Política Doméstica

Republicanos não conseguem revogação do Obamacare

Às vésperas do recesso do Congresso em agosto, os republicanos e o governo Donald Trump sofreram mais uma dura derrota no Senado. Em uma tensa sessão na madrugada de 28 de julho, a Casa rejeitou a versão light de um projeto de lei para “revogar e substituir” o Obamacare – como é chamado o Patient Protection and Affordable Care Act. Foram 51 votos contra 49, com John McCain (R-AZ), Susan Collins (R-ME) e Lisa Murkowski (R-AK) unindo-se a todos os democratas. Ainda atordoados e incrédulos com o resultado, os republicanos precisarão continuar tentando acomodar suas diferenças e buscar uma nova estratégia em sua batalha contra a reforma de saúde aprovada em 2010.

Mais pessoas sem cobertura até 2026

Com o objetivo de suavizar o texto e agradar aos mais conservadores, o Health Care Freedom Act (HCFA) propunha alterações de partes da legislação. Entre elas, o fim da obrigatoriedade de aquisição de um seguro de saúde por parte da população e sua suspensão, por oito anos, no caso de empresas com mais de 50 funcionários. Incluía ainda a suspensão do repasse de verbas para a organização de planejamento familiar Planned Parenthood durante um ano. De acordo com informe divulgado na quinta à noite (26) pelo Congressional Budget Office (CBO), o skinny bill deixaria mais 16 milhões de pessoas sem seguro até 2026. Além disso, em comparação com a legislação atual, os planos individuais sofreriam um aumento de 20% em todos os anos no período 2018-2026.

Em discurso no dia 24 na convenção nacional da National Association for the Advancement of Colored People (NAACP), o senador Bernie Sanders (D-VT) criticou o que chamou de “mais cruel, mais destrutivo e irresponsável texto legislativo já levado ao Senado dos Estados Unidos na história moderna” do país. Entre os efeitos das disposições do projeto, apontou o corte no Medicaid (programa de saúde para a população de baixa renda) e muitos percalços para quem tiver condições preexistentes. Admitindo que o Obamacare é “imperfeito”, defendeu que o “trabalho do Congresso é melhorar o Affordable Care Act, não destruí-lo”.

O fator McCain

No início da semana (25), os republicanos chegaram a celebrar uma pontual, mas importante vitória em sua saga contra o Obamacare. Após intensas negociações, o líder da maioria na Casa, senador Mitch McConnel (R-KY), conseguiu aprovar a moção de procedimento para iniciar os debates sobre a revogação e/ou substituição da reforma de saúde. Com direito a desempate por parte do vice-presidente Mike Pence e à presença inesperada de um convalescente John McCain, foram 51 votos a favor e 50 contra, incluindo duas dissidências já esperadas – Susan e Lisa, ambas moderadas. O suspense durou até o final, quando os indecisos – entre eles Rand Paul (R-KY), Dean Heller (R-NV), Rob Portman (R-OH) e Shelley Moore Capito (R-WV) – se posicionaram.

Nas duas sessões, e por motivos diferentes, foi decisivo o comparecimento do veterano senador, recentemente diagnosticado com um câncer no cérebro. O mesmo McCain elogiado por Donald Trump como um “herói americano” no início desta semana foi o mesmo que teve sua biografia questionada pelo então pré-candidato republicano, em julho de 2015. Segundo o magnata republicano, ele não seria um “herói de guerra” por ter sido “capturado” na guerra do Vietnã. “Gosto de pessoas que não foram capturadas, ok?”, declarou Trump, no polêmico episódio, sem nunca ter-se retratado. Essas situações – a doença, a busca pela integridade do que vê como seu legado político e suas diferenças com Trump – podem explicar muito do que aconteceu em plenária esta semana.

Em nota divulgada após a votação, John McCain voltou a defender a revogação e a substituição do Obamacare, mas “como uma solução que aumente a competição, os baixos custos e melhore o atendimento para o povo americano”. No mesmo comunicado, pediu que se volte ao “jeito certo de legislar”, o que inclui – segundo ele – colaboração bipartidária, com mais debate entre ambos os lados e diálogo com os governadores. O problema é que, não importa o quanto se debata, algumas divergências são de ordem fundamental e dizem respeito ao entendimento que cada grupo tem do papel do Estado, de sua relação com o mercado e de marcos regulatórios. Como se vê, o grande desafio da base governista ainda é conseguir elaborar um documento viável que apazigue demandas aparentemente irreconciliáveis.

Escalada de incertezas

O percurso até esse desfecho foi bastante confuso e com sinais pouco promissores. Agora, as dúvidas e o racha entre republicanos moderados e conservadores parecem ainda mais acentuados. Até a véspera da votação de terça-feira (25), por exemplo, o placar de dissidentes e de adesões era incerto. Nem os republicanos tinham uma ideia clara do que estava em jogo para poder decidir se abririam espaço para a apreciação do tema em plenária: se a completa revogação do Obamacare, pura e simples, sem colocar nada em seu lugar, ou se sua revogação e substituição, em meio aos diferentes projetos disponíveis.

Entre as opções, estavam a polêmica versão da Câmara de Representantes aprovada em maio – o American Health Care Act (AHCA); a do Senado, promovida por McConnell; e até um projeto de lei aprovado pelo Congresso em 2015. Vetado por Obama, este último preconiza a revogação da reforma de saúde sem sua substituição imediata, prevendo o fim da obrigatoriedade de aquisição de um seguro de saúde, assim como o fim da expansão do Medicaid.

Já na terça (25), logo após a aprovação da moção, o Senado rejeitou uma medida que incluía a polêmica proposta republicana de “revogar e substituir” o Obamacare (o Better Care Reconciliation Act), assim como as emendas do conservador Ted Cruz (R-TX) e do moderado Rob Portman (R-OH). Como essa ampla versão do Senado ainda não tinha sido analisada pelo CBO, seriam necessários 60 votos. Obteve apenas 43.

Diante de tantos impasses, a cúpula do partido começou a se mobilizar por uma versão mais light da revogação. Para aumentar as chances de conseguir revisar minimamente o Obamacare, a estratégia seria aprovar um texto simplificado no Senado e levá-lo para a discussão de conciliação com a versão da Câmara. Não funcionou, porque alguns tiveram receio de que, em algum momento, o texto fosse enviado como está para sanção presidencial.

Pressão do Executivo

Nos últimos dias, a Casa Branca foi a campo com esforços intensificados. O presidente Donald Trump ameaçou seus correligionários direta e indiretamente, chamou democratas de “obstrucionistas”, além de recorrer a uma entrevista coletiva com carga dramática, rodeado de cidadãos que teriam sido enganados pelas promessas dos democratas – os quais chamou de “vítimas esquecidas” do Obamacare. Em evento com o secretário de Saúde e Serviços Humanos, Tom Price, no encontro anual dos Escoteiros, em 24 de julho, afirmou (ao que parece, em tom de brincadeira) que iria demiti-lo, se a moção não fosse aprovada. Foi muito criticado pelo discurso político fora de lugar.

O vice-presidente Mike Pence também aproveitou cada encontro de sua agenda este mês para convocar os republicanos, como no jantar anual do Partido Republicano em Ohio (22). O governador desse estado, John Kasich, tem sido bastante crítico a Trump e à tentativa de “revogar e substituir” o Obamacare, denunciando as propostas de cortar recursos que seriam usados na expansão do Medicaid.

Na terça (25), talvez para não desgarrar fileiras, o presidente Donald Trump celebrou o resultado com um comedimento incomum, reconhecendo o longo e difícil caminho até a aprovação de uma nova legislação. “Foi um grande passo”, declarou, em entrevista coletiva, na qual se queixou dos votos contrários e prometeu um novo plano “muito, muito maravilhoso” e “realmente ótimo” para os americanos. No dia 28, recorrendo a seu tom habitual, voltou a defender que é melhor deixar o Obamacare “implodir e então negociar”.

Em geral, o tipo de pressão exercida por Trump tem-se mostrado pouco eficaz nesse assunto (e em outros), sobretudo, pela ausência de argumentos sólidos e de explicações sobre o que torna a versão republicana melhor do que a democrata. Apesar da facilidade de contar com maioria nas duas Câmaras do Congresso, a dificuldade de impor sua agenda continua. Após seis meses de governo, transbordam os sintomas de uma administração sem rumo, observada por um partido que ainda não se refez do “efeito Trump”. Em recente pesquisa divulgada pelo jornal The Washington Post com a rede ABC News, a aprovação do governo Trump atinge pífios 36% – um novo piso histórico em 70 anos para esse mesmo período.

por Tatiana Teixeira

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