Política Doméstica

Trump apoia proposta de restrição de imigração

Por Tatiana Teixeira

No início de agosto (2), o presidente Donald Trump anunciou seu apoio ao Reforming American Immigration for a Strong Economy (Raise Act), ressuscitando o texto dos senadores Tom Cotton (R-AR) e David Perdue (R-GA). Segundo nota divulgada pela Casa Branca, esse projeto de lei sobre imigração apresentado em fevereiro no Senado – ainda sem sucesso – tem como objetivo “proteger nossos trabalhadores, nossos contribuintes e nossa economia”. Ao defender a proposta, Trump destacou que impede os imigrantes de terem acesso a benefícios e a programas sociais concedidos pelo governo, como Medicaid, Food Stamps e Seguro Social, assim como impede trabalhadores sem qualificação, ou pouco qualificados, de “deslocarem” cidadãos americanos de seus empregos.

Já o conselheiro da Casa Branca Stephen Miller apontou a boa acolhida do texto por parte da opinião pública, a qual concordaria com um limite à imigração legal. Na mesma linha de seu chefe, Miller alega que os EUA sofrem “um fluxo histórico de imigração desqualificada” e que o sistema atual é “pesado”. Essa massa de trabalhadores pouco qualificados teria “puxado os salários para baixo”, prejudicando os americanos.

O apoio de Trump a essa abordagem da questão migratória surge em um momento de desaprovação recorde de seu governo – com 37,4% de rejeição, segundo média calculada pelo RealClearPolitics – e em meio a uma escalada de bravatas e de problemas em uma série de temas de natureza doméstica e internacional.

Cortar pela metade

Adotando um sistema de pontos para permitir a entrada de novos imigrantes, o texto se concentra em aspectos como formação do candidato, idade, títulos e condecorações (Prêmios Nobel e medalhas olímpicas são muito bem avaliados), nível de proficiência de inglês, área de trabalho (em especial ciência e tecnologia) e perspectivas salariais. Isso representaria uma mudança significativa na política do governo para o setor, que passaria a privilegiar o trabalhador qualificado, em detrimento de demandantes por laços familiares, reduzindo pela metade a imigração legal total aos EUA. Para isso, além do limite numérico, o texto restringe o tipo de parentesco elegível para se candidatar ao visto de residência permanente. Canadá, Austrália e Nova Zelândia já adotam um sistema de pontos. Embora sejam mencionados como fonte de inspiração pelos senadores americanos, o programa desses países tem várias diferenças em termos de direitos e obrigações dos solicitantes de visto permanente e/ou cidadania na comparação com o Raise Act.

Além de restringir o número de refugiados aceitos (até 50 mil), a iniciativa Cotton-Perdue também propõe o fim da Diversity Visa Lottery, programa que concede green cards por sorteio a cidadãos de países que historicamente enviam poucos imigrantes para os EUA. A Casa Branca afirma que essa “ultrapassada” loteria serviria a “questionáveis interesses econômicos e humanitários”. Foram 4,6% do total em 2015, segundo o Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês).

Hoje, cerca de um milhão de green cards são concedidos todos os anos, boa parte deles por motivos familiares. Com teto atual de 480 mil pessoas, essa categoria é o principal alvo da proposta republicana por conta de seu efeito multiplicador. Em 2015, ainda conforme números do DHS, 44,3% dos green cards foram concedidos ao núcleo familiar mais próximo de cidadãos americanos (a maioria sul-americana, com 61,6%), enquanto 20,4% foram para outros familiares, 13,7%, para pedidos com base em critérios profissionais, e 11,3%, para refugiados.

No maior esforço recente nesse debate, em 2013, a proposta bipartidária Border Security, Economic Opportunity, and Immigration Modernization Act chegou a avançar no Senado, mas morreu na Câmara de Representantes. Também determinava cortes e medidas de segurança, inclusive na fronteira, mas previa um longo e detalhado “caminho para a cidadania” para os então 11 milhões de imigrantes vivendo ilegalmente no país.

Reações

Congressistas democratas, a bancada hispânica na Casa e grupos defensores dos direitos dos imigrantes acusam o projeto de ser pouco democrático, de não ser economicamente razoável, de fugir do “espírito americano” e de ser até inseguro para o país, por seu potencial de levar ao aumento da imigração clandestina. Para o analista em política migratória Alex Nowrasteh, do Cato Institute, trata-se de “propaganda amplamente enganosa”. Republicanos de estados com alta densidade populacional de imigrantes também parecem insatisfeitos com o texto. De acordo com o senador Lindsey Graham (R-SC), a proposta seria “devastadora” para seu estado, que tem na agricultura e no turismo duas de suas principais atividades econômicas e conta enormemente com a força de trabalho imigrante.

Já seus defensores alegam que trabalhadores qualificados teriam mais condições de autonomia, sendo menos dependentes do governo, de seus recursos e serviços, e que fortaleceriam a economia. Este é, aliás, um argumento usado por ambos os lados. Em abril passado, um grupo de mais de 1.400 economistas enviou uma carta a Trump em defesa da imigração, em função “dos amplos benefícios econômicos que os imigrantes trazem para este país”. Outro ponto caro aos defensores do projeto se relaciona com a preservação dos valores americanos e de uma identidade nacional. Ambos estariam em risco diante da mudança no perfil populacional, resultante, em parte, do aumento da imigração.

Números

De acordo com o Pew Research Center, em 1965, 84% dos americanos eram não-hispânicos brancos, contra 62% em 2015 e os 46% previstos para 2065. Os hispânicos passaram de 4% em 1965, para 18% da população em 2015, podendo atingir 24% até 2065. Saindo de 1% em 1965, os asiáticos registraram 6% em 2015 e devem chegar a 14% em 2065. No intervalo entre 1965 e 2015, novos imigrantes e suas segunda e terceira gerações responderam por 55% do crescimento populacional dos EUA, ou 72 milhões, em uma população que pulou de 193 milhões em 1965 para 324 milhões em 2015. Nesses 50 anos, metade (51%) dos imigrantes era da América Latina, e 25%, da Ásia.

Essa tendência deve mudar até 2065, conforme o Pew Center. Com a desaceleração da imigração da América Latina (especialmente do México), hispânicos deverão representar 31% dos imigrantes contra 38% dos asiáticos, região que passa a ficar com a maior fatia. Segundo a projeção desse mesmo instituto, de 2015 a 2065, os próximos imigrantes e seus descendentes deverão responder por 88% do crescimento da população americana. Serão 78 milhões de imigrantes de uma população total de 441 milhões. Em 2065, nenhum grupo racial, ou étnico, deve ser maioria nos EUA.

Maioria apoia

De acordo com pesquisa Politico/Morning Consult realizada entre 3 e 6 de agosto e divulgada no dia 9, pelo menos 60% dos entrevistados são favoráveis ao plano migratório por sistema de pontos, apoiando boa parte das mudanças propostas como critérios de ingresso. Demonstrar proficiência no inglês é considerado determinante para 62%. Além disso, mais da metade (58%) concorda com o limite de vistos de residência permanente para refugiados. Ainda segundo a enquete, 48% respaldam a redução pela metade do número de imigrantes até a próxima década (contra 39%), e 45% (também contra 39%) aprovam que cidadãos americanos e residentes permanentes não possam mais solicitar green cards extensivos a parentes – situação chamada por Steve Miller de “ilimitada cadeia migratória familiar”. O novo plano limitaria a concessão de vistos permanentes ao cônjuge e a filhos pequenos.

Na avaliação do cofundador e chefe de pesquisa da Morning Consult, Kyle Dropp, um apoio republicano mais consistente do que o democrata faz que mesmo as disposições mais controversas nessa legislação recebam apoio de uma maioria. Ainda assim, a sondagem revela que 66% consideram que os imigrantes em situação legal “fortalecem nosso país, graças a seu trabalho duro e talentos”, em oposição aos 20% que veem esse grupo como “um peso”, “porque tomam nossa moradia, sistema de saúde e empregos”.

Trump tem contas a prestar a seu eleitorado, formado por uma maioria branca, do sexo masculino, com nível de escolaridade abaixo da média nacional, desempregado e defensor dos valores americanos. Foi para esse grupo, enfim, que o então candidato defendeu (e prometeu), durante a campanha presidencial de 2016, construir um muro na fronteira com o México, reforçar e ampliar as medidas de segurança doméstica e na fronteira, deportar todos os imigrantes em situação clandestina no país, restringir a entrada de muçulmanos, rejeitar refugiados sírios e cortar recursos para as cidades-santuário.

Mudança de agenda

O que se vê de imediato é um movimento para mudar a base e o teor de uma política migratória de certa forma ainda tributária do Immigration and Nationality Act, de 1965. Em meio ao debate sobre direitos civis e desigualdade racial nos Estados Unidos, a lei sancionada por Lyndon Johnson acabava com as cotas em vigor desde a década de 1920, as quais favoreciam o ingresso de imigrantes da Europa Ocidental e do norte e praticamente excluíam asiáticos, ou africanos, por exemplo. Como se viu acima, essa legislação contribuiu para alterar o perfil dos imigrantes no país.

No longo prazo, trata-se da busca da institucionalização dessas medidas no país, tanto no caso da plataforma de Trump, quanto no do projeto Cotton-Perdue e de outras iniciativas localizadas adotadas por vários estados. No sentido mais amplo, é um debate com diretas implicações socioeconômicas e eleitorais e que envolve, sobretudo, discutir (e definir) o que é, quem é e quem pode ser americano.

por Tatiana Teixeira

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