Trump pode marcar mudança na relação com FMI

por Desiree Almeida Pires *

Os Estados Unidos são o maior cotista do Fundo Monetário Internacional (FMI), e sempre utilizaram o Fundo para alcançar objetivos não apenas econômicos, mas também políticos e de segurança nacional. Agora, com Donald Trump na presidência, as relações entre FMI e EUA correrem o risco de serem abaladas.

Ainda não é possível identificar claramente quais os planos dos Estados Unidos para o Fundo, mas a possibilidade de conflitos na relação evidencia-se tanto nos pronunciamentos de representantes do FMI, quanto dos representantes da nova administração, cética em relação à instituição.

De modo geral, Trump tem criticado o multilateralismo e a atual ordem liberal, construída e apoiada pelos Estados Unidos ao longo de décadas, traçando uma agenda na qual se prioriza o país em detrimento da sustentação dessa ordem. Além de defender o protecionismo e questionar a necessidade de cooperação financeira internacional, o governo Trump vem tecendo críticas ao FMI e ao Banco Mundial, pilares institucionais da ordem econômica internacional.

Entretanto, a administração Trump não pode ignorar o quanto a atuação do FMI é fundamental para o país. Historicamente, o Fundo contribuiu com a consolidação do dólar como moeda no topo da hierarquia internacional, lidou com crises internacionais, como a asiática e a latino-americana, barrou o avanço do comunismo durante a Guerra Fria condicionando o fornecimento de empréstimos à adequação de políticas econômicas e reformas estruturais nos países. Nesse sentido, a concessão de ajuda econômica para lidar com crises agradaria mais aos apoiadores de Trump se continuar sendo feita via FMI do que diretamente com os recursos do país.

Um dos pontos recentes dessa tensão foi a diminuição da previsão de crescimento dos Estados Unidos para 2,1% para os anos de 2017 e de 2018, divulgada no no último relatório do Fundo. Os economistas do Fundo não concordam com as premissas do plano de Trump, de que ajustes fiscais e cortes de impostos aumentariam o crescimento econômico do país. Além disso, o FMI considera improvável um crescimento de 3% ao ano devido, em parte, ao fato de que o mercado estadunidense se encontra em um nível consistente ao de pleno emprego.

O Fundo identifica que a previsão de cortes de gastos nas últimas propostas de orçamento afetariam as parcelas de renda média e baixa do país, o que contraria os objetivos de promoção de prosperidade e segurança aos cidadãos estadunidenses. Nesse sentido, o FMI argumenta que os Estados Unidos devem adotar políticas sociais, visando a melhoria de programas sociais federais e estaduais voltados às parcelas mais vulneráveis de sua sociedade.

Por outro lado, Steven Mnuchin, secretário do Tesouro dos EUA, critica o Fundo, defendendo que o FMI deve acentuar a supervisão sobre a manipulação cambial, como no caso da China. A nomeação de Adam Lerrick, que tem sido crítico do FMI e de sua atuação nos resgates de países enfrentando crises econômicas, para secretário assistente para finanças internacionais do Tesouro levantou ainda mais questionamentos por parte do FMI, e do Banco Mundial, sobre a postura que os EUA irão assumir em relação às instituições. Isso porque, em relatório elaborado pela Meltzer Comission, da qual Lerrick fez parte, ressaltou-se a necessidade de ajudas de curto prazo em detrimento do fornecimento de liquidez de longo prazo a países em dificuldades econômicas.

Ademais, para o FMI, que em sua criação recebeu como uma de suas funções a de incentivar e promover o crescimento do comércio internacional por meio da manutenção da estabilidade econômica internacional, os planos de políticas protecionistas do governo Trump iriam prejudicar o crescimento econômico global. A esta crítica os EUA têm respondido alegando que há países com políticas mais protecionistas do que si. Wilbur Ross, secretário do comércio do governo Trump, discorda que um retorno ao protecionismo pode gerar danos para a economia internacional, como tem alegado Christine Lagarde, diretora geral do FMI.

Ainda podem ser vistas divergências entre o Fundo e os Estados Unidos em casos como o dos empréstimos à Grécia e à Ucrânia, aos quais o país critica a concessão de empréstimos. Contudo, ambas as questões são fundamentais aos EUA: por um lado, a ajuda à Grécia contribuiu para evitar o aprofundamento de uma crise econômica europeia, continente que responde por grande porcentagem das exportações estadunidenses; por outro lado, a Ucrânia representa uma questão de segurança nacional aos EUA devido ao embate entre OTAN e Rússia.

Apesar das divergências, de acordo com Lagarde, é preciso que o Fundo Monetário Internacional e os EUA atuem em conjunto para apoiar e melhorar o sistema econômico existente, reduzindo subsídios e distorções comerciais que limitam a competição e desfavorecem o comércio internacional, por meio do fortalecimento do multilateralismo. A continuidade das boas relações entre o país e a instituição, em que se pese a atuação do Fundo como instrumento para o alcance de interesses nacionais estadunidenses, é fundamental para a manutenção da estabilidade econômica internacional, visto que o FMI dispõe de recursos financeiros e ferramentas técnicas para lidar com crises econômicas, sejam estas nacionais ou internacionais.

* Desiree Almeida Pires é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (UNESP,UNICAMP, PUC-SP) e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).

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