Sim, John Bolton é realmente muito perigoso
Editorial
Artigo traduzido do The New York Times*
A coisa boa sobre John Bolton, o novo conselheiro de Segurança Nacional do presidente Trump, é que ele diz o que pensa.
A coisa ruim é o que ele pensa.
Poucas pessoas teriam mais chance de levar o país à guerra do que Bolton. Sua escolha é uma decisão das decisões mais alarmantes que Trump já tomou. Sua escolha, junto com a indicação do diretor linha-dura da CIA, Mike Pompeo, como secretário de Estado, mostra até que ponto Trump está satisfazendo seus piores instintos nacionalistas.
Bolton acredita, em particular, que os Estados Unidos podem fazer o que quiserem sem levar em consideração o Direito Internacional, tratados, ou compromissos políticos de administrações anteriores.
Ele defende um ataque à Coreia do Norte para neutralizar a ameaça de suas armas nucleares, o que poderia deflagrar uma guerra terrível ao custo de dezenas de milhares de vidas. Ao mesmo tempo, menosprezou esforços diplomáticos, incluindo conversas planejadas para final de maio entre Trump e o líder norte-coreano, Kim Jong-un. Ele não apenas quer revogar o acordo a seis partes que tem, desde 2015, limitado significativamente o programa nuclear do Irã. Em vez disso, exige que se bombardeie o Irã. Também difama as Nações Unidas e outras convenções multilaterais – como Trump fez –, privilegiando soluções unilaterais.
Ao longo de 30 anos de carreira, durante a qual serviu a três presidentes republicanos, e que incluiu os postos de embaixador nas Nações Unidas e de responsável no Departamento de Estado pelo controle de armas, Bolton desprezou amplamente a diplomacia e o controle de armas em favor das soluções militares. Ninguém se esforçou mais do que ele para implodir o acordo de 1994 sob o qual o programa de plutônio da Coreia do Norte foi congelado por quase oito anos em troca de óleo combustível pesado e de outras ajudas. O colapso desse acordo contribuiu para nos levar à crise de hoje, em que se acredita que a Coreia tenha 20, ou mais, armas nucleares.
Se as críticas de Trump à guerra do Iraque durante a campanha levantaram a possibilidade de que ele pudesse adotar uma postura menos agressiva em política externa, ninguém foi um proponente mais veemente daquela desastrosa invasão do que Bolton – uma posição à qual ele não renunciou. À época, Bolton disse que os iraquianos dariam as boas-vindas às tropas americanas. Ele também disse que o papel militar dos Estados Unidos estaria rapidamente acabado tão logo os iraquianos exercitassem sua nova liberdade de Saddam Hussein e estabelecessem uma democracia. Esse é o tipo de posição simplista e equivocada que ele toma na maioria dos casos.
Bolton vai substituir H. R. McMaster, o general três estrelas que alertou contra abandonar o acordo nuclear iraniano sem planos para o que possa vir depois e tinha outras diferenças políticas com o presidente. Bolton será o terceiro conselheiro de Segurança Nacional nos 14 caóticos meses de Trump no cargo.
Enquanto o general McMaster nunca teve uma vida fácil na Casa Branca, Bolton já teve algum tipo de relação com Trump. Encontrou-se com o presidente algumas vezes e é comentarista da Fox News, a qual o presidente perde muito tempo assistindo.
Bolton fez uma campanha forte pelo cargo, mesmo depois que Trump o rejeitou para essa posição e para secretário de Estado. Em parte porque – é sério – o presidente não gostava do bigode peludo dele.
O conselheiro de Segurança Nacional é a pessoa que vai garantir que o presidente ouvirá as visões de todas as agências de Segurança Nacional, incluindo os Departamentos de Estado e da Defesa, e a pessoa que guia a política para uma decisão. É difícil ver Bolton agindo como um mediador honesto. Ele é conhecido por jogar um jogo implacável nos bastidores, enquanto manobra para vencer as batalhas burocráticas e põe na geladeira pessoas que ele acha que cruzaram o caminho dele. Ele é tão criticado que não conseguiu ser confirmado como embaixador das Nações Unidas em 2005, então o presidente George W. Bush lhe deu uma nomeação durante o recesso do Congresso e ele ficou por um ano no posto. Era improvável que o Senado o confirmasse como secretário de Estado, mas o conselheiro de Segurança Nacional não precisa de confirmação.
Trazer Bolton agora, em um momento delicado com a Coreia do Norte, é uma temeridade. Embora Trump tenha ameaçado a Pyongyang com ação militar, ele aceitou o convite de Kim para uma cúpula, mediada pelo presidente da Coreia do Sul, que está ansioso por uma solução diplomática para a crise nuclear.
Bolton, pelo contrário, disse à Fox News no início deste mês que conversas serão inúteis e chamou os líderes sul-coreanos de “marionetes nas mãos da Coreia do Norte”. Em 28 de fevereiro, em um artigo de opinião no “The Wall Street Journal”, insistiu que é “perfeitamente legítimo para os Estados Unidos responderem à ‘necessidade’ atual colocada pelas armas nucleares da Coreia do Norte atacando primeiro”. No verão passado, ele escreveu em “The Journal”: “Os EUA deveriam, obviamente, procurar um acordo da Coreia do Sul (e do Japão) antes de usar a força, mas nenhum governo estrangeiro, mesmo um aliado próximo, pode vetar uma ação para proteger os americanos das armas nucleares de Kim Jong-un”.
Sobre o Irã, Bolton e o presidente estão em sintonia, com ambos alegando que os Estados Unidos deveriam se retirar do acordo nuclear até maio. Em março de 2015, em um artigo de opinião no “New York Times”, ele argumentou que apenas uma ação militar como o ataque de Israel em 1981 ao reator Osirak de Saddam Hussein, ou a destruição de um reator sírio em 2007, “pode conseguir o que é necessário”.
Ir à guerra em quaisquer desses casos criaria não apenas um derramamento de sangue desnecessário: seria desastroso para os Estados Unidos e para seus aliados – Coreia do Sul e Japão. O acordo com o Irã interrompeu substancialmente o programa nuclear e precisa ser mantido. Negociações entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte, que receberam um novo impulso de Trump e Kim, precisam ser testadas.
A posição de Bolton sobre a Rússia – de que a Otan deve ter uma resposta forte para um Kremlin ligado a um caso de envenamento de um ex-espião russo na Grã-Bretanha – é, de alguma maneira, melhor do que a de Trump. Mas sua rejeição a uma solução de dois Estados para o conflito entre israelenses e palestinos e seu apoio ao livro do ativista antimuçulmano Pam Geller são posições inaceitáveis para uma autoridade americana de alto escalão.
Bolton certamente vai acelerar a alienação americana de seus aliados e do restante do mundo. O Congresso não vai conseguir parar sua nomeação, mas deveria se pronunciar contra ela e reafirmar suas responsabilidades sob a Constituição quando o país for à guerra.
* Artigo originalmente publicado em 23/03/2018, em: https://nyti.ms/2pz9SnY