Saída do Acordo de Paris reduz liderança dos EUA
Ao retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris para o clima, Donald Trump alegou cumprir uma promessa de campanha. O objetivo foi evitar os custos de um acerto que o presidente considera desvantajoso para trabalhadores, contribuintes e empresas de seu país.
O republicano não descarta a possibilidade de retomá-lo com termos melhores do que os negociados por seu antecessor, Barack Obama, ou mesmo assinar um acordo novo.
Vistas por mais de um ângulo, a decisão e a justificativa são oportunistas. Se os motivos reais forem enfraquecer o multilateralismo e favorecer o setor de energia não renovável, Trump está no caminho certo.
Como no caso da Parceria Transpacífico (TPP), um acordo climático sem os Estados Unidos impede o alcance dos objetivos coletivos. Mas, ao contrário da TPP, não paralisa a iniciativa. Em primeiro lugar, porque o Acordo de Paris não envolve apenas os seus aliados. Depois, porque a transição energética para um paradigma verde já não tem só motivações climáticas, mas também econômicas.
No longo prazo, a escolha de Trump poderá custar aos Estados Unidos atraso na transformação energética, perda de competitividade e descrédito internacional.
Acordo com defeito de fabricação
Assinado em 2016, o Acordo de Paris já nasceu defeituoso para os Estados Unidos. Para evitar submetê-lo à ratificação do Senado, onde a rejeição era garantida, Obama o classificou com um acordo executivo entre seu governo e outras nações. Diante do chamado ceticismo climático do Partido Republicano, o compromisso teria nove meses de sustentação administrativa, caso Hillary Clinton não fosse eleita.
Na essência, o Acordo de Paris visa limitar o aumento da temperatura global em até 2 graus Celsius acima dos níveis da era pré-industrial. A estratégia é que todas as nações reduzam suas emissões de gases de efeito estufa nas próximas duas décadas e as eliminem na segunda metade do século.
Para alcançar o objetivo, 195 países se comprometem a desenvolver planos e metas nacionais, que serão verificados e revisados regularmente. As nações desenvolvidas também financiam o Green Climate Fund, criado para ajudar países pobres a desenvolver projetos de baixo carbono.
Os Estados Unidos propuseram reduzir, até 2025, entre 26 e 28% de suas emissões em relação aos níveis de 2005. Quanto à ajuda financeira para o fundo, sua cota ficou em US$ 3 bilhões, valor proporcional à parcela do país (29%) nas emissões globais desde 1850. Desse montante, US$ 1 bilhão já foi transferido. Ainda convenceram a China, que na época ainda relutava, a apoiar o compromisso.
Ciente das resistências domésticas, o plano de Obama foi promover um texto com partes vinculantes e voluntárias. Metas de redução não são legalmente obrigatórias, apenas a medição e a divulgação dos resultados. Nesse sentido, constatar o não atingimento das metas não implicaria punições, mas somente vergonha internacional. Já a contribuição financeira ficaria sob o escrutínio do Congresso. Obama sabia que a adesão ao acordo nascia na UTI e, sem continuidade democrata no Executivo, morreria de forma melancólica.
Operacionalmente, o cumprimento das metas dependia da adoção de regulamentações ambientais nos Estados Unidos. As principais ficavam sob o guarda-chuva do Clean Power Plan, desenvolvido pela Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em Inglês) dois anos antes. O objetivo central era reduzir, até 2030, 32% das emissões de CO2 pelas termelétricas no país. Se o plano era fundamental para os Estados Unidos cumprirem o acordo internacional, significava a pena capital para as usinas a carvão, que já perdem competitividade para as concorrentes a gás.
Obama foi acusado por seus críticos de travar uma “guerra contra o carvão” e as regulamentações passaram a sofrer ataques de todos os lados, inclusive derrota na Suprema Corte. Em 2016, por cinco votos a quatro, os juízes suspenderam o Clean Power Plan até que a Corte de Apelação do Circuito do Distrito de Columbia julgue uma ação movida por 27 estados e várias indústrias contra a EPA.
Aquilo que uma caneta cria sem articulação política, outra caneta destrói com igual facilidade. Em março, uma ordem executiva de Trump desfez o Clean Power Plan, inviabilizando a participação dos Estados Unidos no Acordo de Paris.
Crônica de uma morte anunciada
Para alguém que considera a mudança climática um boato criado pela China, Trump até que demorou a cancelar o Acordo de Paris. A explicação está na disputa de poder dentro da Casa Branca. Foram meses de discussão entre seus conselheiros, com Ivanka Trump, Jared Kushner e até o secretário de Estado, Rex Tillerson (ex-CEO da ExxonMobil), apoiando o acordo, enquanto Steve Bannon tratava de demonizá-lo.
Outro motivo foram as barreiras legais. O artigo 28 do texto não permite que um país abandone o compromisso antes de três anos após a assinatura. O renunciante ainda tem que esperar um ano após comunicar a decisão, por escrito, ao secretário-geral da ONU. Trocando em miúdos, tecnicamente, os Estados Unidos só poderiam sair depois de 04 de novembro de 2020. Porém, existe o entendimento de que as ambiguidades sobre vinculação e a não ratificação deixam o acordo no limite da inconstitucionalidade. Aparentemente, Trump joga com a segunda hipótese ou pré-aquece a polêmica para uma eventual campanha de reeleição.
No discurso de 1o. de junho, na Casa Branca, o republicano disse que a saída repara uma injustiça. Dizendo-se preocupado com o meio ambiente, Trump alegou que o acordo é mais financeiro do que ambiental, pois transfere riqueza para outros países, tira a soberania dos trabalhadores e põe a economia dos Estados Unidos em desvantagem.
O presidente se baseia em opiniões como as do Heritage Foundation, segundo as quais “o impacto econômico de instituir regulações associados ao Acordo de Paris serão severas. Políticas que restringem o uso de energia baseada em carvão nos Estados Unidos destruirão empregos e sufocarão o crescimento econômico”.
A maior parte da imprensa discorda da premissa conservadora e considera a decisão um erro enorme de Trump. Em editorial, a Bloomberg alerta que a indústria solar e eólica criou 17 vezes mais empregos nos Estados Unidos do que todos os outros setores econômicos juntos no ano passado.
Ao contrário do rei protestante, Henrique IV, que, no século XVI, disse que Paris “bem valia uma missa”, Trump achou melhor não trocar de time. No discurso em que anunciou o cancelamento do acordo, o presidente lembrou ter sido eleito para representar os cidadãos de Pittsburgh, e não de Paris. Uma referência nacionalista de rejeição ao globalismo que provocou a resposta irônica do prefeito de Pittsburgh. “Na verdade, nessa estamos com Paris”, disse Bill Peduto.
O prefeito democrata não fala sozinho. Um movimento paradiplomático e bipartidário, que inclui o ex-prefeito republicano de Nova Iorque, Michael Bloomberg, pretende encaminhar à ONU um plano para cumprimento das metas climáticas. A iniciativa é positiva, mas não deixa de gerar um impasse jurídico, pois o Acordo de Paris não prevê um mecanismo formal para entidades que não sejam países.
É verdade que o cancelamento foi promessa de campanha, embora dois em cada três eleitores de Trump achem que os Estados Unidos deviam permanecer no Acordo de Paris. Os eleitores não são exatamente a maior força de oposição ao combate à mudança climática. Esse papel cabe ao Partido Republicano e à indústria de carvão.
Menos verdadeira ainda é a suposição do presidente de readequar o acordo aos interesses de seu governo ou de assinar um arranjo inteiramente novo. O documento assinado não permite revisão, sendo remota a probabilidade de que duas centenas de países se engajem em novas negociações.
Unilateralismo descompassado
A motivação real de Trump foi agradar ao setor econômico de energia tradicional e reforçar para o mundo seu desprezo pelo multilateralismo. Além do apreço pelo unilateralismo, o presidente mostra ignorância sobre a transição energética em curso. Basta ver o que fazem a China e a Alemanha, dois de seus principais competidores comerciais.
A Alemanha foi pioneira em promover uma transformação profunda na forma de gerar, comercializar e consumir energia renovável, numa iniciativa apartidária conhecida como Energiewende. O projeto inspirou a China, que hoje é o maior investidor global em energia renovável. As motivações ambientais são evidentes nos dois casos, principalmente na China, que tomou dos Estados Unidos a triste liderança em emissões poluentes. Mas os interesses econômicos sob o planejamento chinês e alemão são inegáveis e já se fala em transição energética como uma nova fase da Revolução Industrial.
Trump e Obama sabem que interesses setoriais e políticos subtraem dos Estados Unidos a capacidade de liderar um acordo climático e uma revolução energética. A diferença entre os dois presidentes é que o democrata tentou dar nome aos bois, responsabilizando o Partido Republicano, os democratas moderados, os velhos setores de energia e o conservadorismo legal. Trump desacredita a solução para preservar o problema e o status quo.
No longo prazo, a decisão poderá ter efeito bumerangue, pois a maioria da população apoia o Acordo de Paris. Além disso, deixa a China e a União Europeia na liderança das negociações internacionais para o clima, um erro que poderá custar caro não apenas ao soft power dos Estados Unidos, como colocar o país verdadeiramente em desvantagem na transição para um paradigma de energia verde.
por Solange Reis