analytica em 2015, mais da metade das pessoas identificadas pela empresa como seus eleitores potenciais votaram em outros candidatos.

Mesmo com resultados ruins no caso de Cruz, os executivos da Cambridge Analytica conseguiram “convencer” os organizadores da campanha de Trump. Àquela altura, Robert Mercer já tinha trocado Cruz por Trump como o preferido entre os candidatos republicanos. Engenheiro de computação por formação, Mercer enriqueceu com a criação de um fundo de investimentos em ativos de tecnologia. Com uma visão conservadora e “antissistema”, o bilionário passou a apostar pesado na política.

As peças se encaixam num quebra-cabeças de fácil resolução. Bem antes de Trump se candidatar, Mercer já contratava ativistas radicais para sua equipe. O mais notório foi Steve Bannon, ex-editor do Breitbart News, site de ultradireita conhecido por difundir notícias falsas, teorias da conspiração e ódio das minorias sociais.

Bannon se tornaria presidente do conselho da Cambridge Analytica, cujo nome teria sido ideia sua em referência à origem do aplicativo usado no Facebook –  e um dos cabeças da campanha de Trump. Depois da eleição, ocupou nada menos do que o cargo de estrategista-chefe da Casa Branca por alguns meses, até sair em uma das muitas danças de cadeira do atual governo.

Dos US$ 22 milhões doados por Mercer na campanha de 2016, US$ 5 milhões foram para o Super Pac John Bolton. Concentração elevada de doação para a organização cujo líder assume agora um posto decisivo na política de segurança da maior potência militar do mundo.

Todo esse envolvimento personalizado na política foi facilitado pela mudança nas regras de financiamento de campanha. Em 2010, a Suprema Corte permitiu o fim de barreiras para doações de campanha por empresas, indivíduos e grupos sem fins lucrativos. A medida abriu oportunidade para mega doadores do Partido Republicano, como Mercer, e do Partido Democrata, como Thomas Steyer, entrarem mais fundo na política.

Naturalmente, a influência de Mercer aumentou depois das eleições. A Cambridge Analytica, por exemplo, ganhou contratos com o Pentágono, com o Estado-Maior e com o Departamento de Estado, entre outros órgãos governamentais.

Outra organização que passou a usar a Cambridge Analytica foi a American First Policies, grupo sem fins lucrativos criado para propagar as políticas do governo Trump país afora. Rebekah Mercer, filha de Robert Mercer, presidiu a instituição até recentemente, quando passou a se dedicar à congênere Making America Great.

Mas a Cambridge Analytica também chama atenção onde preferiria passar despercebida. O procurador-especial, Robert Muller, encarregado da investigação sobre os elos da equipe de campanha de Trump e funcionários do governo russo nas eleições de 2016, vem investigando a empresa nas últimas semanas. Os motivos são os contatos entre Alexander Nix e Julian Assange para discutir o rastreamento de 33 mil emails oficiais apagados por Hillary Clinton em seu servidor particular enquanto era secretária de Estado. A conversa entre o britânico Nix e o australiano Assange também teria versado sobre a suposta colaboração entre Trump e a Rússia nas eleições.

Duas organizações de direitos civis, Citizens for Responsibility and Ethics e Democracy 21 abriram uma queixa criminal no FBI e no Departamento de Justiça contra Steve Bannon, o Super PAC John Bolton, a Campanha Trump e a Cambridge Analytica. A alegação é a de que eles violaram a lei eleitoral dos Estados Unidos, que não permite a participação direta ou indireta de estrangeiros nas eleições.

Duas semanas depois da contratação da Cambridge Analytica, advogados a serviço do Super PAC John Bolton teriam enviado um memorando a Bannon e Nix explicando o passo a passo para a não violação da lei, incluindo o disfarce da participação dos estrangeiros na estratégia de campanha. Apesar de as instruções terem sido ignoradas por Bannon e Nix, o Super PAC manteve o contrato e o serviço prestado pela consultoria.

É difícil determinar se, e em que termos éticos, a Cambridge Analytica ajudou Trump a se eleger. Mas torna-se cada vez mais seguro afirmar que a ligação entre Bolton, Bannon, Trump e Mercer não se restringe à metodologia controversa de propaganda eleitoral. Isso foi apenas um dos instrumentos dos objetivos da agenda claramente conservadora para a política doméstica e exterior dos Estados Unidos.

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