Política Doméstica

Acordo bipartidário sobre imigração afunda no Senado

por Tatiana Teixeira

Sem a maioria necessária de 60 votos (54 a 45), uma proposta bipartidária sobre imigração sofreu nova derrota no Senado em 15 de fevereiro, não conseguindo levar o texto para debate em plenária na Casa. Por 39 votos contra 60, também naufragou a proposta de Chuck Grassley (R-IA), que contava com o apoio explícito do presidente Donald Trump. Assim, permanece em aberto o destino de 1,8 milhão de jovens, muitos deles beneficiários do Deferred Action for Childhood Arrivals (Daca, ou Ação Diferida para Chegadas na Infância), programa previsto para acabar em 5 de março próximo.

Batalha nos tribunais

O tempo urge, mas esse prazo talvez ganhe uma sobreviva, diante da batalha legal envolvendo o programa. Em 13 de fevereiro, o juiz de distrito Nicholas Garaufis, do Brooklyn (Nova York), bloqueou a medida de Trump, alegando arbitrariedade decisória. Determinação semelhante já havia sido dada em 9 de janeiro pelo juiz de distrito William Alsup, de São Francisco. Em meio à guerra de liminares, no dia 26, a Suprema Corte se recusou a se pronunciar sobre uma demanda da Casa Branca a respeito do Daca. A decisão mantém tudo como está, ou seja, deixa os Dreamers na mesma indefinição jurídica instalada desde o anúncio de Trump em setembro.

Pressão da Casa Branca

Em um de seus inúmeros tuítes na semana da votação, o presidente Trump se referiu à iniciativa bipartidária como uma “catástrofe total”, uma “anistia gigantesca (incluindo para criminosos perigosos)”. Nesse sentido, o empresário nova-iorquino defendeu que “Votar nessa emenda seria um voto CONTRA o exercício da lei e um voto A FAVOR das fronteiras abertas”. Em nota, a porta-voz da Presidência, Sarah Huckabee Sanders, alertou: “essa emenda mudaria drasticamente para pior nossa política migratória nacional, ao enfraquecer a segurança nas fronteiras, e prejudicará nossa lei imigratória atual… A emenda pode minar a segurança das famílias americanas e impedir o crescimento econômico dos trabalhadores americanos”.

Também recorrendo ao discurso do medo, o procurador-geral dos EUA, Jeff Sessions, disse que a aprovação desse texto “será um convite a uma corrida louca pela ilegalidade através das nossas fronteiras”. Outro reforço na pressão do Executivo no tema, a secretária de Segurança Interna, Kirstjen Nielsen, telefonou diretamente para os congressistas para lhes pedir que rejeitassem o projeto.

A abordagem da Casa Branca foi bastante criticada por republicanos e por democratas. “Estou procurando por liderança por parte da Casa Branca, não por demagogia”, alfinetou o senador Lindsey Graham (R-SC), um dos proponentes da emenda bipartidária.

Barganha migratória

Dois pontos são especialmente sensíveis nesse debate: em primeiro lugar, sobre legalizar, ou não, os imigrantes em situação clandestina no país – especialmente em relação aos Dreamers – (e, em caso positivo, como exatamente fazer isso); e, em segundo, até onde ir e o quanto gastar na securitização do tema migratório.

A emenda bipartidária oferece a possibilidade de legalização de status dos jovens que chegaram crianças ao país antes de 2012. Nessa proposta, o caminho para cidadania levaria de dez a 12 anos. Como compensação, cerca de US$ 25 bilhões seriam destinados à segurança na fronteira, com um limite anual de gastos de menos de US$ 2 bilhões, configurando seus dois principais pilares. Diferentemente do plano apoiado pela Casa Branca, não toca na loteria de concessão de vistos do Departamento de Estado e traz algumas mudanças na imigração por critério familiar, as quais se limitariam aos beneficiários do Daca.

Encontrando eco na política de “quatro pilares” defendida pela Casa Branca, o texto de Grassley, John Cornyn (R-TX), James Lankford (R-OK), Thom Tillis (R-NC), David Perdue (R-GA), Tom Cotton (R-AR) e Joni Ernst (R-IA) sugere, entre outros pontos, possibilitar um caminho para a cidadania atrelado a um maior volume de recursos para a segurança na fronteira (os mesmos US$ 25 bilhões) e a um aumento dos poderes de deportação por parte do governo federal. Prevê ainda a ampliação de limites à imigração legal, com restrições ainda maiores ao processo por critérios familiares e com o fim da concessão de vistos por diversidade.

Fim do Daca

Em 5 de setembro passado, Trump confirmou o fim do Daca, uma de suas promessas de campanha. O anúncio foi mais um movimento da gestão republicana para reformular a política migratória no país e adotar uma abordagem mais dura e securitizada. A decisão foi divulgada no fim do prazo imposto ao governo por procuradores de dez estados – Texas à frente – para a revogação do Daca. Caso contrário, prometiam deflagrar uma batalha judicial com potencial de grande desgaste. Em conversa com o presidente sobre o assunto, Sessions teria deixado claro que não defenderia um programa “inconstitucional” em sua origem. O resultado imediato de mais uma medida adotada de modo reativo foi a inclusão de quase um milhão de pessoas em um limbo jurídico e identitário agravado pelo medo da deportação.

O Executivo deu ao Congresso até seis meses para se dedicar a uma ampla reforma migratória, e não apenas à discussão sobre o Daca. Após esse prazo, que termina em 5 de março, o governo garante que agirá unilateralmente. Além da extinção do programa, a Casa Branca quer a melhoria do sistema de concessão de green cards e a adoção de um sistema migratório baseado em pontos, que priorize a alta qualificação profissional e uma formação de excelência dos candidatos.

‘Decisão cruel’

Criado em 2012 por ordem executiva assinada pelo então presidente Barack Obama, o Daca é uma medida de caráter paliativo para proteger esses adolescentes e jovens, temporariamente, da deportação imediata. Uma política similar aprovada por Obama, o Dapa (Deferred Action for Parents of Americans), foi derrubada nos tribunais. Em setembro passado, após o pronunciamento do procurador-geral, Obama divulgou uma longa declaração, na qual criticou o Legislativo por nunca ter aprovado uma lei que permitisse a esses jovens permanecerem nos EUA e chamou de “cruel” a decisão de seu sucessor. “É uma decisão política e uma questão moral”, frisou o democrata.

Rejeição de empresários e universidades

O empresariado – em especial do setor de tecnologia – também reclamou. O CEO da Apple, Tim Cook, disse estar “consternado” com uma decisão que afetará pelo menos 250 de seus funcionários. Facebook, Microsoft, Google, entre outros, também divulgaram seus comunicados. O CEO da Câmara Hispano-Americana de Comércio, Javier Palomarez, acusou Trump de enganar o povo americano, depois de ter prometido, em abril passado, que protegeria os Dreamers. Também questionou o compromisso do governo com a inclusão e seu respeito pela diversidade. Em protesto, renunciou à presidência da National Diversity Coalition, grupo formado por expoentes de minorias para apoiar a candidatura e, posteriormente, o governo Trump.

Em agosto, cerca de 300 empresas já haviam divulgado uma carta em defesa do Daca. Mais de 1.800 governadores, procuradores-gerais, prefeitos, juízes, chefes de Polícia, entre outras autoridades, firmaram um abaixo-assinado em defesa dos Dreamers. De acordo com relatório do Cato Institute (libertarian), revogar o Daca significará um golpe para o desempenho da economia e a perda de bilhões em receita para os cofres públicos na próxima década. Segundo o Center for American Progress (CAP, democrata), serão US$ 460 bilhões a menos. Além do apelo econômico, organizações de defesa dos direitos dos imigrantes destacam o drama humano de separar famílias e transformar radicalmente a trajetória de jovens que construíram sua vida – estudos, amigos, trabalho – e memória afetiva nos EUA.

O crescente eleitorado hispânico

Nos últimos anos, a maioria dos congressistas do GOP tem buscado maneiras de minar o Daca: seja por corte de recursos, seja pela redução de benefícios. Agora, a crítica parece se concentrar, sobretudo, em Obama e na forma como o programa foi implantado. O decreto presidencial teria caracterizado aquilo que o presidente da Câmara de Representantes, Paul Ryan (R-WI), e o líder da maioria no Senado, o republicano Mitch McConnell (R-KY), consideraram como um desrespeito do processo legislativo e um claro abuso da autoridade do Executivo. Já no que diz respeito aos jovens beneficiários do Daca, de origem mexicana em sua maioria (78%), o discurso se ameniza ligeiramente, quando se faz o cálculo dos votos. Ainda assim, esses republicanos não são muitos.

É bom lembrar que 2018 é ano de midterms elections. O voto hispânico cresce não apenas em número, como em participação efetiva, o que lhe dá o peso de fiel da balança em muitos estados. Em 2016, esse grupo respondeu por 9,2% do eleitorado. Em 2012, por exemplo, a ampla margem nessa fatia entre Obama e seu então adversário republicano, Mitt Romney (71% contra 27%, respectivamente), acendeu um sinal de alerta no GOP.

Os Dreamers

Os beneficiários do Daca são imigrantes não documentados que chegaram ao país na infância. Para participar do programa e conseguir uma permissão de trabalho, deveriam já ter completado 31 anos até 15 de junho de 2012, chegado aos EUA antes dos 16 anos, morar no país desde 15 de junho de 2007 e comprovar estudos concluídos, ou em andamento, no que equivaleria ao Ensino Médio no Brasil. Depois de preencherem esses requisitos, passam por uma verificação de antecedentes e pagam uma multa. A autorização deve ser renovada a cada dois anos para manterem as informações atualizadas no banco de dados das agências migratórias. Califórnia e Texas são os estados com mais Dreamers. De acordo com Sessions, cerca de 800 mil “estrangeiros ilegais adultos na maior parte” são beneficiados pelo programa.

Até o momento, esses jovens contam com a simpatia da maioria dos americanos. De acordo com recente pesquisa CNN/SSRS, 83% dos entrevistados são a favor da continuação do programa, contra 12% que defendem sua extinção. O Daca tem 94% de apoio democrata; 83%, independente; e 67%, republicano.

Cerca de 43,3 milhões de imigrantes vivem nos Estados Unidos, o correspondente a 13,5% de uma população total de 321,4 milhões de habitantes. Os mexicanos ainda são o maior número (27%), seguidos de indianos (6%), chineses e filipinos (5% cada). Os imigrantes correspondem a 17% (26,7 milhões) da força de trabalho total (160,6 milhões) nos EUA. Pelo menos 11 milhões se encontram em situação clandestina. Todos os números são referentes a 2015.

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