Escalada retórica eleva risco de guerra com Coreia do Norte
Em resposta ao teste de mais um míssil intercontinental norte-coreano, no dia 28, Donald Trump prometeu reagir com “fogo e fúria jamais vistos pelo mundo”.
A ameaça foi feita do Campo de Golfe de Bedminster, em Nova Jersey, onde o presidente trabalha enquanto a Casa Branca passa por reformas.
Contrariado com as palavras de Trump e com as sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU, no sábado (5), o líder Kim Jong-un disse que irá “examinar cuidadosamente” um plano de ataque à ilha de Guam. Cerca de 160 mil pessoas vivem no território norte-americano, onde os Estados Unidos mantêm uma das mais importantes de suas bases militares no Pacífico.
Crises entre Estados Unidos e Coreia não são novidades, mas o lançamento do míssil com capacidade para atingir grandes cidades norte-americanas, e a guerra retórica que banaliza o uso da força nuclear aumentam a insegurança.
A incerteza cresce com o fato de que o poderio norte-coreano se consolida numa época em que o líder dos Estados Unidos rompe padrões de comportamento político e diplomático, e elimina qualquer via de previsibilidade.
Criando ansiedade
Em uma série de tweets na quarta-feira (9), o presidente tentou explicar o óbvio. Fogo e fúria significam usar o poder nuclear que, graças a ele, estaria mais forte do que nunca. Segundo Trump, sua primeira ordem ao assumir o cargo foi mandar modernizar o arsenal do país.
Trump distorce fatos e prazos. Seu primeiro gesto na presidência mirou o Obamacare, e quem colocou em marcha a atualização da força nuclear foi Barack Obama, instituindo um programa de décadas.
Falar sem compromisso com a realidade tem sido uma marca do republicano, que se tornou o símbolo político de uma era na qual a informação se forma e se difunde em bolhas de radicalização nas mídias sociais. Trump soube captar as angústias e os medos de alguns segmentos, e verbalizá-los sem inibição protocolar.
Absorve uma linguagem populista e, quando questionado se teria cruzado uma linha vermelha com a Coreia do Norte, responde que a mensagem tinha que ser mais dura.
Quem vê sua ira não imagina que ele nem sempre apoiou o uso da força contra a Coreia do Norte. Em uma entrevista de 1999, quando indagado sobre o que faria em relação ao programa nuclear norte-coreano, o magnata disse que negociaria “feito louco” até conseguir o melhor acordo possível.
Eram outros tempos. Trump sonhava com uma candidatura independente, e acusava o Partido Republicano de ser uma direita louca.
O passar dos anos não mudou a posição do Partido Republicano no espectro ideológico, haja vista a ascensão do Tea Party. Foi Trump quem deu uma guinada tresloucada para a direita alternativa (alt-right, em Inglês)
Em busca do bom senso perdido
A Constituição estabelece que a função de declarar guerra cabe ao Congresso, mas grandes guerras e conflitos dos Estados Unidos depois de 1945 começaram sem uma declaração oficial.
Para fazer valer os freios e contrapesos do sistema político, o Legislativo aprovou, em 1973, o War Powers Act. Essa legislação determina que o presidente peça autorização ao Congresso antes de atacar um país, embora deixe alguns pontos descobertos, como guerras preemptivas e o uso de armas nucleares.
Em tese, o Congresso pode impedir Trump de acionar os códigos nucleares, mas não é certo que queira ou consiga fazê-lo na prática. Possivelmente, a oposição democrata não autorizará um ataque preemptivo, mas é a maioria republicana que será o fiel da balança.
Os políticos republicanos estão divididos. Para o senador Lindsey Graham, da Carolina do Sul, Trump não precisa de autorização legislativa, pois “não há nada na Constituição limitando o uso da força para se proteger a América”. Já o senador Dan Sullivan, do Alasca (estado mais perto da mira norte-coreana) afirma que a Constituição é bem clara quanto à necessidade de autorização.
Caso representantes e senadores republicanos busquem o sentimento da população, a divisão é nitidamente partidária. A maioria das pessoas teme uma guerra com a Coreia do Norte, mas democratas e republicanos discordam quanto à confiança em Trump como comandante em chefe. De acordo com uma pesquisa da CBS News, 61% não acreditam na capacidade do presidente. Destes, 87% são democratas, 64%, independentes, e apenas 22%, republicanos.
Diante de tanta incerteza, de onde virá a sensatez? O senador John McCain recomenda buscá-la, não em Trump, mas no seu entorno imediato. O importante são os assessores, afirma o conservador republicano, ressaltando que os militares John Kelly, James Mattis e H.R. McMaster, respectivamente, chefe de gabinete, secretário de Defesa e conselheiro de segurança nacional, são muito capacitados.
Um detalhe que vem passando despercebido é que cargos normalmente ocupados por civis são agora preenchidos por militares. Isso também indica redução do controle civil sobre as decisões estratégicas. Sempre é bom lembrar que Mattis, que na visão de McCain seria uma voz da razão, alertou Kim Jong-un sobre os riscos de destruição de seu povo.
De todo modo, a imprensa começa a divulgar que, enquanto Trump e Kim Jong-un disparam suas metralhadoras verborrágicas, diplomatas dos dois países agem nos bastidores para um acordo.
Reações de aliados e rivais
A sensatez também poderá vir de terceiros. No sábado (12), o presidente chinês Xi Jinping telefonou para Trump pedindo moderação ao “lado mais relevante” para evitar a escalada da tensão na Península Coreana.
O pedido parece combinado com a declaração do ministro das Relações Exteriores russo. Sergei Lavrov recomenda que o “lado mais forte e inteligente dê o primeiro passo para longe do limite do perigo”.
Angela Merkel prometeu colaborar para uma saída não militar, e condenou a escalada retórica. Trump não deixou por menos, sugerindo que ela fale pela Alemanha, e não pelos Estados Unidos.
Por outro lado, há aliados incondicionais. O primeiro-ministro Malcolm Turnbull afirmou, categoricamente, que a Austrália se juntará aos Estados Unidos em caso de guerra. Shinzo Abe, primeiro-ministro japonês, concorda em mais ações contra a Coreia do Norte para proteger a população do Japão.
A Coreia do Sul, talvez a maior interessada no problema, mantém o comportamento de sempre. Junta-se aos Estados Unidos em exercícios militares, como os que estão previstos para a próxima semana, ao mesmo tempo em que negocia uma saída com Pyongyang.
Em caso extremo de conflito, sobretudo de ataque preemptivo por parte de Washington, é provável que o mundo veja novamente a divisão do pré-guerra do Iraque. Na ocasião, George W. Bush classificou os aliados entre os que estão “conosco e contra”.
Trump tem uma visão menos respeitosa sobre alianças, e deverá ser menos diplomático do que Bush ao se referir aos aliados “traidores”.
por Solange Reis