A Guerra Comercial em Tempos de Administração Trump

O protecionismo sobre o aço e o alumínio em nome da segurança nacional é mais um golpe sobre a OMC

por Neusa Maria P. Bojikian*

Promessa feita, promessa cumprida. Depois de meses ameaçando colocar o comércio global de pernas para o ar, finalmente o presidente Trump anunciou tarifas arrebatadoras sobre aço e alumínio importados: 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio.  Como em toda interação competitiva, o esperado é a retaliação daqueles países prejudicados e, vale destacar, com poder para tal. O presidente Trump está disposto a pagar para ver, afirmando que “guerras comerciais são boas e fáceis de vencer.

Com essa medida, somada às decisões de retirar o país do acordo de preferência comercial denominado Trans-Pacific Partnership (TPP – envolvendo mais 11 países), de renegociar o NAFTA (envolvendo também o Canadá e o México) e o acordo bilateral com a Coreia do Sul, o presidente realmente entra para a história da economia política internacional. Entra como quem pretende reescrever as regras multilaterais do comércio internacional apoiadas, quando não propriamente escritas, por autoridades americanas de ambos os partidos; pelo menos desde o pós-Segunda Guerra.

A guerra comercial relativa ao aço já foi encenada em outras administrações republicanas. Durante a Administração Reagan, justamente Robert Lighthizer (então vice Representante de Comércio), no começo da década de 1980, pressionou o Japão, Coreia do Sul, México e Reino Unido a limitarem suas respectivas exportações, o que caracterizou violação às regras do então Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT).  Lighthizer é tido como protecionista e hoje em dia persegue sobretudo a China. Em 2011, escreveu um artigo – Donald Trump não é liberal em Comércio – asseverando que os mercados não podem funcionar bem quando a indústria manufatureira se desloca para a China, atraída fundamentalmente pelas políticas governamentais. Os mercados não podem se tornar eficientes com regras comerciais desequilibradas a favor das empresas chinesas.

Em 2002, durante a Administração Bush, a Comissão de Comércio Internacional dos Estados Unidos (ITC) foi acionada para investigar o impacto das importações na indústria siderúrgica do país nos termos do Artigo 201 da Lei de Comércio de 1974. De acordo com as conclusões da ITC, a indústria nacional estava sofrendo danos em decorrência do aumento de importação de aço, o que fez que o presidente impusesse salvaguardas para proteger as empresas domésticas. As tarifas impostas, variando de 8 a 30%, foram programadas para permanecer válidas até 2005. Canadá e México acabaram sendo poupados em razão dos termos do NAFTA. Alguns outros também o foram graças a cálculos políticos e econômicos, casos de Argentina, Tailândia e Turquia. Entretanto, uma série de outros países atingidos resolveram se defender, como União Europeia (EU), Japão, Coreia do Sul, China, Taiwan, Suíça e Brasil, levando o caso à apreciação do Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) da Organização Mundial do Comércio (OMC). O OSC sentenciou que as tarifas violavam os compromissos assumidos por Estados Unidos na OMC e autorizou sanções superiores a US$2,0B contra o país caso não fossem removidas. Unilateralmente, UE ameaçou retaliar sobretaxando produtos específicos como laranjas e carros com reflexos nas exportações de determinados estados: Flórida e Michigan,[5] visando com isso a impingir um custo político a bases importantes do presidente George W. Bush.

Já na Administração Trump, o critério usado para impor barreiras tarifárias tem potencial para desestabilizar o próprio sistema comercial multilateral, o qual, vale notar, tem sido golpeado sistematicamente pelas autoridades americanas. A decisão de tarifar o aço e o alumínio foi animada pelas orientações comerciais de Wilbur Ross – atual secretário de Comércio – de Robert Lighthizer – atual Represente de Comércio – e de Peter Navarro – assistente do presidente para questões de política comercial. Essas autoridades estão convencidas de que o excesso de produção mundial de ambos os metais leva à depreciação dos preços, que por sua vez implica no fechamento de empresas domésticas e, em última instância, ameaça a segurança nacional com a maior dependência do país de fornecedores estrangeiros para materiais críticos. Sendo assim, coube a Wilbur Ross proceder às investigações, amparado pelo que prevê o Artigo 232 da Lei de Expansão de Comércio de 1962.

Os países atingidos como o Brasil, que é o segundo maior exportador de aço para os Estados Unidos (13% do mercado, atrás do Canadá com 16% e à frente de Coreia do Sul, com 10%, México, 9%, e Rússia, 9%) e a UE, tracionada pela Alemanha com 3% desse mercado, podem recorrer ao OSC da OMC contestando a exposição de motivos das autoridades americanas. Entretanto, ao reivindicarem a segurança nacional, os negociadores americanos buscam se proteger com mecanismos fornecidos pelo próprio sistema. Ou seja, exercitam o direito ao alcance de qualquer signatário da OMC de invocar estado de exceção para levantar barreiras comerciais em nome da segurança nacional. O problema substancial é que isso estabelece precedentes para que outras delegações reivindiquem o mesmo, tornando o sistema comercial multilateral enfraquecido material e moralmente. O esperado seria que, diante de situações capazes de distorcer o fluxo do comércio, os negociadores encaminhassem o caso ao OSC. De outro modo, medidas unilaterais levam outros a optar pela retaliação imediata, incitando comportamentos válidos em contextos de guerra ou de incertezas em relação ao comportamento alheio em que cada qual deve ser seu próprio garante.

Diferente, portanto, a Administração Trump se apoia em critério arriscado que vinha sendo evitado, mesmo pelas administrações predominantemente unilateralistas, as quais reiteradamente desafiaram o sistema comercial multilateral apostando que, ao final, o oponente poderia até ganhar, porém não se apropriaria do direito de retaliar devido à assimetria nas relações de poder.

* Pesquisadora e Pós-doutoranda do INCT-INEU com apoio CAPES. Doutora e mestre pelo PPGRI-Unesp-Unicamp-PUC-SP. Autora do livro Acordos comerciais internacionais: o Brasil nas negociações do setor de serviços financeiros (2009, Unesp) e Coorganizadora do livro Negociações econômicas internacionais: abordagens, atores e perspectivas desde o Brasil (2011, Unesp).

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