Política Doméstica

Ativismo judicial conservador colhe frutos com Trump

por Solange Reis

Ann Coulter, autora do livro “In Trump we trust”, sugeriu um slogan para a campanha de Donald Trump em 2020. Algo na linha “Quebrei minhas promessas, traí meus amigos e usei o cargo para ajudar minha família, mas, pelo menos, não sou Hillary Clinton”.

O mote é péssimo, mas Coulter não deixa de ter razão. A falta de grandes legislações aprovadas – apesar do controle republicano no Congresso – mostra a distância entre as promessas populistas e o primeiro ano de governo do atual presidente dos Estados Unidos.

Mesmo assim, Trump manteve a fidelidade de seus eleitores. Segundo uma pesquisa recente, 86% dos que o elegeram consideram que o republicano faz um bom trabalho.

Diferentemente do eleitor individual, os grupos de interesse costumam cobrar a conta cedo. É por isso que Trump tenta não decepcionar alguns setores que o apoiaram. Nem sempre funciona, como no caso da indústria de carvão, que continua em declínio.

Já a reforma das cortes de justiça do país é um “case” de sucesso. O ritmo acelerado de nomeações de juízes é o maior desde os tempos de Richard Nixon. Mas o que importa mesmo é o perfil dos magistrados. Muitos dos escolhidos são juízes conservadores e constitucionalistas, assim chamados por interpretar ao pé da letra a curta Constituição do país.

“Teremos grandes juízes, conservadores, todos escolhidos pela Sociedade Federalista”, garantiu Trump ao site radical BreitBart News durante a campanha. Foi a forma explícita de barganhar o apoio de parte da direita que duvidava de seu alinhamento ideológico.

Nesse ponto, promessa é dívida para Trump. Enquanto frases e atitudes polêmicas do presidente distraem a opinião pública, o conservadorismo começa a se instalar nas cortes dos Estados Unidos.

Máquina de nomeações

A primeira medida nessa direção foi a nomeação, em fevereiro, de Neil Gorsuch para a Suprema Corte (leia mais no OPEU). O juiz teve seu nome confirmado por um Senado majoritariamente republicano, preenchendo a vaga aberta com a morte do linha-dura Anthony Scalia.

Desde então, foram dezenas de nomeações e 13 confirmações, inclusive para as influentes cortes de apelações. Mais de 60 mil casos importantes que não chegam à Suprema Corte são julgados anualmente nessas instâncias.

Ao contrário de Gorsuch, alguns indicados por Trump não têm a qualificação necessária. O mais recente exemplo é o de Brett Talley (36), nomeado para o cargo vitalício de juíz federal no Alabama.

Com experiência zero em tribunal e sem nunca ter introduzido uma ação penal, seu grande trunfo parece ser o casamento com Ann Donaldson, advogada da Casa Branca.

Por não ver conflito de interesse na situação, Talley omitiu o fato no questionário para o Comitê Jurídico do Senado.

Outra característica não revelada ao Comitê é o posicionamento favorável à política de imigração restritiva e contrário ao controle de armas. Independentemente da ideologia, o Senado costuma vetar candidatos que manifestem opiniões políticas publicamente.

As omissões – e o passado excêntrico como caçador de fantasmas – não inibiram o comitê de recomendar a nomeação. Nem mesmo a rejeição do candidato pela American Bar Association (ABA), que o considerou desqualificado.

A ABA é uma espécie de OAB que atua, supostamente, de maneira independente e apartidária. Desde a presidência Eisenhower, a Casa Branca pede que a instituição faça a avaliação técnica e ética de potenciais candidatos antes de serem nomeados para cortes federais. Os critérios da organização incluem, entre outros, a experiência profissional e a discrição quanto à visão pessoal sobre política.

Com a chegada de Trump e sua equipe, a ABA perdeu importância. Algumas nomeações são feitas sem a avaliação da organização, acusada pelos republicanos de ser tendenciosa contra juízes conservadores.

Federalist Society

Em reportagem recente, o The New York Times (NYT) mostrou que as nomeações de Trump para cargos relevantes nas cortes são um projeto ideológico bem estruturado. Por trás das indicações estão instituições conservadoras. A principal delas é a Federalist Society, espécie de fórum para debates sobre direito e políticas públicas.

Dos 13 juízes confirmados, dez já passaram pela instituição. Assim como oito dos dez que aguardam confirmação. Leonard Leo, vice-presidente executivo da Federalist Society, é considerado a principal fonte do governo para a escolha dos futuros juízes.

Entre os financiadores da Federal Society estão David e Charles Koch, milionários do setor petrolífero e fundadores do movimento que originou o Tea Party. Os irmãos Koch, e sua rede de influência conhecida como Kochtopus (analogia à palavra “octopus”, que significa polvo em Inglês), também financiam as instituições Students for Liberty e a Atlas Network. Segundo o The Guardian e o The Intercept, essas organizações libertárias orientam movimentos da direita conservadora no Brasil, como o MBL.

Nan Aron, da Alliance for Justice, classifica muitos dos nomeados por Trump como extremistas contrários ao direito de trabalhadores, mulheres e outras minorias.

Para o NYT, a Federalist Society negociou com o então candidato Trump o apoio de grupos conservadores em troca do aparelhamento jurídico posterior. O mediador das partes foi Donald F. McGahn II, advogado de Trump na campanha e agora conselheiro jurídico na Casa Branca.

Uma estratégia apresentada por McGahn é preencher as vagas nas cortes de apelação dos estados onde Trump ganhou a eleição, forçando os democratas a não usar a regra “blue slip”. Esse procedimento dá aos senadores o direito de opinar sobre candidatos a juízes em seus estados, mesmo antes da nomeação. Mas para aqueles democratas que pretendem se reeleger em regiões pró-Trump, o preço para combater o conservadorismo seria risco maior de derrota nas urnas em 2018.

O momento não poderia ser mais oportuno para o projeto da Federalist Society. Trump herdou mais de cem postos vagos, o dobro do que encontrou Barack Obama. As aposentadorias dos juízes seniores elevaram esse número para 160 desde janeiro.

A reforma do Judiciário foi facilitada com o precedente aberto pelo Partido Democrata no governo Obama. Até 2013, valia a confirmação por maioria qualificada de no mínimo 60 votos. Para conseguir aprovar nomes boicotados pelos republicanos, os democratas adotaram naquele ano a chamada opção nuclear. A regra permite a confirmação por maioria simples (51 votos), o que é ideal para os republicanos que hoje controlam o Senado com a margem apertada de 52 cadeiras.

De acordo com Leonard Leo, são boas as chances de Trump reformar até 30% dos tribunais federais, garantindo as vagas para os constitucionalistas nas próximas décadas. “Trump é a mudança pela qual estávamos esperando”, afirmou.

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