Trump, o estrangulamento palestino e a irrelevância da diplomacia brasileira
O Brasil perde uma grande oportunidade de expandir sua influência internacional e colher os benefícios diretos e indiretos porque o atual governo não tem a capacidade de se engajar na crise Palestina do ponto de vista da segurança alimentar.
por Thiago Lima*
Estrangulamento humanitário seria típica janela de oportunidade para o Brasil se posicionar como eventual mediador ou potência responsável e engajada pelo menos no combate à fome…
Recentemente o governo Trump suspendeu o repasse de 65 milhões de dólares em ajuda humanitária para os refugiados palestinos, parte significativa desse montante seria revertida para ajuda alimentar e ele ameaça cortar ainda mais. Trump busca estrangular os já desesperados refugiados para forçar a Autoridade Palestina a fechar acordos com Israel. É também uma tentativa de demonstrar que é um negociador duro, sem pudores para defender os interesses nacionais. Mas qual a efetividade dessa estratégia negociadora?
A estratégia de utilizar ajuda humanitária como recurso de poder nas Relações Internacionais não é nova para os Estados Unidos. Seus efeitos foram estudados e sua eficácia política, em casos como este, tende a ser bastante limitada por uma série de motivos. Vejamos alguns. Primeiro, porque o país que assim suspende a ajuda humanitária é visto como desumano pela comunidade internacional e isso enfraquece sua capacidade moral de conquistar aliados para fortalecer sua posição negociadora. Segundo, porque a própria sociedade do país que promove o estrangulamento tende a se voltar contra o governo, se a mídia nacional explorar os rostos de crianças famélicas e a oposição defender uma posição alternativa. Terceiro, porque é provável que outros países preencham a lacuna, seja por razões intrinsecamente humanitárias ou pela oportunidade de se projetar como uma liderança internacional que defende direitos humanos. Para que isso não ocorra, o estrangulador precisa convencer países e organizações internacionais a não romperem o cerco.
O que tem ocorrido na prática? A comunidade internacional não se mostra simpática à estratégia de Trump e parte da mídia americana, com destaque para a CNN, faz duras críticas. A Bélgica fez o primeiro furo no cerco ao responder ao apelo da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente (UNRWA, em inglês) com um aporte de 23 milhões de dólares. Já o Partido Democrata parece não estar disposto a bater de frente com Trump nessa questão até o momento. É importante observar se os Democratas mudarão sua postura e se outros atores de peso farão contribuições.
Por que isso interessaria ao Brasil? Interessaria, se a política externa brasileira praticada desde o início do século XXI não tivesse sido abruptamente modificada pelo golpe parlamentar de 2016. O dramático caso dos refugiados palestinos, trazido ao centro das atenções internacionais pelo reconhecimento unilateral de Jerusalém como capital israelense pelos Estados Unidos, pode ser mais uma brecha aberta por Trump pela qual se esvairá a já minguante hegemonia americana. União Europeia e China vão se consolidando como as principais potências para assuntos de meio ambiente e de negociações comerciais, seguidas pelo Japão nesse último ponto. O caso do estrangulamento humanitário dos palestinos seria uma típica janela de oportunidade para o Brasil se posicionar tanto como eventual mediador, quanto como potência responsável e engajada pelo menos no combate à fome. Infelizmente, o atual governo não aproveitará essa janela.
Nos governos anteriores – especialmente no governo Lula – o Itamaraty buscava inserir o Brasil como uma liderança mundial nos temas relacionados ao combate à fome e, de fato, esse foi um nicho no qual a diplomacia havia conquistado um papel de destaque, mesmo na condição de país em desenvolvimento. Ao ser protagonista em foros internacionais com a bandeira brasileira do Fome Zero, o Brasil defendia na prática o princípio do multilateralismo na Relações Internacionais. Obviamente isso envolvia custos. Um deles era arcar com uma parcela maior da ajuda alimentar internacional e, de fato, o País se tornou um dos maiores doadores mundiais de alimentos no primeiro governo Dilma. O programa de ajuda alimentar não era perfeito e precisava de ajustes, mas não deixou de ser notável, principalmente por ser a primeira vez que o Brasil se lançava como potência nesse campo. A cooperação humanitária, junto com a condição de doador de cooperação técnica para o desenvolvimento agroalimentar, trouxe ganhos diretos e indiretos para o País. Não foi à toa que dois brasileiros passaram a ocupar os principais cargos da FAO e da OMC.
Agora o Brasil perde uma grande oportunidade de expandir sua influência internacional e colher os benefícios diretos e indiretos porque o atual governo não tem a capacidade de se engajar na crise Palestina do ponto de vista da segurança alimentar. O raciocínio hipotético permite apenas vislumbrar a possível projeção brasileira se diplomatas verdadeiramente comprometidos com a questão humanitária, como o ex-chefe da CGFome, Milton Rondó, ou um estrategista do calibre de Celso Amorim estivessem no governo. Certamente aproveitariam essa oportunidade não só para prover alívio humanitário aos refugiados palestinos, mas também para expandir a influência brasileira na região e nos grandes temas internacionais.
Essa não parece ser uma possibilidade para o governo Temer. Por mais que decida enviar alimentos aos palestinos, o gesto não poderia ser maximizado. É que em uma de suas frentes o ‘agrogolpe’, como pertinentemente sugeriu um colega, possui duas faces gêmeas: escanteia a agenda do combate à fome e do desenvolvimento social da agricultura familiar, enquanto se empenha em eliminar qualquer barreira para a expansão do agronegócio de larga escala. São exemplos disso a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Coordenação-Geral de Cooperação Humanitária e Combate à Fome do Ministério das Relações Exteriores logo após o agrogolpe, em 2016.
De todo modo, é provável que a população palestina dependente da ajuda sofra com o embargo se a quantidade retida for significativa. Como os EUA são o principal doador da UNRWA, arcando com cerca de metade de seu orçamento, o impacto pode ser grande. Mesmo que outros decidam ajudar, a logística leva tempo e, como se sabe, a fome não espera. Se a ajuda for monetária, talvez a UNRWA se adapte mais rápido.
Uma última palavra sobre a estratégia do estrangulamento de Trump: impor a fome aos palestinos pode prejudicar ainda mais qualquer possibilidade de um tratado de paz. Ao invés de amolecer o adversário, humilhá-lo com a negação de alimento pode acabar estimulando o ódio e endurecer sua resistência a fechar um acordo por causa da honra ferida. De fato, o líder palestino Mahmoud Abbas anunciou que a Autoridade Nacional Palestina não mais aceitará os EUA como mediador.
* Thiago Lima é professor de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pesquisador do INCT-INEU. Clique aqui e confira outros estudos do autor.
Texto originalmente publicado em 01/02/2018, em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Pelo-Mundo/Trump-o-estrangulamento-palestino-e-a-irrelevancia-da-diplomacia-brasileira/6/39289