América Latina

Sanções dificultam refinanciamento de dívida da Venezuela

Donald Trump autorizou as primeiras sanções econômicas contra a Venezuela, dificultando o acesso do país sul-americano ao sistema financeiro nos Estados Unidos. O objetivo é restringir os canais de financiamento para atingir o governo de Nicolás Maduro.

As medidas indicam que Trump pretende usar contra a Venezuela a prática de seus antecessores mais próximos, especialmente Barack Obama, para estrangular economicamente países antagônicos.

Rasgando a Carta da OEA

Sanções econômicas tornaram-se uma estratégia para alterar o comportamento de Estados desconformes com os interesses das potências centrais.

As penalidades começam no nível individual antes de, gradativamente, atingir esferas corporativas, setoriais e governamentais. Dependendo da reação, podem implicar a exclusão quase total do país-alvo do sistema financeiro global.

Alguns cidadãos venezuelanos sofrem sanções desde 2014. Em julho, Trump inclui o próprio Maduro na lista, embora não tenha sido confirmado se o presidente da Venezuela possui ativos nos Estados Unidos.

O pacote de penalidades da última semana se diferencia dos anteriores por atingir diretamente o Estado venezuelano. Uma ordem executiva assinada na sexta-feira (25) proíbe a negociação nos Estados Unidos de novos títulos do governo venezuelano com vencimento superior a 30 dias, e da estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA) com vencimento acima de 90 dias.

Os bancos não poderão abrir linhas de crédito para ambas as instituições, assim como empresas em território norte-americano ficarão impedidas de remeter lucros para estatais venezuelanas.

Steven Mnuchin, secretário do Tesouro, falou que as sanções são uma condenação a tirania e ditadura na Venezuela, e que elas garantem que instituições dos Estados Unidos não sejam usadas para “ajudar a financiar a expansão de regras não democráticas”.

As sanções acontecem depois que Maduro convocou a eleição de uma Assembleia Constituinte para reescrever a Constituição vigente, aprovada no começo da presidência de Hugo Chávez.

Críticos do governo consideram que a eleição foi inconstitucional pela falta de consulta popular prévia. Outro ponto polêmico são as regras da votação, que misturam representatividade territorial e setorial. A oposição alega que o objetivo de Maduro é limitar o poder do Legislativo, onde o governo não tem maioria desde 2015.

Já os governistas dizem que a Assembleia Constituinte pretende garantir a continuidade e a expansão dos direitos sociais adquiridos pelo povo desde a Revolução Bolivariana em 1998.

Intervenção à vista ou artilharia verbal?

Ao aplicar as sanções, os Estados Unidos reafirmam seu notório apoio à oposição venezuelana, mas violam a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA). O artigo 4 do tratado proíbe que os signatários interfiram militarmente, ou de qualquer outra forma, nos assuntos domésticos dos demais.

Recentemente, em meio a críticas por ter ameaçado bombardear a Coreia do Norte, Trump disse não descartar intervir militarmente na Venezuela. Como bem destacou o republicano, “os Estados Unidos têm tropas no mundo inteiro, e a Venezuela não fica muito longe”. Foi o alerta mais direto já feito por um presidente norte-americano desde que o regime chavista chegou ao poder.

O conselheiro de segurança nacional, H.R. McMaster, negou haver um plano antecipado de ação militar na Venezuela. “Todas as decisões serão tomadas conjuntamente com parceiros na região”, acrescentou o general.

Ao menos oficialmente, a ideia foi mal recebida até por países sul-americanos cujos governos se opõem a Maduro. O atual ministro das Relações Exteriores brasileiro, Aloysio Nunes, que defende a suspensão da Venezuela no Mercosul, declarou que o Brasil não apoiaria uma intervenção militar.

De todo modo, é bom lembrar que, em maio, os Estados Unidos foram convidados pelo Exército brasileiro a participar de um exercício militar na chamada tríplice fronteira amazônica (Peru, Colômbia e Brasil).

Inimigos, inimigos, negócios à parte

Apesar do aumento da produção nas reservas de xisto, os Estados Unidos importam mais da metade de seu consumo de petróleo. Em 2016, o país comprou 10,1 bilhões de barris por dia para atender à demanda de 19,63 bilhões de barris diários.

A Venezuela é seu terceiro maior fornecedor, atrás do Canadá e da Arábia Saudita. Mas enquanto o petróleo comprado da Venezuela corresponde a cerca de 8% do consumo norte-americano, a venda para os Estados Unidos equivale a 50% das exportações venezuelanas de petróleo.

A balança comercial pende a favor dos Estados Unidos, mas o motivo pelo qual Washington não boicota o petróleo venezuelano passa longe do humanitarismo alegado pela Casa Branca.

Muitas refinarias norte-americanas processam apenas petróleo pesado, como o da Venezuela, e a proximidade entre os dois países torna a logística muito competitiva. Além disso, a Venezuela é um mercado para os produtos refinados nos Estados Unidos.

Embora fosse uma via rápida para bloquear o acesso da Venezuela a reservas estrangeiras, boicotar o petróleo venezuelano prejudicaria as refinarias e aumentaria o preço da gasolina nos Estados Unidos. Risco alto demais até para o inconsequente Trump.

Tais restrições explicam a exceção aberta pelo Departamento do Tesouro para a Citgo Petroleum Corporation, subsidiária da PDVSA com três refinarias e mais de 6 mil postos de abastecimento nos Estados Unidos. A Citgo, que também pertence à petrolífera russa Rosneft (49,9%), não poderá remeter lucros para a empresa-mãe, mas continuará autorizada a negociar seus papéis no mercado financeiro norte-americano.

Outra justificativa para o tratamento especial dado a Citgo é o fato de a empresa ter contribuído com US$ 500 mil para o fundo inaugural de Trump. Na dúvida se Trump seria agradecido, a Citgo contratou a empresa lobista Avenue Strategies para convencer a Casa Branca a isentá-la de eventuais futuras sanções. A Avenue Strategies pertence a Barry Bennett, um dos conselheiros de Trump na campanha presidencial.

Como as sanções afetam a Venezuela

As sanções atingem a capacidade de refinanciamento de um país altamente endividado e com hiperinflação. Com apenas US$ 10 bilhões em reservas internacionais (a maior parte sem liquidez imediata) e US$ 7 bilhões em dívidas de curto prazo, a Venezuela precisa captar recursos no mercado financeiro se quiser manter o Estado funcionando e, ao mesmo tempo, importar produtos essenciais.

Com o preço do petróleo em baixa, torna-se mais difícil equacionar as despesas, incluindo o pagamento das dívidas. Cerca de US$3,8 bilhões em bonds venezuelanos, os chamados títulos da dívida pública, vencem no próximo trimestre.

Ao contrário do Irã, cuja economia diversificada o ajudou a superar o ciclo completo de sanções financeiras, a Venezuela depende muito do petróleo para obter reservas estrangeiras. O produto representa 95% das exportações do país.

por Solange Reis

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