As tarifas de Trump e seus efeitos: guerra comercial e retorno às negociações bilaterais
por Desiree Almeida Pires
As reações internacionais à oficialização da medida protecionista de Trump de aumentar as tarifas sobre as importações de aço e de alumínio em 25% e 10%, respectivamente, já podem ser notadas. Como já abordado por outros pesquisadores, o argumento usado pela administração Trump tenta se sustentar sobre a questão da segurança nacional. Entretanto, conforme as credenciais dos agentes responsáveis pela política comercial atual denotam, o objetivo é fazer política industrial, especificamente, impulsionar a indústria siderúrgica e de alumínio estadunidense.
Nem mesmo internamente esse argumento convence, e o receio é que os efeitos possam ser exatamente o contrário. Embora Trump tenha alegado que o aumento das tarifas é um caso de segurança nacional, o chefe executivo da Aerospace Industries Association, Eric Fanning, mostrou-se preocupado com as possíveis retaliações. Para ele, a medida pode impactar indiretamente a segurança nacional ao reduzir o crescimento econômico do país, sobretudo porque é a economia robusta que tem garantido a preeminência militar dos EUA. A National Defense Industrial Association (NDIA) também assinalou a possibilidade de retaliação como prejudicial à base industrial de defesa e aos militares que dependem dos melhores equipamentos com menores custos produzidos a partir da cadeia global de produção e dos parceiros comerciais.
Ecos pelo mundo
Trump anunciou que os verdadeiros aliados do país – aqueles que não representam ameaças à segurança nacional e que não praticam comércio injusto com os EUA – podem negociar as tarifas, o que tem sido visto tanto como chantagem quanto uma ameaça às regras do comércio internacional, inclusive porque países que contribuírem mais com a OTAN ou que reduzirem tarifas de produtos estadunidenses poderiam ser isentos da nova medida.
A União Europeia será uma das maiores afetadas pelas tarifas de Trump sobre o aço e justamente por isso se posicionou, afirmando que a alegação de Trump é inconsistente, ou seja, não se trata de ameaça à segurança dos Estados Unidos, e ameaçou ir à OMC para retaliar produtos estadunidenses, como calças jeans da marca Levi’s, uísque Bourbon, pasta de amendoim e cranberry, caso não fosse excluída da tarifação. Note-se que a União Europeia no momento se encontra dividida em função do Brexit. Enquanto a Comissão Europeia defende que a negociação deva ocorrer em bloco, o Reino Unido se manifestou indicando a preferência pela negociação bilateral.
O Japão, maior aliado econômico e militar dos Estados Unidos, também afirmou que suas exportações de aço e alumínio não são ameaça à segurança do país. Ao contrário, afirma que tem contribuído para o crescimento da indústria e do emprego estadunidenses. A China, que recentemente limitou a entrada de sorgo dos Estados Unidos, pode fazer o mesmo com a soja. Até o momento, Canadá e México, membros do NAFTA, foram poupados da medida – pelo menos até a renegociação dos acordos do bloco. Por fim, as autoridades estadunidenses cogitam isentar a Austrália.
Impactos no Brasil
Para o Brasil, que tem os Estados Unidos como segundo maior parceiro comercial, destino de cerca de um terço de suas exportações de aço, a situação tende a ser bastante preocupante. O impacto será sentido não apenas no comércio em si, mas também nas finanças – as ações da Usiminas e da CSN registraram queda de 4% após o anúncio de Trump de que poderia elevar as tarifas. Após a oficialização da medida, a queda das ações da CSN e da Gerdau foram de 5,08% e 4,18% respectivamente.
Reunido com o secretário de comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, o responsável pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) do Brasil, Marcos Jorge, afirmou que o aço brasileiro não representa uma ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos, visto que 80% das exportações do Brasil ao país são de produtos semiacabados. O secretário estadunidense se comprometeu a analisar o pedido da delegação brasileira, que ainda poderá pedir recurso para reverter a taxação e levar o caso à OMC.
Atualmente, os insumos brasileiros de aço e alumínio têm pago tarifas de até 0,9% e 2%, respectivamente, para os Estados Unidos que são o principal comprador de aço brasileiro. As novas tarifas tendem a desequilibrar a indústria siderúrgica nacional – responsável por cerca de 100 mil empregos – e a balança comercial brasileira.
Para onde caminhará o comércio internacional?
Após a oficialização da medida de Trump, pelo menos dois efeitos tendem a se revelar no âmbito do comércio internacional. Por um lado, a escalada da guerra comercial pode de fato ocorrer por meio de retaliações mútuas, o que prejudicaria os fluxos comerciais com as diversas barreiras impostas. Mesmo que os Estados Unidos venham a fazer concessão aos países “amigos”, muitos outros tendem a ser prejudicados e devem ir atrás de direitos compensatórios.
Por outro lado, a brecha aberta por Trump aos países considerados verdadeiramente aliados dos Estados Unidos pode ser vista como uma estratégia para a retomada das negociações bilaterais em detrimento do comércio multilateral. Esse tipo de negociação, em uma situação caracterizada por relações assimétricas de poder, tende a beneficiar um lado em detrimento do outro – normalmente o lado com mais recursos de poder.
No contexto das negociações bilaterais, os desequilíbrios nas balanças comerciais seriam acentuados, visto que, via de regra, os países desenvolvidos exportam produtos manufaturados e de alta tecnologia enquanto os países em desenvolvimento exportam sobretudo commodities. Nas negociações multilaterais, os países com menor poder de barganha buscam recorrer às coalizões e assim diminuir suas desvantagens durantes as interações.
Recebido para publicação em 12/03/2018.