Assessores de Trump sugerem usar mercenários no Afeganistão
O estrategista-chefe da Casa Branca, Steve Bannon, sugeriu trocar soldados por mercenários na Guerra do Afeganistão. Bannon levou a ideia ao secretário de Defesa, general James Mattis, no dia 8.
Segundo o The New York Times, Mattis recusou a proposta, que foi desenvolvida por empresários de segurança militar a pedido de Bannon e Jared Kushner, genro e conselheiro de Donald Trump. Dias antes, os dois assessores do presidente se encontraram com Erik Prince, fundador da antiga Blackwater, e Stephen Feinberg, proprietário da DynCorp International.
A sugestão acontece no momento em que o Departamento de Defesa se vê pressionado pelo Congresso a apresentar uma solução para a guerra que já entrou para a história como a mais longa dos Estados Unidos.
Terceirização e conflito de interesse
A proposta elaborada pelos empresários, de acordo com fontes ouvidas pelo jornal, tem como objetivo reduzir custos e aumentar a eficiência. De 2001 para cá, foram gastos US$ 826 bilhões no Afeganistão, sem contar as despesas relacionadas no Paquistão. Outras dezenas de bilhões foram dotadas para tratamento médico e psicológico, benefícios e aposentadoria dos veteranos.
Apesar do custo quase trilionário e das perdas humanas – 170 mil mortos e 183 mil feridos – o Talibã ainda controla 40% do território afegão.
Em entrevista ao blog de extrema-direita, Breitbart News, Prince disse que o uso de mercenários reduziria o custo para 10% do valor atual e daria resultados melhores. O ex-marine também sugeriu que o governo nomeie uma espécie de “vice-rei” para o Afeganistão, com muito mais autoridade e autonomia do que os comandantes militares têm hoje.
Feinberg propôs que as operações sensíveis a cargo do Pentágono voltem a ser de responsabilidade da CIA, que coordenaria as unidades paramilitares. A troca daria liberdade de ação para as missões clandestinas e o uso de drones. Por outro lado, reduziria a transparência, uma vez que a agência não precisa se justificar para o Congresso.
As propostas de privatização escancaram o conflito de interesse porque Prince e Feinberg estariam entre os prováveis beneficiários da subcontratação. O uso de mercenários também coloca um problema ético para o patriotismo que sustenta ideologicamente as guerras, pois os combatentes particulares são contratados em diversos países.
Erik Prince, ex- marine que se tornou empresário da violência
Prince não responde mais pela Blackwater, que trocou de nome duas vezes e hoje se chama Academi. Mudar a razão social e o sócio foi a saída para desvincular a imagem do massacre na Praça Nisour, em 2007, no Iraque.
Funcionários da empresa que faziam a segurança de um comboio diplomático norte-americano em Bagdá abriram fogo contra civis desarmados, matando 17 e ferindo mais de 20. O episódio levou à condenação dos atiradores, descrédito da Blackwater e atrito do governo americano com o iraquiano sobre a imunidade legal para soldados e terceirizados.
Depois de deixar o controle da empresa, em 2009, Prince continuou no ramo. Atualmente, ajuda o governo dos Emirados Árabes Unidos a montar uma força paramilitar.
Prince teve boa entrada no governo Bush, mas sua intimidade com o poder parece maior na atual administração. Sua irmã, Betsy DeVos, foi nomeada secretária da Educação em fevereiro. Entre outras controvérsias, a secretária defende reverter as políticas de Obama contra estupros em universidades e ouve grupos como Coalizão Nacional para os Homens, formada por militantes que contestam a versão das vítimas. Sua marca principal, porém, é o ataque ao ensino público.
O próprio Prince teria garantido, extraoficialmente, um lugar ao sol no governo. Em janeiro, o empresário se encontrou com representantes do governo russo para tentar alinhar as estratégias de Estados Unidos e Rússia na Síria. A reunião teria acontecido nas Ilhas Seychelles, dias antes da posse de Trump, sob a intermediação dos Emirados Árabes Unidos.
Stephen Feinberg, de Wall Street para a indústria da guerra
A DynCorp já atua no Afeganistão como a maior prestadora de serviços de logística e treinamento das forças afegãs. Desde 2002, quando começou a trabalhar para o governo norte-americano, foram mais de US$ 2,8 bilhões em contratos para essas atividades.
Atualmente, o conselho administrativo da empresa é formado por militares aposentados que ocuparam cargos de alto escalão das Forças Armadas e por financistas do setor privado.
Em 2009, a companhia protagonizou um escândalo sexual ao contratar meninos dançarinos para entreter soldados afegãos. O governo norte-americano abafou o caso e a DynCorp acabou comprada pelo Cerberus Capital Management, fundo especializado em investimento de risco, cujo CEO é Feinberg.
A aquisição pode não ter sido a melhor aposta do fundo, mas aproximou Feinberg do núcleo duro do poder. O financista, que doou US$ 1,5 milhão para o super PAC “Reconstruindo os EUA Agora” da campanha de Trump, chegou a ser cogitado para chefiar o Departamento de Segurança Doméstica e reformular as agências de inteligência dos Estados Unidos após a eleição.
A entrada de Feinberg para o círculo de confiança do presidente também seria um sinal positivo para a indústria de armamentos porque o Cerberus é acionista principal do Freedom Group, gigante nacional de produção de armas.
As trajetórias de Feinberg e Prince se cruzaram em 2005, quando o financista fez um treinamento tático nas instalações da Blackwater para aprender sobre armamentos.
Hoje, a reunião dos empresários com dois caciques da Casa Branca, dispostos a ouvir conselhos sobre estratégia militar, diz muito sobre a política de segurança de Trump.
Solução incomum para uma guerra ilógica
A relação entre governo e empresas privadas do ramo não é novidade nos Estados Unidos, nem exclusiva de um ou outro partido. Ambas as companhias prestaram serviço ao republicano George W. Bush e ao democrata Barack Obama.
O elo, no entanto, ganha complexidade na atual administração em função do impasse no conflito do Afeganistão e da disputa por influência – entre militares e civis, e mesmo entre Bannon e Kushner.
O plano de terceirização introduzido por Bannon chega no momento em que o Pentágono é pressionado a apresentar uma saída para a guerra. Passados quase 16 anos, os militares norte-americanos parecem não ter a menor ideia de como sair do Afeganistão.
No mês passado, Mattis admitiu ao Comitê de Serviços Armados do Senado que os Estados Unidos não estão ganhando a guerra e prometeu apresentar uma estratégia alternativa em julho. O novo plano deverá incluir o envio de mais quatro mil soldados, ideia já autorizada por Trump e publicamente defendida por Prince.
Breve resumo de uma guerra longa
Desmantelar a Al Qaeda e o Talibã foi a justificativa para invadir o Afeganistão em 2001. A presença militar foi precedida pela atuação da CIA, que trabalhou junto com a Aliança do Norte e o Pashtuns, grupos rivais do Talibã. No ano seguinte, teve início o processo de “state building” (reconstrução do Estado), mas o fortalecimento do Talibã em 2005 fez com que o Pentágono e a OTAN, em sua primeira missão fora da Europa, aumentassem a campanha.
Menos de um ano depois de assumir, Obama enviou mais 30 mil soldados para a contra-insurgência, elevando o contingente para quase 100 mil. O reforço, contudo, não trouxe o resultado esperado.
Depois de muita negociação, os dois países assinaram o Acordo de Segurança Bilateral em 2014. Entre outras coisas, o acerto permitiu que os Estados Unidos mantivessem bases no Afeganistão, acesso a residências civis e imunidade legal para soldados e contratados. Além disso, reduziu a presença militar norte-americana para pouco mais de 9 mil soldados com o objetivo de treinar o Exército afegão.
Parte do treinamento e quase toda a logística material é feita pela DynCorp International.
por Solange Reis